07 de abril - sábado

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07 de abril – sábado

Que saco! Acordei cedo para um final de semana: às 10h12. Tudo isso porque estou nervoso em como vou "me livrar" das garras de Sam hoje. Espero que nunca caía nas mãos dele essa terapia, pois vai pensar que só quero me livrar dele quando escrevo "me livrar de suas garras".

Estava preocupado e, ao mesmo tempo, esperançoso, em pensar que talvez Zeca tenha aberto sua boca e falado tudo para ele. Preocupado porque não queria que ele soubesse por outra pessoa e pensar que eu estava de segredo, ou que escondi alguma coisa dele. E, esperançoso pelo mesmo fato, pois, se ele falasse com Sam, eu não teria que passar por aquilo hoje.

Porém, pelo menos uma coisa me animou hoje: eu tinha recebido meu salário e assim não me sentiria o pobre coitado da festa de hoje. Mas as roupas ainda seriam da empresa que, pelo visto, não vão voltar nenhuma peça para o guarda-roupa da agência, já que minha irmã se apossou de quase todas e as que sobraram eu gostei.

Vou tomar meu café da manhã tranquilo. Depois falo com Sam.

Onze horas e sete minutos: Estou a quase uma hora com o celular na mão e olhando para o nome de Sam na agenda, sem ter coragem de apertar a tecla de discar.

Acho que vou ligar mais tarde. Assim como eu, ele não gosta de acordar cedo nos finais de semana... ainda era cedo.

Meio-dia: Sem dúvida ele ainda não acordou. Mas já estou com toda a coragem do mundo para falar dos meus planos de hoje à noite.

Vou esperar ficar um pouco mais tarde para ligar para ele.

Meio-dia e vinte e oito: Só mais alguns minutos e eu ligo para ele. Lembro-me de um dia ele falar que só gosta de acordar depois da uma hora da tarde nos sábados.

Meio-dia e cinquenta e três: Meu celular tocou e eu quase caí para trás de tão nervoso que fiquei. Pensei que fosse ele, o Sam, mas era Zeca.

- E aí – ele perguntou -, você falou com ele?

- Ainda não.

- Por que não? Beto, para que ficar antecipando sofrimento?

- Ainda é cedo – soltei a desculpa. - Ele não gosta que liguem cedo para ele no sábado.

- É uma hora da tarde e você está inventado desculpas. Quando estamos com medo de fazer algo aparece até milagres.

- É meio-dia e quarenta e cinco e eu não estou inventando desculpas.

- Então liga logo e abre o jogo, Beto. Não acho que Sam seja tão infantil assim para não entender.

Pensei um pouco no que ele disse e respondi:

- Você está certo. Vou ligar pra ele – e desliguei pensando se ia ou não falar com ele naquele momento.

Mas vou ligar sim... daqui a pouco volto para escrever como foi.

Dez minutos depois: Sam não me deixava falar. Ele não parou de soltar frases um segundo se quer. Falava que estava muito alegre para hoje a noite, que tinha conhecido as meninas que seu Novo Namorado ia levar, que ia com uma roupa surpresa... não sei mais o que fazer. Não aguento mais esse Sam que surgiu. Prefiro o antigo, mesmo que se esqueça de mim quando está no bem bom. Este novo e ciumento Sam me sufoca.

Não sei mesmo o que fazer....

Quatorze horas e vinte e um minuto: Não conseguia sair de casa, então entrei na internet. Para minha surpresa e pavor, Sam estava online e já foi me chamando, escrevendo várias coisas sem parar, sempre falando do karaokê. Ele não dava espaço para eu falar também. Aquilo foi me sufocando ao máximo.

Que saco. Deixei meu celular de lado.

Quinze horas: Finalmente passei o resto da tarde tranquilo, sem o incômodo de ninguém. Era tudo que queria.

Dezessete horas e dezessete minutos: Roberto me ligou. Esta ansioso para a festa da Vogue, ele não perde e adora. Eu também estava ansioso. Nunca estive em um lugar tão badalado e glamoroso antes como esta festa. E essa minha ansiedade me fez lembrar Sam com a sua ansiedade para o karaokê. Às vezes, só às vezes, me sentia mal. Mas não podia ficar assim. Ele teria que entender minha situação. Se fosse eu, entenderia caso ele estivesse no meu lugar.

Mas não quero ficar aqui me martirizando com isso. Vou decidir com que roupa eu vou.

Dezenove horas: Deus, eu e minha irmã ficamos quase duas horas escolhendo a roupa. Sinto que posso me atrasar par a festa. Mas até que nossa escolha pareceu ser boa.

Vou tomar banho, depois me preparar para a festa. Estou muito feliz. Primeira vez que não vou a uma festa de metrô. Felipe vem me buscar de carro. Só espero que minha mãe não o consiga tirar de dentro do carro para infernizá-lo, pensando e ficando com esperança de que ele seja um amigo hétero pegar e que vamos beijar todas mulheres da festa. Outro motivo que desejo do fundo do meu coração é que ele não saia do carro para minha irmã não vê-lo. Ela sem dúvida ia ficar de olho nele. Ele é um cara bonitão, como quase todos gays. Sinto pena das meninas héteros que vêem cada homem bonito a fim de outro e as esnobando.

Meia hora depois: Deus, meus banhos devem ser mais curtos, principalmente se tenho uma festa para ir. Agora tenho que me arrumar correndo...

Dezenove horas e quarenta e cinco minutos: Eu usei minha melhor roupa... aliás, a melhor roupa do guarda-roupa da empresa, uma marca bem importante. Eu só podia estar em um sonho. Tudo aquilo não poderia estar acontecendo comigo. Há umas semanas atrás vinha me martirizando por nada dar certo e agora tenho tudo isso. Sei que são bens materiais e sei que aquelas pessoas que se dizem não precisarem de dinheiro e essas coisas, que a felicidade é ter amor e blá, blá, blá, vão falar que eu não poderia achar que tinha tudo só porque estou usando uma roupa de grife e vou a uma glamorosa festa. Mas tenho que aproveitar. Oportunidades aparecem para serem aproveitadas, e se esta festa apareceu para mim, não poderia deixar escapá-la.

Agora só vou esperar Felipe vir me buscar.

Vinte horas: Felipe chegou às oito em ponto. Bonito, charmoso, inteligente, intelectual, com carro e pontual. Como imaginei, minha irmã já o olhou de cima para baixo. Mas eu o livrei das garras dela e da minha mãe, só não tinha me livrado de uma pessoa, que, naquele momento, ligava no meu celular: Sam.

- Oi, Sam – atendi cabisbaixo, enquanto Felipe já entrava no carro.

- Oi, lindo – ele respondeu animado do outro lado da linha. - E aí, quer que eu passe aí com o Zeca para irmos ao karaokê juntos?

Felipe esperava eu entrar no carro e eu estava travado ali ao lado de fora do automóvel.

- Sam – eu comecei triste e com timbre baixo – eu... eu não vou poder ir ao karaokê com vocês. Tenho uma festa do trabalho pra ir. e... e eu preciso ir. Os meninos vão comigo e eles falaram que será bom para mim, para meu currículo, para fazer contatos sociais – eu tentava explicar, torcendo para que ele entendesse. Quando acabei, um rápido silêncio tomou o outro lado da linha, mas parece que foi uma eternidade. Meu coração batia forte e eu fiquei apreensivo. Tinha fechado levemente os olhos e preparado meus ouvidos para ouvir os gritos histéricos de Sam, mas tudo que eu ouvi foi uma frase rápida e calma:

- Tudo bem. Divirta-se – e desligou.

Ainda fiquei com o celular ali na orelha, talvez esperando Sam voltar a falar, mas só ouvia o tum-tum-tum. Ainda pensei em ligar para ele, mas não fiz isso. Sam não era mais uma criança, tinha que entender as coisas. Mesmo triste com isso, fui alegre e ansioso à festa.

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