MICHELLE

26

A água quente limpava o corpo cansado de Camila, o banheiro era velho com canos de ferro enferrujados que ficam expostos fora das paredes tijolos, era surpreendente como aquilo ainda podia carregar água limpa. O chão que ela pisava estava velho e quebrado, mas ela precisava daquilo, precisava limpar o que contaminava sua pele.

Ainda pensava no que aconteceria quando saíssem daquela casa e tivessem que encarar a realidade. Michelle matou Courtney. Dentro dessa casa isso não parece algo relevante ou merecedor de punição, mas lá fora se descobrirem…

Camila desejava acordar desse sonho.

Fechou os olhos deixando a água que caía fraca limpar seu rosto, deixou algumas lágrimas caírem junto porque queria voltar no tempo. Voltar para quando ainda era criança e tinha sua mãe ao seu lado, quando Lauren era Lauren e seu pai chegava em casa do trabalho trazendo biscoitos com gotas de chocolate.

Queria voltar no exato momento um pouco antes de tudo isso começar.

Queria viver o seu único dia feliz repetidas vezes em um looping infinito.

Mas ela sabia que não podia, agora ela entendia que não é possível voltar no passado e que tudo muda, por mais que você tente fazer algo ser para sempre o mesmo…ele desvia o caminho e escorrega das suas mãos. Não dá para controlar tudo, mas dá para aceitar o que vier.

Fechou o registro enferrujado com as mãos trêmulas, usou a toalha que a senhora havia dado e secou o seu rosto. Tinha uma muda de roupas lhe aguardando na única cama do quarto de convidados. Não fazia ideia de onde ela conseguiu algo para que ela vestisse em uma casa tão velha e sem nada, mas já se sentia cansada de fazer perguntas e não queria mais esclarecimentos.

Enquanto isso Michelle ainda conversava com seu pai, só não sabia que essa seria a última primeira vez.

— Se eu tivesse um filho, nasceria como a gente?

O senhor balançou a cabeça negativamente com um olhar entristecido.

— O corpo é dela, não seu.

— Isso significa que nossa linhagem se encerra comigo?— as mãos de Michelle tremiam, ela não choraria nesse momento, mas sentia algo no seu peito apertar. A dor de saber que viveria para sempre presa era agonizante, a fazia querer gritar em plenos pulmões.

— Existem outros, outros como você. Você não é a única, não poder ser. As pessoas guardam o que sentem, o que não querem que ninguém mais veja…

A frase foi cortada ao meio, uma rajada de vento entrou pela parte da janela em que faltava uma tábua de madeira. Do lado de fora no quintal dos fundos o cão de pelagem branca latiu atraindo a atenção do dono que tratava seus animais como se fossem seu filhos. Michael encarou a passagem da porta e viu as sombras dos animais correndo de uma lado para o outro, provavelmente caçando algum pequeno animal.

— O que acontece…?— o pai limpou a garganta antes de perguntar, dessa vez desviando o olhar e encarando os olhos da filha.— Quando não é você que está aqui?

Michelle contraiu os lábios e respirou fundo, ela sabia que nem Lauren contava para Camila como era a sensação de não estar presente no próprio corpo. Provavelmente não porque não quisesse, mas sim porque não existiam palavras corretas para descrever.

Sabia também que a mesma não se lembrava do que acontecia quando Michelle tomava conta, mas não é igual com ela.

— Eu vejo o que ela vê.— desviou o olhar para um ponto específico na parede, uma parte onde a luz do sol refletia, um pequeno filete amarelado que iluminava a parede horrenda e escura.— Mas estou paralisada, não sou capaz de impedi-la ou de controlar o que ela faz, meus pensamentos também não a influenciam.