A Seita

4 - Nosso Lugar

Na manhã seguinte seguimos para o colégio. Passamos o caminho todo com Gizelly tagarelando sem parar, como se nada tivesse acontecido. E apesar de escutar tudo calada, gostava de ter a energia dela perto de mim. As coisas eram sempre sérias na nossa comunidade. Gizelly simplesmente iluminava tudo

A família dela era tão complicada quanto a minha mas no lugar de serem muito rigidos, eles preferiam ignorar a existência de Gizelly na maior parte do tempo. Eu entendia Gizelly e via o que tinha por trás daquele jeito dela, eu não era muito boa com palavras mas sempre tentava escrever algo pra que Gi se sentisse especial. Por que ela era! Gizelly mostrava seus sentimentos sobre isso algumas vezes e chorava pela indiferença dos pais ou porque seus irmãos a infernizavam. Já imaginou várias vezes jogando uma panela em Felipe toda vez que ele implicava com ela, ele não calava a boca nunca  e era insuportável.

Gi era mulher o que significava ajuda em casa, casar e ter filhos. Não conseguia imaginar Gizelly casada, com 5 filhos e servindo seu marido. Não queria considerar o destino de perder ela de uma certa maneira mas também se preocupava com a vida finalmente conseguir apagar Gi. Ela era luz e sua presença era notada onde quer que estivesse, isso ainda continuava igual apesar dos anos. Eu não sei como o espírito de Gizelly sobrevivia a tudo mas eu era grata por isso. Eu não consegui fazer o mesmo.

Gizelly POV

Dias depois

- Vamos Rafa por favor - eu fiz bico e a ouvi respirar fundo - Faz tipo milhões de anos que não vamos lá

- Você como sempre exagerada - ela sorriu pra mim e meu coração sempre se enchia um pouco quando isso acontecia, Rafa sorria cada vez menos - Eu tenho que cuidar dos meus irmãos você sabe

- Pede pra manu te cobrir dessa vez, você sempre cobre ela - Manoela sempre pedia pra Rafa cobri-la pra ela ficar escondida escrevendo alguma nova história. Manu vivia criando alguma coisa nova daquela cabeça maluca dela e precisava da companhia de si mesma para ser criativa, era o que sempre dizia.

Rafa me olhou por uns segundos e eu me concentrei em fazer uma cara pidona, ela sempre cedia quando eu fazia isso - Tudo bem - suspirou derrotada

Semanas haviam se passado e nunca mais tocamos no assunto, ainda que no fundo ambas sabiam que aquilo não foi esquecido. A única coisa que havia mudado é que agora Rafaella havia realmente ficado amiga de Mariana. Era estranho que ao mesmo tempo que me incomodava dividir a atenção de Rafa, eu estava feliz de vê-la socializar ao menos um pouco. Ainda que fosse eu e ela sejamos melhores amigas desde criança, eu sempre tive mais facilidade de fazer amigos e me doía o isolamento de rafa. Na verdade era cada vez mais difícil ver Rafaella falar com alguém alem de mim e meus irmãos. Isso me preocupava cada vez mais. Mas talvez Mariana fizesse bem a ela, esperava que sim.

Nós duas estávamos deitadas em uma toalha no nosso lugar de sempre, o sol queimando nossa pele e meu rosto estava próximo ao dela.

- Sabe Gi - Rafaella falou por fim - Eu não sei o que você vê em mim para querer a minha companhia. Mas eu agradeço todos os dias por isso - ela entrelaçou nossas mãos distraída e meu coração errou a batida - Você é especial não esqueça disso - ela olhou pra mim e sorriu, aquele sorriso que fazia os olhos dela ficarem pequenos, eu me perdi nele - Obrigada por não desistir de mim - ela beijou minha mão e voltou a fechar os olhos, o rosto virado para o sol. Aquela imagem era quase poética, de uma Rafaella desarmada e tranquila. Apenas aproveitando a sensação do sol batendo no rosto. Aquela definitivamente seria uma das minhas imagens favoritas dela. E nossas mãos? Seguiam entrelaçadas e eu me recusava a separa-las

Passamos um tempo em silêncio, só aproveitando a companhia uma da outra. Eu sabia que não tinha muito mais tempo com Rafa. Era sempre assim, ela sempre seguia uma rígida lista de afazeres, o que não deixava tempo pra nada. O verão logo acabaria e seria frio demais para estar vendo o sol se pôr no nosso lugar. Acho que aquele lugar sempre representará nós duas, ainda mais depois do que havia acontecido.

- Tenho que ir Gi - ela se levantou me tirando de meus pensamentos, seus cabelos estavam bagunçados pelo vento e eu me aproximei para tirar alguns fios que estavam em seu rosto. O que deixou nossos rostos próximos.

- Eu gostei, sabe? - quando percebi já havia dito. Ela me olhava em um misto de confusão e curiosidade - Eu gostei quando você me beijou Rafa - ela me olhou com aqueles olhos verdes tão difíceis de decifrar, ela continuou me olhando por um tempo sem dizer nada e eu comecei a me arrepender daquela confissão

- Eu também - foi tudo que ela disse antes de se afastar e ir embora. Deixando minha cabeça uma bagunça mais uma vez. Acho que nenhuma das duas sabia muito bem como lidar com isso mas não quero ignorar o que esta acontecendo. E aquela resposta de Rafa só a assegurava mais disso.