A manhã começa com uma gritaria incomum em espanhol.
-¡Basta, Caio! - Ela grita pondo um ponto final em qualquer que seja o motivo da discussão.
- Mami, não vou forçar a Lucy a falar espanhol dentro de casa, já é confuso o suficiente ela falar em inglês na escola e português aqui!- Eu vou até a cozinha fingindo não ter ouvido os dois do outro lado da casa. Ambos fingem ser civilizados e vem falar comigo. Meu pai não é o tipo de pessoa que se exalta quando irritado, mas minha avó sabe exatamente como atingi-lo.
- Bom dia, abualita - Ela me abraça e me serve uma xícara de chá. Enquanto eu tento focar nas aulas de etiqueta sobre como segurar a xícara corretamente e manter a postura ao mesmo tempo, ela tenta não prestar atenção no fato de eu odiar chá.
- Sabes que puedes hablar español conmigo, luciana - Ela encara meu pai do outro lado da sala e ergue uma sobrancelha. Ele nunca concordou com essa imposição dela, principalmente porque ela tentava me desrelacionar da minha mãe. Além dos seus comentários racistas, como exaltar o fato de eu ter nascido com a pele clara, ela queria mudar a minha nacionalidade e sempre tentava trazer esse assunto a tona como uma oportunidade para mim. E eu nunca quis me impor contra para não gerar uma discussão maior, mas sei que terei que fazer alguma coisa o mais rápido possível.
- Abuela, quando voltar da escola nós duas podemos sair e dar uma volta pela cidade, posso te mostrar alguns pontos turísticos e conversar um pouco. - A mudança forçada de assunto faz com que ela endireite a postura e force um sorriso. Ela nota meu cartão do ônibus na bancada.
- Caio, você deixa que ela ande de ônibus sozinha por aí? Que absurdo! Se ela morasse comigo eu...- Meu pai a interrompe antes que ela possa terminar;
- Mas como ela não mora... lucy é mais do que capaz de pegar o ônibus para a escola e para o centro da cidade. Além do mais, nós sempre sabemos onde ela está e o horário que ela vai retornar. - Rapidamente me vem à cabeça a noite que passei fora com Theo, mas me lembro das circunstâncias e da minha falta de opção. "Você sabe que isso não é verdade, Lucy", digo a mim mesma enquanto me forço a prestar atenção na discussão que agora já está quase no fim. Minha avó sai com o máximo de elegância possível, e meu pai se tranca no escritório, me deixando sozinha na cozinha.
Quando volto pro quarto para terminar de me arrumar, minha avó está no meu quarto segurando sacolas de presente decoradas com fitas azuis.
-O que é isso, Abuela?- Ela sorri e abri uma das sacolas. Ela tira um vestido lilás e põe sob minha cama. O vestido não é feio, parece ter sido feito sob medida ( sob as medidas de uma garota que não come a meses). Ele tem rendas, detalhes nas mangas curtas e babados ( Claro que tem babados...) que se estendem até os joelhos. Não é um vestido que eu usaria por escolha própria, mas tento fingir um entusiasmo para alegrá-la.
-Lembra da Rosário? Mãe da Isabel? - Não faço a menor ideia, mas faço que sim com a cabeça- Ela mandou para você quando soube que eu vinha te visitar. As outras damas do clube também insistiram em mandar presentes, já que perdemos seu aniversário em Maio. - Ela deixa as sacolas e algumas caixinhas de presente em cima da minha cama, ela está mais ansiosa que eu para saber o que tem dentro.
- Vou fazer uma trança em você. Luciana, você precisa aprender a arrumar seu cabelo direito, ele está sempre tão desarrumado- E com "desarrumado" ela quer dizer "cacheado". Ela faz a trança e eu saio de casa logo em seguida. No caminho até o ônibus eu desfaço a trança tentando lembrar de como ela fez para conseguir imitar na volta.
Por algum milagre o dia hoje está mais ensolarado. Aproveito a pequena sensação de calor enquanto ando para dentro da escola. A primeira aula é no laboratório no segundo andar e preciso correr para chegar a tempo. Todos estão na porta e a professora está acompanhada de um bombeiro e mais dois funcionários da escola.
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Mapeando Estrelas (Completa/ Revisando)
Teen FictionLucy é uma garota de 16 anos que nasceu no Brasil em um dos piores momentos possíveis: Ditadura Civil-Militar. Ela precisou lidar com medos, traumas e a perda do seu tio preferido. Por pior que fosse a sua situação, o emprego dos pais dela a permiti...