Maria Luiza saiu do banheiro já esperando a reação da amiga que a olhava com a expressão de quem tinha sido traída.
- O que aconteceu hein Malu? Sua namorada não quis me contar - Fernanda falou com os braços cruzados.
- Eu posso te contar depois? - disse cansada.
- Pode sim meu bem - Fernanda falou relaxando o corpo - vem aqui me dá um abraço - abriu os braços e acolheu Malu.
- A Eva tá aí fora, é tudo o que eu consigo contar agora - Malu falou com a voz abafada no pescoço da amiga.
Fernanda a pegou pelos ombros, parecendo surpresa, depois a abraçou de novo, agora mais forte.
- Já entendi amiga. Não se preocupa porque se aquela filha de uma... se aquela coitada chegar perto de você eu juro, eu arrasto ela daqui a força - Disse fechando os punhos fazendo Malu sorrir.
- Não vai ser necessário, eu espero - Amanda respondeu - Vou manter Maria Luiza ocupada.
Fernanda deu uma risadinha seguida de um "hmmm", mas parou depois de levar um tapa no ombro, Maria Luiza também ria.
As três saíram do quarto, dando de cara com Carolina que estava na cozinha parecendo esperar alguém. Fernanda foi até ela mas a menina apenas olhava para Amanda, sem disfarçar. Fernanda percebeu, abaixou a cabeça e foi em direção ao quintal, onde estavam os outros. Maria Luiza percebeu o ocorrido enquanto Amanda fingia não ver Carolina que ainda a encarava. Quando menos esperava Maria Luiza estava na frente de Carolina, olhou para Amanda que fazia "Não" com a cabeça e tinha um olhar de desaprovação, mas Malu não cedeu.
- Escuta aqui - Maria Luiza falou para Carolina que parecia surpresa com a aproximação - Você fica de papinho com a minha amiga e depois seca a Amanda como se ninguém pudesse ver? Eu não te conheço, não sei quem você é, mas se você chegar perto da Fernanda de novo você vai se ver comigo - Malu falou apontando o dedo na cara da outra que a olhava de cima abaixo com deboche.
- Desculpa, não sabia que ela estava comprometida - falou olhando rápido para Amanda.
- Olha pra mim! - Malu falou agora já tremendo de raiva - Para de olhar ela assim, você me embrulha o estômago - fez uma expressão de nojo - Não quero você perto delas, você entendeu? Amanda não te quer, desencana.
- Então vou ter que ir atrás da minha segunda opção - Carolina falou dando uma risada que foi o cúmulo para Maria Luiza.
Malu quase voou em cima da menina que parou de sorrir, substituindo a cara de deboche por uma de medo. Amanda foi rápida, já estava por perto e pegou Malu pela cintura antes que ela pudesse machucar a outra.
- Maria Luiza para com isso agora! - Amanda gritou ainda a segurando - Você não é criança!
Carolina saiu pelo corredor, aproveitando a deixa.
- Você ouviu o que ela disse? Você viu o jeito que ela estava te olhando? Parecia que você era um pedaço de carne! - falou com o olhar perdido e a expressão de nojo vindo a tona de novo.
- Maria, você tá estressada, chega de emoções fortes por hoje - Amanda a segurava pelos ombros agora - Vem, vou pegar uma água pra você.
- Uma cerveja, por favor - Maria Luiza pediu, agora estava um pouco mais calma.
- Não, você vai beber depois de tudo isso? Vai sonhando - Amanda falou trazendo uma garrafinha de água - Você precisa se acalmar, quem sabe mais tarde eu libero uma.
Maria Luiza sorriu, poderia se acostumar com esse cuidado todo, mas ainda sentia uma pontada de raiva, uma de tristeza, uma de ódio, uma de culpa, uma de... Ela não sabia mais numerar. Elas foram para o quintal de trás, onde algumas pessoas estavam conversando sentadas nos sofás, outras dançando, algumas em volta da mesa pegando docinhos, outras se beijando em cantos aleatórios e Eva. Maria Luiza a viu de longe, parecia que seu olhar a levaria até ela sempre, não importava quantas pessoas estavam por perto. Não sentiu doer tanto quanto tinha sentido no primeiro contato, apenas era estranho. Percebeu que Eva estava abraçada com Eloísa e olhou para Amanda com uma expressão de surpresa.
- É - foi tudo o que Amanda conseguiu dizer.
- Desde quando?
- Não sei, talvez um ano? Por aí - Amanda falou, sabendo o que Maria Luiza queria saber.
- Você sabe o que isso significa não é? - Amanda assentiu com a cabeça - Foi por ela. Foi pela Eloísa que a Eva me trocou.
Amanda olhava para as duas assim como Maria Luiza, ela não sabia como lidar com isso, não sabia o que fazer para consolar Malu. Olhou em volta e procurou um lugar que fosse mais afastado para elas não terem tanto contato com as duas, para respirarem um ar que não envolvia tanta tristeza. Encontrou um canto perto dos sofás, pegou na mão da outra que levou um pequeno susto, já que estava concentrada em outra coisa. Puxou Maria Luiza até o canto, a encostou na parede e saiu.
- Fica aí! - Pediu antes de sair, deixando Maria Luiza falando sozinha.
Malu tentava encontrar o casal que antes olhava mas do lugar que Amanda tinha escolhido era impossível. Suspirou em descontentamento e pensou em sair do lugar, ir atrás de Amanda e pedir para ir embora, estava cansada e não tinha nada de divertido naquela festa. Foi quando ouviu um som, um violão sendo afinado, de onde estava não conseguia ver muita coisa, tinha muitas pessoas na sua frente e ela não tinha tamanho para ver nada por cima, por mais que tenha tentado erguer os pés. Logo após os acordes aleatórios pararem ela ouviu uma batida e uma voz que conhecia, até bem demais*.
I come running to you like a moth into a flame
You tell me: Take it easy —, but it's easier to say
Wish I didn't need so much of you
I hate to say, but I do(Eu corro para você como uma mariposa corre para o fogo
Você me diz: Vá com calma —, mas é mais fácil falar
Queria não precisar tanto de você
Eu odeio admitir, mas eu preciso)Maria Luiza gelou, "Não, não pode ser, ela não faria isso? Faria?" pensou, antes de sair do lugar onde estava e ir ao encontro da música que tanto gostava.
Amanda estava sentada em uma cadeira, quase no meio do quintal. Várias pessoas em volta olhavam admiradas, ela cantava muito bem, tocava melhor ainda e parecia fazer tudo isso com muita facilidade. Quando viu Malu, abriu um sorriso, que foi prontamente retribuído. Continuou cantando e olhando para a outra, queria que ela entendesse cada palavra, queria que Maria Luiza soubesse o que ela estava sentindo, queria expressar, tirar do peito tudo o que gritava dentro dela.
No, you don't have to keep on being strong for me and you
Acting like you feel no pain, you know I know you do(Não, você não precisa continuar sendo forte por mim e você
Agindo como se não sentisse dor, você sabe que eu sei que você sente)Maria Luiza estava congelada ali, sem possibilidade de conseguir se mover, ela não sabia mais se seu coração aguentaria ficar dentro do peito, parecia que ele queria se libertar. Ela não conseguia mais ver nada, apenas Amanda. Se o mundo acabasse, se um meteoro caísse ali do seu lado ela não perceberia, toda a sua atenção estava em Amanda e ela não se importava se estava praticamente babando ali de pé enquanto todos alternavam os olhos entre as duas, achando fofa a cena de uma declaração. A música dizia que ela estava indefesa, em um sentido bom, entregue, mas que a outra ainda estava construindo cercas, em volta do próprio coração. Ela só não sabia se era uma coincidência, se Amanda estava cantando apenas para mostrar para todo mundo o quanto era talentosa, se apenas estava tentando fazer Maria Luiza ficar mais feliz com uma música que gostava ou se era uma mensagem. Seja lá o que fosse Malu tinha gostado, poderia ficar ali ouvindo Amanda cantar por tempo indeterminado, ou até que tomasse coragem para fazer aquilo que tinha vontade, beijar Amanda até perderem o fôlego.
I hope that I'm not asking too much
Just wanna be loved by you
(Don't you be so defensive)
And I'm too tired to be tough
Just wanna be loved by you(Eu espero não estar pedindo muito
Só quero ser amado por você
(Não fique tão na defensiva)
Estou cansado demais para ser firme
Só quero ser amado por você)Amanda cantava com toda a voz que tinha, olhando Maria Luiza cada vez mais fundo nos olhos até que fosse só isso que tivesse para olhar. Parecia que todas as pessoas em volta tinham sumido e o mundo era apenas aquela bolha que elas tinham criado, o próprio mundinho delas, sem trabalho, sem alguém tentando atrapalhar, sem família, sem a Eva.
Never been so defenceless
You just keep on buildin' up your fences
But I've never been so defenceless(Nunca estive tão indefeso
E você continua construindo suas cercas
Mas eu nunca estive tão indefeso)
