Capítulo 5: Machucados físicos doeram menos que os da sua alma

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"Ninguém pode achar que falhou a sua missão neste mundo, se aliviou o fardo de outra pessoa." (Grandes Esperanças - Charles Dickens)

Tão fácil mandar uma mensagem de texto que Theodor se perguntou por que não o fez antes. De qualquer maneira, estava feito. Havia clicado em enviar. Sentia-se feliz e aliviado. Pedia aos céus para que Yarin escolhesse a opção de encontrá-lo e receber o livro. Estava curioso em conhecer a garota que lera aquele livro em Português. Também queria ouvir de seus lábios como fora capaz de esquecer tal objeto em uma parada de ônibus.

Enquanto aguardava uma resposta da garota, ficou relendo o papel que encontrou onde ela rabiscou algumas citações retiradas da obra de Dickens. Gostando muito das observações pessoais que ela escreveu sobre cada fragmento. Tentava imaginar como ela se parecia. Talvez fosse uma coreana típica com a pele como de porcelana, nariz afilado e um sorriso contido. Com um corpo magro coberto por cardigãs e saias curtas mesmo no inverno.

Uma coisa que não lhe restava dúvidas era de que Yarin possuía uma alma bonita que lhe cativou. Viu-se desejoso de conversar com ela sobre literatura. Sentia que ambos compartilhavam o amor por bons livros. Talvez até sonhassem com uma humanidade mais igualitária e paciente para saber vivenciar cada estação como se deve.

Apesar de ainda não havia se recuperado de seu antigo relacionamento, pensava: mas e se gostasse tanto da companhia dela? O que poderia fazer a não ser tentar preencher um buraco que havia ficado? Ser amigo de Yarin seria uma honra maior do que poderia um dia merecer?

Mas a queria certo de que a culpa não era da solidão extrema e nem da carência. Tão pouco por se sentir atraído por aquilo que era misterioso e desconhecido. Dizia a si mesmo que queria apenas conhecer pessoas novas. Mas não como as garotas que o paqueraram no bar. Nem como suas colegas de turma ou de trabalho.

Também tentava se convencer de que o vazio que sentia não era proveniente do afastamento dos poucos membros da família com quem mantinha contato.

Mesmo sentindo que suas amizades eram rasas e raras naquele lugar, somente via em Yarin uma pessoa com quem poderia aprender mais sobre os escritos do pós-guerra entre as Coreias.

Nesse ínterim, as horas foram passando e a noite chegara. Foi mais um dia em que Yarin não conseguiu ter um bom rendimento nas aulas.

Durante aqueles três anos que estivera ali, seus professores mais antigos já haviam vivenciado os tempos em que ela ficava muito deprimida e acabava faltando às aulas. Diferente dos tempos de ensino médio no Brasil em que a maioria não compreendia seus dias depressivos onde não aguentava fazer absolutamente nada. Sentia que havia recebido um apoio maior da instituição na Coreia. Pelo menos de alguns.

Porque não bastava ela ser estrangeira e alguns a tratarem com indiferença por conta disso. Ainda havia o fato de sua doença causar certo medo em algumas pessoas. Porque alguns pensavam que poderia ser contagioso.

Em suas mentes tinham crenças antiquadas e preconceituosas como achar que ela teria lepra, uma doença comumente retratada nos textos bíblicos. Porém se esqueciam de que Jesus havia se relacionado e tocado pessoas com essa enfermidade. As havia curado. Ele se importava ao invés de excluí-las. Tanto que os tempos passaram e hoje é conhecida como hanseníase passível de tratamento, cura e recuperação.

Entretanto, Yarin não tinha essa doença. Mas muitas pessoas não se davam ao trabalho de serem pacientes e se relacionarem com ela até saberem sua história. A julgavam só de olhar. Apesar dos anos que sofria com essa discriminação, jamais poderia dizer que havia se acostumado.

Pois como se habituar com pessoas a olhando de forma maldosa, crianças sensíveis se assustarem com as manchas em suas mãos, idosos acharem que ela era contagiosa e não a querer perto de seus netos? Não. Não tinha como se acostumar com o preconceito. Nem com comentários inocentes de alguns adolescentes que logo lhe perguntavam o que ela tinha na pele, antes mesmo de quererem saber qual o seu nome. Isso doía.

O Livro Perdido de Yarin Davies (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora