Amanda
Eu estava entediada, era domingo, quase de noite e eu não tinha feito absolutamente nada o dia todo. Fique deitada na cama, apenas pensando em todas as coisas que já tinham dado errado na minha vida, o que eram muitas. Peguei o meu celular, pela milésima vez no dia, para ver se tinha recebido alguma mensagem interessante, uma proposta, um milagre, qualquer coisa. Mas não havia nada demais.
Esfreguei o rosto, quase entrando em desespero e resolvi dar uma volta de carro. Eu quase nunca chamava as pessoas pra sair, sempre tinha sido o contrário, não que eu não quisesse sair com elas mas sentia que poderia incomodar, então se alguém queria minha presença, teria que me comunicar.
Peguei as chaves e desci as escadas, quase me arrastando. Sabia que meu pai estaria por aí resolvendo coisas do trabalho que ele não me falava sobre, mas eu já estava acostumada, domingos não eram dias de folga pra todo mundo afinal.
Enquanto dirigia sem rumo, alguma coisa me fez dar uma passadinha na frente da casa da Camila, talvez no fundo eu tivesse alguma esperança de que ela estaria no quintal e me veria passando e sabe como é, me chamaria pra entrar. Mas tudo o que eu vi foram luzes acesas sem nenhum sinal de vida. Continuei meu caminho, já pensando em voltar pra casa, quando vi a Maria Luiza andando na rua, provavelmente indo para onde eu gostaria de estar indo. De alguma forma aquilo me fez parar o carro e mandar uma mensagem para a Camila, coisa que eu me arrependi imediatamente de ter feito, mas era tarde demais para apagar a mensagem, ela já estava respondendo.
Depois de algumas mensagens trocadas, tive que esperar alguns minutos para fingir que eu não estava estacionada na rua de trás da casa dela, o que seria bem estranho da minha parte, mas logo estava mandando mensagem de novo dizendo que havia chegado.
Camila saiu com um sorriso estampado no rosto, mas não era um sorriso normal, eu sabia que tinha alguma coisa por trás.
— Ei! Fiquei surpresa por você ter mandado mensagem!
— Eu também, espero que não esteja incomodando.
— De jeito nenhum, eu amo quando você vem me visitar, e a minha mãe também. — Camila já tinha aberto o portão e estava parada na minha frente, ainda com o mesmo sorriso.
— Ela é um anjo. — A abracei como cumprimento e me virei para a entrada. — Mas me diz, o que tá te deixando com essa carinha de "aprontei alguma coisa"?
— Para! Assim parece que eu sou uma criança desobediente. Não aprontei nada, só estou feliz por você ter vindo, foi em boa hora, ótima hora eu diria.
— Você tá me assustando.
— Não precisa ficar com medo gatinha, vem, vamos entrar.
Camila me deu a mão e me guiou até a porta da entrada, que dava diretamente para a sala, onde era possível ver que alguém estava assistindo algo na televisão, provavelmente a mãe dela, ou quem sabe, bom, quem sabe a Fernanda e a Maria, Maria Luiza.
Para a minha infelicidade era só a Maria que estava sentada no sofá, o que automaticamente me causou um desconforto enorme, seria muito mais fácil se a Fer estivesse junto, era só falar um "boa noite" e seguir com a vida, mas ela estava lá sozinha e pela primeira vez em anos, eu não sabia o que dizer. Quando cruzamos a porta ela estava gritando algo como "o meu sem açúcar, por favor" e eu poderia jurar que ela quase engasgou quando nos viu entrar.
— Boa noite. — Tentei dizer sem parecer uma esquisita.
— Boa noite.
— Malu, aqui o seu café e, oi Amanda. — Fernanda vinha do corredor equilibrando duas xícaras e um pratinho com o que parecia ser biscoitos de chocolate.
— Oi.
— Todo mundo se cumprimentou, lindo, muito bem, agora vem Amanda minha mãe tá na varanda, ela vai adorar te ver.
Camila me puxou de uma forma que parecia muito que eu estava sendo arrastada para dentro, tentei acenar educadamente para as duas garotas que me encaravam de uma forma um pouco bizarra, um pouco cômica, mas logo estava no corredor, e continuava sendo puxada.
— Olá! — Disse a mãe da Camila, dona Carmen, como eu a chamava.
— Boa noite dona Carmen, a senhora está linda hoje.
— Ah Amanda! Me poupe da sua bajulação— Ela sorriu, da mesma forma que as filhas faziam, mas de um jeito muito mais espontâneo.— E pra você é só Carmen, por favor, você já é de casa. — Ela me cumprimentou com dois beijinhos no rosto e sentou novamente na cadeira confortável onde estava quando entrei. — Sente-se.
— Não, Amanda! — Levantei antes mesmo do meu quadril encostar no estofado. — Vamos para o meu quarto, preciso te contar uma coisa.
— Camila.
— Não é nada demais mamãe, só um assunto particular.
— Te conhecendo como eu conheço fica difícil de acreditar viu?
— Prometo. — Camila fez um sinal de promessa mas conhecendo ela como eu conhecia, tinha que concordar com a dona Carmen.
— Bom, então, eu vou lá. Foi um prazer encontrar a senhora.
— O prazer foi meu, e sem senhora, pelo amor de Deus, assim você me denuncia!
Sorrimos e a Camila começou novamente o processo de me guiar pela casa, até chegarmos no seu quarto. O cômodo parecia ter saído de alguma foto do pinterest, a decoração era toda neutra com luzes indiretas, o lugar mais aconchegante do imóvel, ou pelo menos era o que eu pensava. Camila fechou a porta e me olhou com aquele sorrisinho no rosto antes de indicar para que eu sentasse.
— Você não vai acreditar.
— Eu sabia que tinha alguma fofoca mas ainda assim tô com medo.
— Relaxa, é uma coisa bizarra? Sim. Mas é engraçado também.
— Então me conta!
— Tá. Você tá preparada?
— Não!
— A Maria Luiza, sabe? Aquela amiga estranha da minha irmã.
Tive que me segurar para não demonstrar que estava ansiosa. — Sei.
— Ela tá apaixonada por você! — Camila começou a se desmanchar em risadas, como se aquilo fosse a coisa mais engraçada do mundo. — Estranho né?
— Fontes?
— Ouvi elas conversando na sala. Ai Ai. Cada coisa.
— Você acha que isso é tão ruim assim? Digo, alguém se apaixonar por mim. Não que ela realmente esteja, a gente mal se conhece, e você pode ter ouvido coisas, pode ser outra Amanda, e também...
— Nossa, isso mexeu com você ou você tá tipo super achando absurdo?
— Nem um nem outro, eu não me importo.
— Hm. Não sei não. Parece que tá se importando sim.
— Coisa da sua cabeça, juro. Não ligo. Ela... ela não tem nada a ver comigo, o que eu veria nela?— Forcei a minha risada mais convincente, por mais que dizer tudo aquilo estivesse saindo de uma forma esquisita, como se nem fosse eu ali falando.
— Acho bom, não quero perder outra pessoa pra ela de novo.
Ignorei o clima estranho que se seguiu depois daquela possível "revelação". Aparentemente eu teria que lidar muito mais vezes com a Maria Luiza do que eu pretendia, mas o que eu esperava? Eu tinha ido até ali porque sabia que ela estaria, e o que raios isso significava? Acabei pegando no sono enquanto a minha mente vagava para a sala, o que elas estariam fazendo lá? Será que seria estranho pedir pra me juntar a elas? Talvez se ela estivesse mesmo apaixonada por mim... Mas ela nem tinha me desculpado ainda, eu mal tinha pedido desculpas.