Sally é uma interiorana acostumada com o cotidiano pacato e humilde. Apesar de aparentar força, sofre devido à partida de seu melhor amigo de infância, Luís Miguel, com quem costumava caçar sapos e compartilhar as cerejas que roubava do vizinho.
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ANOS ATRÁS
— Miguel, será que posso ficar um pouco aí com você? Tô com medo — a garotinha pediu assim que entreabriu a porta do quarto do amigo. Ela não adentrou o cômodo, apenas deixou que metade de seu rosto preenchesse o pequeno vão.
Luís Miguel não estava dormindo, embora parecesse. Muito pelo contrário, estava preocupado, pois sabia da fobia de trovões da garota. Certa vez, quando foi fazer uma simples pergunta a Sally, pegou-a de surpresa debruçada sobre a cama chorando, totalmente em pânico. Depois daquela cena, todas as noites em que via o céu daquela forma, pensava logo nela e dava um jeito de confortá-la para que adormecesse bem.
— Venha cá, cereja, hoje ficaremos no meu quarto, tudo bem?
— Sim. Você canta para mim?
— Precisa perguntar? — brincou, fazendo-a sorrir enquanto as descargas elétricas chicoteavam a cidade.
A menina se abraçou para se aquecer e deu passos cautelosos em direção à cama do melhor amigo, sentou-se ao lado dele e deitou a cabeça em seu ombro, acompanhando o braço do garoto envolvê-la em total conforto e amor incondicional. Eles ergueram o rosto do intuito de fitar a janela aberta, possibilitando que observassem toda a beleza da lua.
Como prometido, Miguel começou a cantarolar, como sempre fazia em noites de tempestade. Acompanhando-o, a menina sibilava Stand By Me, do Ben King, e logo se balançavam no ritmo da canção. Miguel podia sentir a pele sedosa de Sally massagear gentilmente seu braço esquerdo, e ao enxergá-la de olhos fechados e sorridente, em paz, suspirou sereno por proporcionar certa cura para os temores da melhor amiga.
Quando o garoto finalizou, ela resolveu caçoá-lo:
— Você poderia se tornar um cantor famoso se não parecesse que engoliu um ganso em convulsão.
— As pessoas realmente deveriam conhecer esse seu lado malvado!
— Não se sente especial por ser o único a conhecê-lo? A verdade tem que ser dita de vez em quando!
Miguel fingiu uma expressão de indignação, mas depois não resistiu e acompanhou a risada dela.
— Obrigada por sempre estar aqui quando preciso — Sally agradeceu —, acho que o mundo seria muito sombrio sem você.
— É como a música, cereja... Eu não terei medo, desde que você esteja comigo.
A garotinha sorriu, mas ainda tinha medo. Medo do futuro. Medo de crescerem, tudo sumir e se tornar difícil.
— Promete que sempre estará aqui comigo? Que nunca vai me deixar sozinha, fracote?
— Não tem que ter medo, cereja — retrucou-a com sinceridade. — Eu sempre estarei por perto. Ao meu lado, sempre estará segura.
E foi ao som dessas genuínas promessas que Sally relaxou os ombros e adormeceu, enquanto as mãos afáveis de seu irmão postiço acariciavam seus cabelos.