Eu escorrego e me pergunto quem eu seria se eu nunca te encontrasse, e se você nunca me encontrasse. Bem, eu não quero nem imaginar. — Calum Scott (Biblical).
UM DIA ANTES DA REBELIÃO
Alguns pássaros barulhentos e agitados pousaram na janela do quarto de Sally. Ela abriu os olhos e presenciou os pequenos animaizinhos brincarem entre si. Selvagens. Livres. Alheios aos problemas humanos.
Aquilo, de certa forma, a confortou.
Mesmo que se sentisse retornar à estaca zero. Mesmo que há alguns dias tenha sido abruptamente separada do rapaz de cabeleireira ruiva e semblante debochado que trazia ondas de calmaria a seus pensamentos desalinhados. Mesmo que tenha assistido todo o trajeto que ele fez até a viatura. Mesmo que a garota tivesse retornado para sua casa e para sua banheira tão desejada, mas que lhe traziam noites e momentos solitários.
Eram tantos mesmos que, alvoroçada, a jovem rolou na cama e apertou o lençol contra seu corpo. Precisava ser forte, porém, se rendeu às lágrimas e escondeu o rosto no tecido.
A realidade era que tinha sido brutal demais. Tinha se acostumado novamente com seus dias coloridos e, de repente, seu mundo voltava a perder a cor, como se escutasse o som incessante de várias peças caindo no chão e não pudesse pegá-las e colocá-las de volta no lugar.
Nada em sua vida estava no lugar.
Mal pôde continuar em seu martírio, pois uma ânsia de vômito voltou a perturbá-la e a forçou a correr até o banheiro. Mais uma vez despejava todo aquele conteúdo viscoso e fétido para fora. Aproximou-se do espelho e retirou a blusa que usava. Seus seios estavam mais sensíveis e inchados e, além disso, sentia-se tão cansada que conseguiria hibernar por décadas.
Sabia que havia algo diferente, entretanto, tinha medo.
Ela virou o rosto em direção a primeira gaveta do balcão da pia e encarou os testes que Sarah havia dado a ela na noite anterior.
— O que é isso, Sasa? — a mais nova questionou assim que observou a garota de cabelos encaracolados entrar em seu quarto e, sem dizer nada, estender duas caixinhas coloridas. — Isso não tem cabimento...
— Se não tem, por que está com medo? Sua menstruação está atrasada, não está? As únicas que estão pegando absorventes na dispensa sou eu e Dirce — apontou. Ela também estava receosa, embora tentasse disfarçar. — É só usar e estará livre da dúvida. Apenas use. E independente da resposta que tiver — pausou enquanto adquiria fôlego — continuaremos ao seu lado.
— Sasa — Ally sussurrou com o olhar apreensivo. — E se for... Se... Se Arthur não puder vê-lo crescer por estar aprisionado como um maldito criminoso?
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O amor que deixamos para trás
RomansaSally é uma interiorana acostumada com o cotidiano pacato e humilde. Apesar de aparentar força, sofre devido à partida de seu melhor amigo de infância, Luís Miguel, com quem costumava caçar sapos e compartilhar as cerejas que roubava do vizinho. ...