Capítulo 3

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Desde que tínhamos chegado a casa, o telefone do André não parava com as notificações. A primeira coisa que ele fez depois de falar com o advogado foi escrever uma mensagem nas suas redes sociais a desmentir tudo. Agora, deveriam ser amigos e conhecidos a mandar mensagens. Mas, o André apenas colocou o telefone na mesinha de cabeceira e esteve comigo e com o filho. Vejo como a luz do visor liga e apaga.

- Não seria melhor falares com alguns dos teus colegas?

- Não sei...

- Devem estar preocupados por ti... Pelo menos aqueles que são teus amigos.

- Já vejo...

- André, talvez eles te possam ajudar com alguma coisa que saibam. Não sei... - André olha para mim - Achas?

- Não sei... Só sei que deves ter mil chamadas para retomar desde que chegámos a casa.

- Não quero falar com ninguém.

Coloco a minha mão na sua face. Pelo seu tom, sei que não posso insistir.

- Tudo bem... Se calhar precisamos de descansar. Não queres comer algo?

- Desculpa - ele diz, subitamente.

Maneio a cabeça. Não posso nem quero ser mais um problema para ele.

- Tudo bem.

- Não, a sério. Desculpa... Desculpa por aquilo que te disse... Tu nunca me julgaste, Luísa. Acredita em mim - A sinceridade que vejo no seu olhar, acalma-me de imediato. Beijo-lhe a face - Eu... Eu sabia o quão estava errado e sabia, sabia que te iria desiludir.

- André, por favor - Olho nos seus olhos profundamente - Já te disse: a desilusão nunca vai ser maior do que este amor que nos une. Confia neste sentimento, como sempre confiaste, como sempre me fizeste confiar... desde o início, lembras-te? Eu estava aterrada com tudo, mas tu chegaste até mim de uma maneira única. Nem eu sei como o conseguiste fazer, mas conseguiste. Não tenhas medo de me desiludir, a vida é mesmo assim.

André, finalmente, acena.

- Desculpa toda esta minha parvoíce de te dizer que me julgas. Tens razão, tu não o fazes e nunca o fizeste comigo, eu-

Beijo-o. Um beijo leve, mas sentido. Eu percebi tudo a partir do momento em que ele me pediu desculpa, não preciso de mais nenhuma justificação.

Retiro os meus lábios dos seus.

- Só preciso que me digas que divides o que for preciso comigo, mesmo que tenhas medo da desilusão. Já vivemos tanto, André. Que dúvidas existem de que estarei, estarei sempre. Não te posso dizer que penso que tudo aquilo que me contaste seja normal. Não é, não te reconheço assim. Mas o que me deixa mais triste e mais preocupada é perceber que viveste isso tudo sozinho. Viveste isso tudo sozinho e eu não me apercebi... Como foi possível isso?

André encolhe os ombros e enxuga uma lágrima.

- Estávamos sempre bem, nos últimos meses não passei tanto tempo quanto isso em casa... Sempre em estágios e mais estágios e... Quando estava convosco sentia-me tão em paz...

- Eu entendo tudo isso, mas... Não sei como não me apercebi. Eu sentia-te mais nervoso, mas pensei ser normal, com todas as mudanças que estavam prestes a acontecer e realmente os resultados desportivos... Isso preocupa-me. Trazeres isso tudo contigo, na tua cabeça.

- Eu estou bem, Luísa. Eu sou forte mentalmente, mas... É difícil aceitar que tudo aconteceu assim, na minha última temporada...

Volto a colocar a minha mão na sua face.

- Ao início não quiseste levantar ondas...

- Sim, mais ou menos isso. Quando dei conta tinha-se formado um grupo que simplesmente quis fazer a folha ao treinador. Não tive mãos para lidar com tudo aquilo.

Suspiro.

- Eu sei que não tens de me dizer quem foi esse grupo, nem preciso de que mo digas. Mas, André, isto para ter saído é porque foi alguém desse mesmo grupo...

- Claro, esse foi o meu primeiro pensamento.

- Creio que o Pizzi está contigo nisto - o André apenas acena - fala com ele, André. O melhor que podes fazer agora é falarem. São os dois com mais anos de clube, vocês saberão lá chegar. Pelo menos isso ficam a saber.

- Eu sei... Eu sei...

- E o presidente... Nem sabes se ele te ligou ou alguém ligado a ele...

- Eu falei com ele, depois de falar com o meu advogado.

- E então?

- Ele sabe tão bem quanto eu o que se passou. Estamos no Benfica, uma grande estrutura... Ele sabe, mas não posso fazer nada. Não posso falar sobre nada... E o melhor de tudo é que o meu lugar na estrutra mantém-se - ele diz, sarcasticamente.

- Vão dizer que têm plena confiança em ti, tudo o que está escrito é mentira, prova disso é a tua continuidade na estrutura...

- Sim. É isso, Luísa. Sinto-me como se tivesse sido tudo encenado, não sei bem...

Coloco a minha mão na sua perna.

- E pensar que ontem estávamos no quarto, em Paris, a jantar depois de termos experimentado aquela banheira enorme... - digo, num tom nostálgico. Apesar de ter sido ontem, agora a nossa viagem parece-me tão longínqua.

André encosta-se na cama e olha de soslaio para o seu telemóvel na mesinha de cabeceira.

- Vou tomar um banho. Fala com ele. O Pizzi deve estar passado de tanto te ligar...

Levanto-me, mas o André agarra na minha mão, fazendo-me olhar para ele.

- Eu amo-te.

Aceno e chego-me perto, deixando um beijo na sua testa e deixo-o sozinho no quarto.

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Depois de um banho demorado, chego ao quarto e o André já não está lá. Como as coisas podem mudar tão rápido... Estávamos tão bem, na nossa bolha, em família, como se nada nos pudesse afectar e agora isto. Não sei o que dizer ou como o dizer. Mas, sendo sincera, nunca pensei ver o André numa situação destas. Ele é um homem íntegro, mas, realmente, lidar com homens e tentar fazer o melhor... Deus, como vamos lidar com isto?

Arranjo-me. Não sei se ele quererá falar sobre a conversa com o Pizzi.

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O André está na sala ainda ao telemóvel. Eu sabia que teriam muito a conversar. Vou até à cozinha e faço um chá. Sei que tenho de ir às compras, estando fora o frigorífico está a zeros. Sim, cozinho e tomo conta da maior parte da casa. Apenas para as limpezas temos alguém que nos ajuda. Pego num papel e na caneta que está no frigorífico. Começo a escrever algumas das coisas para comprar quando dou conta de que ele entrou na cozinha.

- Queres chá?

- Não, acabei de beber uma água das pedras. Tinhas razão: tinha mil e uma chamadas não atendidas, mensagens... nem abri todas.

Retiro os olhos do que estou a fazer e olho para ele. O André está exausto.

- Que tal a conversa com o Pizzi? Fez-te bem?

- Sim... deveria ter atendido ao início da tarde. Ele estava preocupado. Ele disse-me uma coisa, que me faz pensar...

- Então?

- Quem fez isto quer-me prejudicar. O único visado sou eu. Mais ninguém fala no sub-capitão, que é o Pizzi. O Pizzi sempre me acompanhou... enfim, digamos que se alguém tem culpa por não se ter feito ouvir somos nós os dois. Mas só o meu nome aparece nos jornais...

- Sim... tem lógica... mas... quem te quer prejudicar?

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