POV: Theo
Tento me concentrar o suficiente na música tocando no rádio do carro, forçando meu cérebro a abafar a voz do meu pai. Em falar em cérebro, hoje ele resolveu deixar que o dele funcione sem os litros de álcool percorrendo toda a sua corrente sanguínea.
Deixo que ele dê o seu pequeno show. Ele grita, bate no volante e finge não notar as pessoas assustadas tentando prestar atenção no trânsito, e não no homem descontrolado no banco do motorista.
- Faz tempo que não ouço essa música...- Quando tento aumentar o volume ele segura meu pulso. Meu semblante indiferente o deixa mais irritado.
-VOCÊ ACHA QUE ME IGNORAR VAI MUDAR ALGUMA COISA? É o meu dever como pai te punir quando você faz alguma estupidez... o que acontece com tanta frequência que já está ficando cansativo- Seus olhos saltam. Como se isso fosse o suficiente para me fazer baixar a cabeça. Mesmo com medo de sua reação, endireito a coluna e o encaro de volta. Minha voz soa tão firme quanto a dele, mas de maneira civilizada e racional.
- Talvez seja porque brincar de pai de vez em quando não é o suficiente. - Sinto a pressão da mão dele segurando meu braço, mas não cedo.
- Não sei o que a sua mãe te ensinou, mas se você vive sob o meu teto, você segue as minhas regras. Essa geração imbecil acha que tem a liberdade de fazer o que quiser... - Confesso que meu cérebro fez questão de não ouvir mais nenhuma palavra do que ele disse. Em resumo seria" blah blah blah o comunismo...blah blah blah jovens inúteis..." e mais alguns apelidinhos carinhosos e paternais.
Digamos que ele não ficou tão feliz com a minha pequena aventura semana passada. Mas como eu deveria saber que no dia que eu ia passar a noite fora seria exatamente a noite que ele iria voltar sóbrio e cedo pra casa?
Mas tirando o castigo e os sermões, não me arrependo de nada. Até agora não sei o que deu em mim. Por mais que eu viva em casa com minha babá, e meu pai nunca esteja por perto, nunca usei isso para sair por aí de madrugada. Se não fosse por Lucy eu iria voltar pra casa 10 horas da noite e teria visto algum Talk Show canadense com Miss Haylee.
Mas achei ter ouvido alguma coisa sobre a mãe de Lucy ter que viajar ou algo assim, resolvi esperar pra ter certeza de que ela não fosse embora sozinha.
A ideia de dar carona a ela também foi espontânea demais pra mim, mas chegou um ponto que não estava mais raciocinando. O ponto alto da cidade é onde eu vou quando minha mãe vem me visitar, não sei porquê queria tanto que Lucy fosse lá.
Na noite que ela me ligou tive a sorte de estar sozinho com Ms. Haylee, meu pai estava em Montreal visitando um distribuidor de alguma coisa, não lembro bem. Ms Haylee me deixou ir na condição de voltar pra casa cedo e de não deixar meu pai descobrir que ela me ajudou a sair do castigo.
O quarto de Lucy parecia um portal para a mente dela, muito simples e extremamente complexa ao mesmo tempo. Ela gosta de manter memórias, muitas fotos com muitos rostos e paisagens diferentes, quase como se ela tivesse medo de esquecer de tudo. Não consigo esquecer da voz dela no telefone, rouca e vaga, como uma turista tímida com vergonha de pedir uma instrução. Não me arrependo de ter fugido do castigo, faria de novo se ela me ligasse. Não sei o que me fez falar com uma garota estranha numa locadora, mas não me arrependo.
Já em casa meu pai vai direto para seu escritório. Ms. Haylee está na cozinha, provavelmente lendo alguma revista de tricô.
-Theo, você amassou sua camisa toda!- Eu a abraço enquanto ela tenta arrumar camisa. Ela é a única pessoa do mundo que realmente se importa comigo, ela cuida de mim desde que cheguei aqui.
-Tenho um recado para você e para o Mr. Turner. - Quando ela faz uma longa pausa eu tenho certeza de quem mandou um recado. Minha mãe não me dá notícias a meses, não sei se prefiro que algo tenha acontecido ou que ela tenha esquecido de mim, não seria a primeira vez. Minha mãe disse que 6 meses seria mais do que suficiente para conseguir um emprego e um lugar para morarmos. Dois anos se passaram e tudo que recebi foram duas visitas e uma ligação por mês.
Minha mãe e meu pai tiveram um relacionamento muito complicado. Um jogador de basquete rico e uma linda líder de torcida, parece a história de amor perfeita até eu aparecer sem ser convidado. Meu pai foi obrigado pelo meu avô a se casar com minha mãe, que foi obrigada a abandonar a escola para cuidar de mim. Já meu pai se formou no ensino médio e estudou administração na faculdade para herdar o negócio da família.
Meu pai trabalha com uma empresa de motores para carros de corrida, e por mais inútil que seja, ganha muito dinheiro. Mas, para meu pai, ter sempre tido tudo entregue em uma bandeja de prata não era o suficiente. O namoro de adolescência se transformou em uma responsabilidade enorme para os dois, minha mãe odiava ele, e ele odiava absolutamente tudo (e eu estou incluso). Ele bebia muito em todas as corridas e eventos da empresa, chegava em casa e fazia da nossa vida um inferno. Não sei como um juiz em sã consciência acha que entregar uma criança nas mãos de um louco desequilibrado fosse uma boa ideia. Bom, no final da história minha mãe acabou sozinha em NY e eu preso com meu pai.
Não aviso meu pai sobre o recado, se ele souber que minha mãe vai me ligar ele pode me proibir de usar o telefone como parte do castigo. Subo as escadas e uso o telefone do quarto dele. Encaro o relógio contando os segundos para as 17:00 pm. Ele finalmente toca:
-Mãe? - Digo, ansioso demais para tentar jogar conversa fora.
-Oi, meu bem. Estava morrendo de saudades. - Sinto falta da voz dela. Ela parece está em um lugar movimentado. - Te liguei para te contar algumas novidades...-
- Novidades? Que tipo de novidade?- Minha mente cria 300 cenários diferentes onde ela consegue minha guarda legal de volta. Algo em mim sabe que essas não são as novidades.
-Eu vou me casar!- Não sei reagir, mas ela não se incomoda com o meu silêncio e solta um gritinho de animação.
-Eu e o Greg adoraríamos que você fosse nosso padrinho.-
-Greg? Quem é Greg?- Estou tão confuso que nem sei por onde começar a fazer perguntas.
-Você sabe quem ele é, seu bobo. Sempre tão brincalhão...Te falei dele na ultima vez que nos falamos.- Ela soa tão calma, como se tivesse perguntado se queria ketchup no meu cachorro quente. - Sim ou não?-
- Claro... por que não?- Ela começa a falar com alguma outra pessoa, suponho que seja esse tal de Greg.
-Deixamos a melhor notícia para o final...- A esse ponto nada mais me surpreende. - Você vai ter um irmãozinho!- O choque não me deixa reagir na hora. Ouço ela falar mais alguma coisa e rir, não sei o que dizer, muito menos o que pensar.
-Theo? Você ainda está aí? Theo?- Eu desligo o telefone. O choque se transforma em raiva rápido demais. Entro no meu quarto e bato a porta.
Como ela pode fazer isso comigo? Ela prometeu que me tiraria daqui. "Ela está apagando você e construindo uma nova família. Uma que ela queira". A voz do meu pai ecoa na minha cabeça. Não demora muito para precisar enxugar as lágrimas do meu rosto. Ouço a voz mais uma vez "Você é o nosso maior arrependimento, garoto", dessa vez eu a escuto com atenção, repetidas vezes e a respondo: "Sei disso".
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Mapeando Estrelas (Completa/ Revisando)
Teen FictionLucy é uma garota de 16 anos que nasceu no Brasil em um dos piores momentos possíveis: Ditadura Civil-Militar. Ela precisou lidar com medos, traumas e a perda do seu tio preferido. Por pior que fosse a sua situação, o emprego dos pais dela a permiti...