"Nenhum trapaceiro na face da terra nos engana tão bem quanto o trapaceiro que existe em nós, e com tais pretextos eu enganava a mim mesmo." (Grandes Esperanças - Charles Dickens)
O coração de Yarin estava extremamente apertado. Tinha uma sensação de estar sufocada. Era como se estivesse tentando conter uma verdadeira enxurrada de lágrimas. Não poderia chorar. Porque o quarto de seus pais eram praticamente colado na parede do seu. Eles poderiam ouvi-la e não queria ter que se explicar.
Pelo menos não choraria até seus pais saírem para seus locais de trabalho. William estava empregado em uma grande empresa de engenharia que constrói prédios residenciais. Assim acordava antes do dia clarear para chegar cedo na área da obra.
Apesar de ser formado em engenharia civil, ainda não tinha tido a chance de liderar nenhuma das grandes construções que havia participado e se tornar próspero como pretendia ser ao chegar na Coréia do Sul. Às vezes reclamava por não ter o reconhecido que achou que teria. Acabava fazendo coisas que eram simples demais para sua formação. O que o fazia ganhar menos que o esperado.
Durante esses momentos em que seu pai murmurava e ameaçava voltar ao Brasil, Yarin temia retornar ao local onde seu maior trauma ocorreu. Não conseguia se imaginar em sua cidade natal até que se sentisse bem resolvida emocionalmente para lidar com seu passado.
Já Constance costumava acordar um pouco mais tarde que seu marido. Pegava o metrô para ir ao restaurante que trabalhava localizado em outro distrito. Próximo ao hospital onde Yarin havia recebido atendimento na noite passada.
De repente, imaginou novamente os toques delicados de Theodor limpando o sangue que escorria em sua testa. Continuava lhe chamando atenção o fato dele não ter se afastado por causa das manchas sobre suas bochechas.
Nos momentos iniciais em que esteve com o jovem, havia até se permitido pensar o quanto seria bom ter alguém como ele ao seu lado. Nunca mais havia se sentido tão cuidada por um homem. Principalmente por alguém que mal a conhecia. Mas tais sentimentos platônicos se dissolveram e foram transformaram em raiva quando viu a mensagem que ele lhe enviou.
A releu centenas de vezes. Se obrigou até em pronuncia-la em voz alta, para procurar algo que lhe dizia que não havia brincado com ela. Que era tudo uma tremenda coincidência e que não fazia ideia que aquela garota que havia socorrido era a pessoa que tinha perdido o livro. Porém o coração de Yarin não aceitava isso. Queria acreditar apenas que o rapaz havia a feito de boba.
Naquela noite, após reprimir todo o choro que queria vir, apertando o travesseiro contra seu rosto, conseguiu dormir quando já era madrugada. Ao acordar, levantou-se com dificuldade, foi até a cozinha e encontrou sobre a pequena mesa redonda, o seu café da manhã e um bilhete escrito com a caligrafia de sua mãe.
"Coma direitinho e não se esqueça de tomar os remédios. Já liguei para a sua patroa e avisei o que lhe aconteceu. Não saía de casa e qualquer coisa me ligue que eu venho aqui. Te amo".
De vez em quando, sua mãe escrevia que lhe amava ao final dos bilhetes que deixava antes de ir ao trabalho. Passariam praticamente o dia inteiro sem se ver. Tanto Constance quanto seu marido só iriam aparecer no início da noite, quando a menina estaria na universidade.
Mas Yarin sentia falta de ouvir um "eu te amo" dito através dos lábios de sua mãe e não por meio de letras em um papel amarelo colado na geladeira ou posto sobre a mesa. Todavia, a própria não tinha coragem suficiente para declarar que amava seus pais. Achava que apenas tentar ser uma boa filha, ajudar financeiramente ao pagar alguma conta e não trazer problemas para dentro de casa bastaria.
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O Livro Perdido de Yarin Davies (DEGUSTAÇÃO)
Storie d'amoreESTA É A PRIMEIRA VERSÃO DO LIVRO 📖CAPÍTULOS INÉDITOS E FINAL EXTRA NA EDIÇÃO EXCLUSIVA LIVRO FÍSICO NO MEU SITE E-BOOK PELA @AMAZONBR O QUE VOCÊ FARIA COM UM VASO QUEBRADO: CONSERTARIA OU JOGARIA FORA? MAS SE ELE FOSSE UMA PESSOA COBERTA DE RACH...