Capítulo 16: Quando disse para ir embora significava "fique"

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"Não devemos ter vergonha de nossas lágrimas pois elas são como a chuva que lava a poeira de nossos corações empoeirados." (Grandes Esperanças - Charles Dickens)

Theodor correu até suas pernas arderem e faltar ar em seus pulmões. Caiu de joelhos e cobriu o rosto com as mãos. Não demorou para sentir alguém o apalpando.

- Saía daqui! - bradou com a voz abafada.

- O que aconteceu? - Yarin quis saber ao sentar-se na grama.

Ficou a passar as mãos em círculo em volta das costas do rapaz.

- Apenas vá embora! - continuou pedindo.

- Como que posso ir e te deixar aqui nesse estado?

Por Theodor estar tremendo, ela precisou guardar sua própria dor no bolso para cuidar da dele. Mas continuava repetindo que não a queria ali. O que a fez sentir um gosto amargo na garganta. Não admitia ser rejeitada novamente. Ainda mais por ele.

- Não estou pedindo sua ajuda! Quero que saía e me deixe sozinho! - tirou as mãos do rosto somente para encará-la com seus olhos inchados, nariz vermelho e bochechas rosadas.

Não havia nenhum traço da alegria que experimentaram minutos atrás.

- Theodor, eu entendo se não quiser dizer o que aconteceu. Apenas me deixe ficar aqui até você melhorar. - afagou seu ombro como se fosse uma súplica.

Nos olhos da garota também havia um brilho triste, deixado por lágrimas.

- Eu prometi que não te machucaria e que provaria que sou uma pessoa melhor do que isso. Mas se você continuar aqui, me vendo dessa forma, vou acabar falhando na minha promessa.

Podia sentir o hálito quente que saiu da boca dele. Assim como enxergava de perto os fios arrepiados de seu cabelo loiro. Calmamente retirou as mãos das costas do rapaz e levantou-se. Foi embora sem dizer mais nada. Andando vagarosamente para perto da multidão, que continuava reunida em volta da banda da Omega Church.

A música que fez Theodor correr para longe já havia terminado. Yarin se assentou à distância, sobre os degraus gelados, ao encolher o corpo e abraçar suas pernas. Tentou se concentrar no que estavam cantando. Também observou Lee Kwan tocando o violão bege claro e cantando como se toda sua vida dependesse disso.

Ele até poderia ter seus defeitos, mas, naquele momento, enquanto entoava com sinceridade cada palavra da canção, era o homem mais envolvente do ambiente. Assim se permitiu fitá-lo até a apresentação cessar e as pessoas começaram a ir embora. Ficando apenas ele, Masai Tom e Kang Ju-ri.

Os três perceberam que Yarin não estava bem.

- É melhor você ir falar com ela, Lee. - pediu Tom ao lhe dar um empurrão que o fizera tropeçar.

Ao engolir em seco, coçar a parte de trás dos cabelos, foi se aproximando devagar e com passos leves. Sentou-se ao lado de Yarin e por vários minutos ficou sem dizer nada. Apenas quando Tom e Ju-ri terminaram de guardar os instrumentos e equipamentos de som, acenaram para o casal e se retiraram. Então Lee Kwan começou a falar com a garota numa voz amena e quase em um sussurro.

- Cadê o Delacroix? Só o vi no início. Ele fez alguma coisa com você?

- Não. Acho que eu que fiz algo errado ao trazê-lo aqui. Não sei o que houve, mas ele saiu correndo no meio dessa grama. Quando tentei ajudar, praticamente me expulsou! - Yarin mantinha a visão fixada no chão debaixo de seus pés.

- Sabe me dizer se ele é ateu ou talvez já tenha sido decepcionado pela igreja?

- Não sei. - deu de ombros - Ele apenas mencionou uma vez, naquela noite que dormiu no seu carro, que Deus levou alguém que ele amava. O que o fez se sente revoltado, como se Jesus fosse o culpado.

O Livro Perdido de Yarin Davies (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora