Capítulo 2

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Eu e o André estamos sentados, um de cada lado, com o Tiago no meio. O nosso filho não parava de contar todas as coisas que tinha feito em casa dos avós durante o tempo que estivemos fora. Assim, colcámo-lo na cama, os dois, e ouvimo-lo até ele se cansar. Bem sei que estar com o Tiago foi importante para o André, mas, mesmo assim, o tormento de tudo aquilo que estava a acontecer estava na sua face. 

Olho de soslaio para o André e vejo como ele está preocupado. Coloco a minha mão sobre a sua. Ele olha para mim e acena ao de leve.

- Os meus pais souberam poupar o Tiago às notícias...

- Sim, claro. Mas... Ele ainda é pequeno, mesmo se soubesse de algo, não seria o nosso maior problema.

- Eu sei... Eu sei... - André levanta-se.

Será melhor sairmos do quarto do nosso filho, assim poderemos falar melhor. Depois da nossa chegada, o André falou com a família e com o advogado. Fiquei sempre com o Tiago, depois foi o regresso a casa... enfim, ainda tenho muito a perceber.

Tiago dorme profundamente e apenas ajeito um pouco melhor os lençóis, depois de me levantar. Chego-me perto do André e abro a porta para sairmos.

Chegamos ao nosso quarto em silêncio. Vejo o André a sentar-se aos pés da cama. Sento-me na cadeira junto ao armário.

- Queres me contar a conversa com o advogado?

André encolhe os ombros.

- Não se pode fazer grande coisa. Como posso provar que conversas são mentiras? Basta alegarem proteção de fonte e esquece. Tu sabes como é.

- Sim, eu sei... A única coisa que estou a ver aqui é... É usares a imprensa. Dares uma entrevista e dizeres a verdade.

- O meu advogado desaconselhou-me a fazer isso.

- Porquê?

André olha finalmente para mim e coça a cabeça. Um sinal de que há mais alguma coisa que eu tenho de saber.

Suspiro.

- O que se passa?

- Houve quem minasse o balneário. Isso é verdade. Não fui eu, mas houve quem o fizesse... E eu como capitão também não tive tomates suficientes para parar com aquilo tudo.

Franzo o sobrolho. Estarei a ouvir bem?

- Houve alguém que minou o balneário e não conseguiram fazer nada contra isso?

- Sim, basicamente foi isso.

André levanta-se e vai até à janela. Estou desiludida. Não pensei que isto fosse possível de acontecer, muito menos...

- Tu não és assim, André... - digo, baixinho. Quando vejo como curva a sua cabeça junto à porta de vidro da varanda, sei que não deveria ter dito o que disse. Mas o meu André não é assim - Porque não me disseste nada? Poderíamos ter enfrentado isso juntos...

O meu tom não é acusatório. Não quero começar nenhuma discussão, apenas estou surpreendida com aquilo que ele me conta mas, ainda mais, com a sua postura perante tudo isto. No entanto, também não lhe posso esconder que estou desiludida.

- Não quis... não quis trazer isto para casa. Em casa, aqui era o meu porto seguro, só queria estar bem. 

- André... - suspiro e levanto-me.

- Eu sei, eu sei que tens todo o direito em estares desiludida comigo, mas era isso que eu queria evitar, não entendes? - ele endireita-se e vira-se para mim - esse teu... esse teu olhar de desilusão. Não consigo lidar com isso.

- André, não te posso esconder isso. Sim, eu estou desiludida, ainda... Não consigo ainda acreditar no que me disseste. És o homem com mais anos de clube, já viveste tanto por lá, és capitão e sub-capitão há tanto tempo... Se os teus colegas não olhassem para ti como homem de confiança e de liderança, a braçadeira nunca teria sido tua. Mas foi. O que se passou para não teres tomado uma posição?

- Vês? É isso... Todas as questões... - André maneia a cabeça - Agora todas essas questões que me fazes... Eu também as faço a mim próprio e... E não sei o que te responder. Houve coisas que não correram bem, com a vinda de novos jogadores, gerir egos... Eu... Eu falhei. Eu falhei e custa-me admitir isso. Custa-me admitir isso a mim próprio e... - ele olha de soslaio para mim - a ti.

Não sei. Não sei o que lhe dizer, o que fazer... Não o quero magoar, mas nunca pensei estar a ouvir tudo isto da boca do André. Ele sempre foi tão seguro de si, sempre tão optimista.

- Ouve - tento começar, mas ele interrompe-me.

- Não. Não, já sei! Já sei que sou um fraco, não preciso do teu julgamento.

- André, eu não te estou a julgar.

- Mas eu sei que o vais fazer.

- Não me contaste o que se estava a passar porque pensavas que te ia julgar?

- É o que fazes.

- O quê? - pergunto, surpreendida. Nunca equacionei que o André se poderia sentir assim em relação a mim.

- Vais dizer-me o que eu já disse a mim próprio vezes sem conta!

- Alguma vez te julguei? - pergunto, seriamente. E ele nada diz - Diz-me, alguma vez o fiz? Se o fiz foi sem intenção. Se há coisa que eu não faço é julgar as pessoas. Porque raio o iria fazer contigo?

André senta-se na cama, novamente e coloca as mãos na cabeça.

- Estava atormentado com isto... O medo não é só da mudança. Era disto tudo.

Volto a sentar-me na cadeira. Deus, há quanto tempo estaria ele com isto na cabeça? Uma compaixão invade o meu coração e vou para junto dele. Como pude eu estar tão fora do que se estava a passar? Coloco as minhas mãos sobre as suas, fazendo com que ele levante a cabeça. Deixamos cair as nossas mãos no seu regaço.

- Eu não te julgo, eu só... Eu só queria que tivesses dividido essa pressão comigo.

Os olhos dele enchem-se de lágrimas e os meus também. Se há coisa que não consigo evitar é emocionar-me quando o vejo desta forma.

- Não te queria preocupar e... Isto era um problema meu e dos meus colegas. E... Já te disse, eu sabia que ias ficar desiludida comigo, tal como estás agora.

Fecho os olhos e maneio a cabeça.

- O meu amor por ti será sempre maior que a minha desilusão - Abro os meus olhos - O meu amor por ti será sempre maior do que as coisas más - coloco as minhas mãos na sua face - O meu sentido de te ajudar seria sempre maior do que isso. Parece que não me conheces...

André encosta a sua testa à minha.

- Ias tomar este como um problema teu. Irias fazer de tudo para que eu o resolvesse e... Eu não queria isto para ti. Tens sempre essa crença de que poderás mudar o mundo, mas aqui tinha de ser eu a fazer alguma coisa... - Deixo cair as minhas mãos e ele afasta a sua testa da minha - E não fiz. Por isso, os maus resultados e, por isso... A perda de títulos.

Maneio a cabeça.

- Não podes acatar com todas as responsabilidades. Podes não ter executado o teu papel como devias, mas não és o único responsável. Precisamente por não seres o único responsável, alguém usou essa informação para vos continuar a atacar.

André suspira.

- Quem será?

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