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Onde você vai?— a voz de Camila ressoou pelo hall da entrada, o único lugar que estava vazio da nova casa.

Michelle que ainda segurava na maçaneta não se deu ao trabalho de olhar para trás e dar uma resposta olhando em seus olhos.

— Não espera que eu fique aqui sendo sua esposinha né?— o tom rude fez Camila se arrepender de abrir a boca para soltar uma palavra.— Pelo que eu me lembro nem a Lauren estava fazendo esse papel ultimamente.

Ela tinha razão e Camila sabia disso. Depois do que aconteceu nas últimas semanas Lauren não trocava uma palavra com a esposa e era fato que a mudança não faria isso mudar de jeito algum. O que restou foi Michelle com a prova de que Lauren não fazia forças para retornar ao seu corpo porque talvez não tivesse vontade de voltar ao que estava antes.

— Você é diferente de quem eu achava que você era sabe?— a frase fez Michelle se intrigar e ouvir com atenção.— Eu só vi pedaços de você, pedaços repletos de fúria e ódio. Mas você não é só isso, você é como qualquer ser humano, você parece ter um propósito.

A de olhos verdes continuou em silêncio até soltar a mão da maçaneta da porta, como se por um instante tivesse desistido de fazer o que faria e quisesse prestar atenção.

O comportamento de Michelle era imprevisível, mas Camila se permitiu continuar.

— Mas você não se parece com ela. Eu entendi, vocês são pessoas diferentes, desculpa se eu não percebi isso antes.— o pedido de perdão fez Michelle tensionar os ombros e assumir uma posição rígida enquanto permanecia em pé encarando os vincos de madeira da porta.— Eu sei que eu sempre me referi a você como outra pessoa, mas no fundo eu só achava que era uma parte dela…uma parte ruim.— a voz de Camila falhou nesse instante, mas ela limpou a garganta.— Uma parte que se perdeu pelo que ela passou, sabe? Ser abandonada em um orfanato e depois ter que viver em uma nova família e aqueles machucados…eu me lembro até hoje de como eram.

O clima ficou tenso por um instante, Michelle parecia pronta para dizer alguma coisa, mas atrás de si ouviu Camila fungar tentando segurar as lágrimas.

Ela se machucava.

As palavras repercutiram pelo cômodo por alguns poucos segundos.

— Eu nunca perguntei o motivo. Eu sentia medo.

Camila usou as mangas do suéter velho que colocara essa manhã para limpar as lágrimas que se formavam em seus olhos. Não queria demonstrar ser tão emotiva assim para a pessoa que a qualquer momento poderia tentar agredi-la sem razão alguma.

— Você sentia também?— a pergunta saiu, mas não foi acompanhada de uma resposta, fazendo Camila continuar sozinha.— Quando ela sentia dor, você sentia? Sentia quando ela estava aflita? Sentia a solidão? Sentia sua tristeza?

Mais uma vez o silêncio se formou, dessa vez ainda mais pesado que antes, Michelle continuava ali do mesmo jeito, mas pelo menos Camila sabia que ela estava ouvindo.

Você sentia ela me amar?

A pergunta agiu de forma rápida, ricocheteando no ar até para onde mais doía. Amar. Quando Michelle foi ensinada a amar? O que ela sabe sobre amor? Ela ama? Ela é amada? Ela nem ao menos vive de verdade, como pode ter outro sentimento além da raiva ou do ódio?

E pela primeira vez em todos esses anos uma pequena lágrima se formou no canto do olho de Michelle, era quente e desceu correndo por sua bochecha até escorrer no chão, se não fosse a vermelhidão que acabara de se formar em seu rosto e o seu pequeno rastro molhado não existiria nenhuma prova de que ela um dia existiu.

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