Três

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Maria Luiza

Estava guardando minhas coisas na mochila para finalmente ir embora pra casa, sonhando com o banho quase quente que tomaria quando chegasse. Assim que tranquei o lugar, peguei meu celular para ouvir música e vi que havia algumas ligações perdidas da Fernanda.
Fer era a minha melhor amiga, sempre tinha sido assim. Nós nos conhecemos na escola, mais especificamente depois dela ter brigado feio com um menino que insistia em me atazanar, nós nunca mais nos desgrudamos. Fernanda nunca precisou literalmente se assumir para ninguém, ela nunca se importou com o que as outras pessoas pensariam, apenas apareceu com uma garota em casa e disse "mãe, essa aqui é a minha namorada". Foi ela que me ajudou a sair do armário para mim mesma, sempre me apoiou em todas as minhas presepadas e mudanças de personalidade. Por muitas vezes ela era a única amiga que eu tinha, mas mesmo quando as épocas ruins passavam e eu conseguia socializar com mais de uma pessoa por vez, ela continuava a me apoiar.

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Concordei em ir só porque sabia que a Fernanda ficaria mesmo trancada no quarto caso eu não fosse salvá-la, não seria a primeira vez, nem de longe a última

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Concordei em ir só porque sabia que a Fernanda ficaria mesmo trancada no quarto caso eu não fosse salvá-la, não seria a primeira vez, nem de longe a última. Quando cheguei em casa, após uns bons minutos de caminhada, me joguei imediatamente no sofá velho, onde Heitor já me esperava com aquele olhar que diz que bom que você voltou pra minha casa, humana, eu preciso de um carinho urgente. Percebi que estava ainda mais exausta do que antes, cogitei até dar um bolo na minha melhor amiga, mas eu disse que iria e faltar a compromissos não era um traço da minha personalidade.

Também porque ela me xingaria em cinco línguas diferentes, coisa que já tinha feito antes pra mostrar que além de brava ela também é muito (muito) inteligente. 

Fazer carinho no Heitor deve ter recarregado as minhas energias internas pois, dez minutos depois eu já estava praticamente pronta pra festa. Tinha escolhido uma camiseta preta que eu costumava usar para dormir e uma bermuda jeans, não queria ser extravagante demais e acabar chamando atenção desnecessária. Não que eu já não fosse extravagante demais, digo, se alguns piercings, tatuagens e cabelo curto se encaixarem nesse termo, mas o plano era ficar invisível até a Fer se sentir confortável o suficiente pra encarar a festa sozinha, e aí eu voltaria pra casa e dormiria até tarde no domingo. O que poderia dar errado?

Eu estava melhor do que imaginei que estaria quando me olhei no espelho, havia umas olheiras profundas embaixo dos meus olhos, mas nada que usar o meu antigo óculos de leitura não disfarçasse. Minha auto estima sempre tinha sido uma grande porcaria, desde criança eu não me encaixava no que se pode chamar de "padrão de feminilidade", o que me fez entrar em um limbo de sou feia ou apenas não sou adequada o suficiente pra vocês? Até então eu não tinha a resposta. Costumava brincar de bonecas quando era criança e tudo mais, mas só porque meus pais eram extremamente religiosos e nunca me deixaram brincar com "coisas de menino". Odiava vestidos e me sentir submissa, fechar as pernas para sentar, falar baixo, respeitar homens que me desrespeitavam apenas por eu ser mulher. Tudo isso me causava um desconforto extremo, mas eu sabia que não poderia ser cem por cento eu mesma se não saísse da casa dos meus pais, e foi por isso que eu entrei nessa aventura de ser dona da minha própria vida, e por mais que eu ainda estivesse me acostumando com todo esse peso de ser livre e tal, sair de casa foi a melhor coisa que eu fiz. 

Ouvi uma buzina do lado de fora que me tirou dos meus pensamentos, saí de casa tentando parecer empolgada pra não dar tanto na cara que preferia estar dormindo a ter que socializar com os amigos da Camila, e com a própria. 

— Amiga você tá uma coisa! — Fernanda praticamente gritou assim que eu entrei no carro. 

— Você também tá uma coisa, seja lá o que isso signifique.

— Tô tão feliz que você vai, sério, só você pra me fazer aturar aquele bando de metido a besta. 

— Camila sabe que eu vou?

— Ela vai descobrir. 


Amanda e Maria LuizaOnde histórias criam vida. Descubra agora