15. crescendo

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AMANDA

— Ô minha filha, tu sabe que é um bem precioso pra mim. — Ele falou. O som de sua voz havia se tornado desconhecido, caído no esquecimento. Não o ouvia há meses, desde o último encontro com o advogado. Eles iriam se separar com partilha de bens, mas minha mãe insistiu que ele já tinha um lugar para morar, já tinha uma nova família e, por isso, deveria deixar a casa com a gente.

Lembro muito bem de chegar em casa e encontrá-la ao telefone, conversando com seu advogado.

Meu pai discordava, dizia que agora tinha uma filha recém nascida para cuidar e iria precisar de ajuda.

Toda vez que minha mãe ouvia essa frase sair de sua boca, ela soltava uma risada. Eu me perguntava se, caso o estopim do relacionamento não fosse a agressão, será que eles conseguiriam lidar com isso melhor e com menos custos? Podia ser uma decisão mais fácil, uma partilha mais fácil e, do contrário, foram inúmeras sessões de conversas e debates sobre o futuro de nós três.

No entanto eu entendi que, além de ser o culpado, era meu pai quem estava tornando tudo tão complicado, algo que só fui processar depois. Não participei de todas as sessões - se é que isso se chamava assim - minha mãe estava tentando me manter o mais afastada possível da situação e, honestamente, eu também. Sabia quais os tópicos de discussão do dia, mas não me envolvia.

Agora que tudo acabou, percebo que fui ridícula. Não deveria ter deixado minha mãe passar por essas situações sozinha. Ridícula, ingrata e inútil. Uma péssima filha.

Mas eu a entendia. Se fosse eu no lugar dela, também não iria querer levar minha filha a descobrir que o pai dela é um idiota que só pensa em si.

No fim, com a venda da casa, dois terços do dinheiro ficariam com a gente. Um acordo que fizeram para evitar mais transtorno. Minha mãe ficou com a parte dela e meu pai deu metade da dele para mim.

E agora, aqui estava eu, por indicação de dra. Helena, sentada de frente para o meu pai em uma sorveteria qualquer na cidade ao lado da Capital.

Nunca tivemos uma conversa pai e filha depois de tudo. Nunca dei a ele a chance de se explicar porque, para mim, não tinha explicações.

Não o respondi.

Ele estava falando sobre como não queria perder o contato comigo, porque eu ainda era, sou, filha dele.

— Fiquei sabendo que está namorando com o Felipe agora, fiquei feliz em saber que finalmente se desenrolaram.

Meu olhar, que fitava a rua cheia de carros atrás de meu pai, e o céu azul, se voltou para seu rosto. Minha boca, aberta em incredulidade.

— Como ficou sabendo? — Se eu não estava falando com ele, como era possível que ele soubesse? Pela minha mãe que não deveria ser.

— Ele postou nas redes sociais. Eu sou um homem conectado agora, filha. Lorena criou as contas todas para mim, mas não te encontrei por lá.

Lorena, a nova mulher do meu pai.

Eu não a detestava por ser "a nova mulher do meu pai". Eu sentia nojo dela por saber que ele era casado, e ainda assim se envolver. Não sabia o que esperar de uma pessoa que se rebaixava a este nível.

Que se submetia a essa situação.

O que ela diria para sua filha quando a perguntasse como conheceu o pai? Como ela criaria essa criança? Ensinando que tá tudo bem se relacionar com homens comprometidos porque eles é que deveriam se policiar?

Sim, eles deveriam.

Mas isso é se rebaixar demais! É não pensar na mulher que está sendo enganada. E o sangue corre quente por minhas veias sempre que penso nisso. Sempre que penso no possível tempo de enganação que minha mãe viveu.

Estrelas que nos guiamOnde histórias criam vida. Descubra agora