Capítulo 5

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Cover: Música Clarisse - Legião Urbana

Acordei com minha cabeça doendo, percebi que o curativo que minha mãe colocara no dia anterior ainda estava lá. Levantei-me e me observei perante o espelho de meu quarto. Dois curativos: um no nariz e outro perto do olho. Levantei meu pijama. Minha barriga se mostrava cheia de hematomas. Aquele... Não conclui meus pensamentos, pois minha mãe entrara em meu quarto. Ela abriu o guarda-roupa, pegou algo e antes que ela saísse, eu a adverti:

— Não pode fingir sempre que tudo está bem. — uma lágrima desceu de meus olhos.

Era sempre assim. Sempre que ele chegava em casa bêbado, eles dois brigavam. Ele  batia nela ou em mim, no outro dia, ela sorria como se tudo fosse um mar de rosas. Ela abaixou a cabeça.

— Filha... — virei-me para ela e me deparei com a tristeza estampada em seu olhar. Não queria magoá-la de jeito nenhum, por isso fiz o mesmo que ela.

— Tudo bem. Falamos disso outra hora, mãe. — disse isso e ela sorriu agradecida.

Só não a entendia. Por que se deixava sofrer sempre? Por que não tomava uma atitude e se livravava de tudo? Por que não se separava do meu pai?

*****

Mariana me vira no pátio e logo se sentou ao meu lado.

— Deus! Clari?! — ela exclamou, surpresa.

— Oi. — falei sem entusiasmo.

— O que é isso? Está toda machucada.
— ela fez uma cara de dor.

— Eu... Bati na mesa. — menti, desconfortável.

— Tem certeza? — ela me encarou suspeita. Era a desculpa mais esfarrapada que existia e eu simplesmente era péssima em mentir.

— Tenho. — falei quase sem voz.

O sinal tocou e ela deu de ombros e foi para a sala. Segundos depois, segui o mesmo caminho. Quando entrei alguns alunos me olharam espantados, mas logo se dispersaram.

O dia passou naquela mesmice. Fiquei com Mariana no recreio, mas ela parecia diferente, até a entendia. Devia ser chato ter uma amiga que era praticamente "muda". Um grupo de garotas sentara-se conosco.

— Oi! — disse uma morena animada.

— Oi. _ respondi, tímida.

— O que aconteceu com ela? — uma delas perguntou apontando para mim. Por que ela não me perguntava?! Eu era algum ser incapaz de falar, por acaso?

— Bateu na mesa...  — Mariana respondeu por mim, com desdém e todas formularam um "ahh" juntas. Elas começaram a conversar sobre diversos assuntos, uma querendo falar mais que a outra, e como eu não comentava nada, elas me excluíram. Ou.. Talvez tenha sido eu que tivesse me excluído. Levantei-me e fui ao banheiro, então bateu o sinal e eu voltei para minha sala de aula. Quando estava de volta à minha sala, vi um bilhete em cima de minha mesa. Eu o abri e li sem acreditar:

Clarisse... Sinto muito. Mas não podemos mais ser amigas. Se é que fomos algum dia. Enfim, não quero falar com você. Desculpe. Falei com minhas amigas sobre você, elas acham que você é estranha e eu também acho. Tchau.

Mariana.

Ela estava entada atrás de mim e conversava com várias garotas. Como se adivinhasse que eu iria falar com ela, ela me olhou, parecia culpada. Eu senti uma dor profunda. Por quê?

*****

Cheguei em casa, preparei o almoço e subi para o meu quarto. Minha mãe fora buscar meu irmão no colégio. Quando estava quase dormindo, Lucas entrou em meu quarto e gritou:

— Mamãe está te chamando. O almoço tá pronto.

— É claro que está, eu que fiz. — falei, bocejando.

Descemos. A TV ligada, estava passando algum filme no canal TELECINETOUCH. Minha mãe ofereceu um prato para mim, já cheio de comida.

Depois do almoço, lavei a louça e como sempre, fui para o meu quarto. E os terríveis momentos do dia anterior me assombraram. Ainda sentia o meu corpo doer, o ódio subindo pela garganta, o nojo que senti dele, tudo. Tudo estava de volta.

Entrei no meu banheiro, senti as lágrimas invadindo tudo. Por que sou assim? Por que não tenho amigos? Eu afastei minha única amiga. Ou ela não era exatamente uma amiga? Eu só queria ser normal. Quero ter amigos, quero ser feliz. Queria que todos me entendessem sem que eu precisasse explicar nada. Queria ter amigos que me apoiassem e me amassem. Queria ter um pai. Eu me sinto uma imbecil. Eu sou tão idiota. Agora sim, eu sou um fracasso. Uma estranha. Como ela disse. Eu sou... Estranha? Talvez ela esteja certa.

Abro a gaveta e pego meu canivete.

" E Clarisse está trancada no banheiro
E faz marcas no seu corpo com seu pequeno canivete
Deitada no canto, seus tornozelos sangram
E a dor é menor do que parece
Quando ela se corta ela se esquece
Que é impossível ter da vida calma e força..."

Só conseguia chorar. Nunca me sentira tão ruim, tão imbecil e tão solitária. Abracei minhas pernas, o sangue escorria e uma poça se formara. Fechei meus olhos. Subitamente senti um alívio.

*****

Quando abri os olhos, percebi que ainda estava no banheiro. Guarduei meu canivete na gaveta. Fechei meus olhos e tentei aproveitar a água descendo lisa no meu corpo, fazendo arder cada lugar ferido. E por incrível que pareça, ou ruim, isso me trouxe paz.

ClarisseOnde histórias criam vida. Descubra agora