Dezesseis

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Amanda estava almoçando em um restaurante vegetariao que gostava muito, o lugar era simples e arejado, com mesas de madeira envernizada e muitas plantas. Ela tinha feito o pedido e estava esperando seu prato chegar. Já havia melhorado da crise que teve antes, agora estava apenas um pouco apática. Tinha começado a trabalhar na segunda-feira e ainda não havia se acostumado com a rotina, estava cansada. Tudo era novo para ela mas sabia que era apenas o começo e que logo se adaptaria, enquanto isso, saía na hora do almoço para não ter que ficar enfiada no prédio o dia todo, com pessoas que não conhecia.

- Aqui está - disse a garçonete - se precisar de alguma coisa pode me chamar.

- Obrigada - Amanda respondeu com um sorriso cansado.

Amanda pegou o celular para tirar uma foto do prato e postar. Entrou no aplicativo de mensagens e viu que não falava com Maria Luiza desde domingo, elas estavam um pouco distantes, talvez Amanda ter sumido fez Maria Luiza perceber onde estava se metendo. Amanda pensou que estaria tudo bem, afinal elas não tinham nada demais, mas apesar de ter muitos colegas, ficar sem a amiga fazia ela se sentir sozinha, sentia falta das piadinhas sem graça, das mensagens de bom dia em gifs de flores que Malu mandava só para irritar, das noites em que mal dormiam falando sobre teorias e sobre as letras das músicas que compartilhavam, sentia falta da Malu.

Amanda: Esqueceu que eu existo foi?

Maria luiza: Você que me esqueceu! Virou mulher de negócios e esqueceu da pobre mortal aqui.

Amanda revirou os olhos.

Amanda: Drama não combina com você Maria Luiza. Eu não sei se você tá sabendo mas vai ter uma festa essa semana, o aniversário da Camila. Queria saber se você quer ir.

Malu: Eu sei, a Fer me chamou, eu vou ir.

Amanda: Tudo bem, você quer carona? Eu posso passar na sua casa e te levar...

Malu: Quero? Sim, eu quero. Melhor do que ir andando ou de ônibus.

Maria Luiza amaldiçoou a própria falta de habilidade em falar com as pessoas, dizer que seria bom só para ela não ter que ir de ônibus? Que chacota. Fazia mais de uma semana que ela não via Amanda, depois do episódio do sumiço ela parecia distante. Malu percebeu que algo estava errado, mas como não queria ser intrometida não perguntou nada, ao invés disso apenas se afastou, não queria ser mais um peso para a outra.
Depois de Eva, Malu se transformou em outra pessoa, antes ela era mais aberta sobre seus sentimentos, deixava qualquer pessoa entrar em sua vida ao mesmo tempo que tirava as pessoas com muita facilidade. Ela costumava brincar dizendo que havia se perdido na personagem mas sabia que tinha se fechado apenas por ter sido despedaçada. Ela criou um domo em volta de si porque sabia que estava muito vulnerável por dentro, então quando sentia que esse domo estava ameaçado ela o reforçava, mesmo que doesse, mesmo que tivesse que abrir mão de coisas que gostava, se auto proteger era uma prioridade, ela não teria força para lidar com a dor de novo, não mais.

Amanda riu da mensagem de Maria Luiza, "Eu sou o que? Uma motorista particular?" pensou. Terminou de almoçar e foi direto para o escritório, chegando no horário, como sempre. Chegou a sua sala, que era mais um almoxarifado, sentou na mesa e esperou, ainda não tinha nada para fazer. Saiu da sala impaciente e foi até a cozinha, encontrando com os outros estagiários que ali trabalhavam, todos perto da máquina de café, conversando. Ela tentou se aproximar da rodinha, sendo encarada logo em seguida, todos os que estavam antes sorrindo agora a olhavam com desprezo enquanto desfaziam o grupo e seguiam seus rumos. Amanda suspirou tentando segurar o choro e a raiva que tomavam conta do seu corpo, olhou para a máquina de café e sem pensar muito apertou o botão que dizia "Café expresso", pegou uma xícara e colocou na máquina, esperando o líquido marrom escuro descer. Quando a máquina desligou Amanda colocou o café na boca, o cheiro era ok, lembrava uma certa pessoa baixinha que adorava um cafézinho -a lembrança fez Amanda dar um sorriso de leve- levantou a xícara e engoliu, sentindo seu estômago reclamar. Já que era pra ser odiada no trabalho então seria por alguma razão, e o café a ajudaria.

Amanda: Odiada no trabalho porque sou boa demais, vê se eu posso com isso?

Malu: Por que você é boa ou por que você é rica? Eu também não ia gostar se uma rica viesse tomar meu lugar aqui haha.

Amanda não respondeu e Malu pensou se podia ter dito algo errado, era só bricandeira, não era? Maria Luiza já tinha passado por muitos perrengues, teve que sair de casa com dezesseis anos porque seus pais não aceitavam sua sexualidade. Morou em casa de amigos e parentes, sempre tentando ter um lugar para chamar de lar. Fazia dois anos que ela tinha conseguido a casa onde morava por um preço bom, tinha trocado um emprego de babá pelo emprego no mercadinho, o que dava a ela muito mais tempo livre e um salário melhor.  Ela não entendia como era ter opção, como era trabalhar por vontade própria e não porque se ela resolvesse abandonar tudo não teria o que comer e nem onde morar. Ela esperava que Amanda não fosse esse tipo de pessoa, ela realmente esperava que ela tivesse consciência dos seus privilégios.

Amanda e Maria LuizaOnde histórias criam vida. Descubra agora