MICHELLE

23

— Nós somos os solitários, os que estão escondidos.— as palavras de Michelle ainda ecoavam na cabeça de Camila.— Nós nos mantemos calados, nos mantemos nas sombras, vocês nem sabem que estamos aqui.

Ainda sem ar para respirar, ela segurou no braço da que estava de pé."Merda, merda, merda." Seus pensamentos estavam atordoados.

Duas semanas atrás Camila conheceu Courtney enquanto ainda fazia os preparativos da mudança. Não passava de uma garotinha curiosa que gostava de conhecer gente nova já que não tinha muitos com quem conversar, em uma pequena vila, a única criança, filha de uma mãe viúva que cuida dos pais já idosos. Camila esbarrou com ela assim que saiu da caminhonete com as primeiras caixas de mudança, mas foi seu pai que se apresentou primeiro.

"Olá." Alejandro sorriu com aquele olhar calmo e voz suave, a menina um tanto tímida ficou com as bochechas coradas, mesmo assim respondeu com um pequeno sorriso.

Camila foi que ofereceu algumas balas para ela e assim todo dia em que aparecia, oferecia doces para a menina que adorava e se divertia os vendo fazer a mudança, porque sabia que logo teria novas pessoas para conhecer.

E agora…bom…tudo mudou.

Camila estava em um misto de sentimentos, uma confusão de pensamentos, recordava todos os pequenos momentos em que conversou com Courtney, não foram muitos afinal, a mudança levou duas semanas e não era todo dia que Camila ia, a maior parte do que foi carregado foi aos cuidados de
Alejandro.

Não a conhecer muito bem não aliviou a dor que ela passou a sentir ao ver aquilo. Era completamente surreal, nem chegava a fazer sentido. Quem no mundo seria tão cruel para matar aquela criança doce e inocente? Para ela nem Michelle com toda a sua crueldade parecia capaz de um ato abominável como esse…mesmo que ela tenha admitido.

"Nós somos os solitários." As palavras ainda ressoavam na cabeça de Camila. "O que ela quer dizer com isso?"

"Elas eram iguais?" "Elas fazem parte de algum grupo especial"

"Por que ela fez isso? Por quê?"

— Nós temos…— Camila segurou ainda mais forte no braço de Michelle enquanto tentava se recompor, tão forte que logo sua pele se tornou vermelha, mas ela nem pareceu se importar.— Temos que sair daqui.— engoliu em seco ainda hipnotizada sem conseguir desgrudar os olhos da menina que tinha o rosto dentro d'água enquanto o seu corpo flutuava baixo no riacho. Era impossível deixar de olhar, era impossível não se abalar. Camila queria chegar mais perto, recolher o corpo…

Michelle parecia satisfeita, respirou o ar puro e sorriu com todos os dentes, não um sorriso feliz, mas algo que poderia chegar perto disso, tinha livrado aquela pobre alma de um futuro terrível. Despina estava livre e Courtney poderia ficar em paz. Era tudo o que ela queria, livrar todos aqueles que vivem na pele dela. "Os solitários" "Os que vivem nas sombras" precisam de liberdade.

— Chega de corpos para dividir.— Disse para si mesma enquanto imaginava o triunfo que seria ter todas as almas livres finalmente, para elas serem quem elas quiserem ser.

— Ó meu Deus.— Camila se lembrou da cruz que sempre carregou em seu pescoço, como um reflexo passou a mão pelo pescoço procurando a corrente prateada, por algum motivo acabou não a encontrando.— O que eu faço meu Deus?

Camila não tinha lágrimas para chorar, continuava em choque, traumatizada, não sabia o que fazer, não sabia se corria, se fugia, se pegava o corpo na tentativa de talvez ressucitar…tirar ela dali continuava sendo uma boa ideia, não gostava de ver a garota ali daquele jeito.

— O que você fez?— suas mãos tremiam, sua voz estava fraca, ela queria gritar, gritar o mais alto que pudesse, mas parecia não ter forças nem ao menos para se levantar. Tudo estava muito confuso, nenhum de seus pensamentos era processado com clareza. Era difícil se concentrar enquanto sua cabeça rodava e milhares de perguntas giravam em sua mente.