PARTE 2
AMANDA
2014O tempo passa e as coisas mudam. Sim elas mudam mesmo que o tempo seja pouco, ele é tão passageiro que depressa nem percebemos. A vida corre e vamos vivendo sem saber o que estamos fazendo.
Em alguns dias, semanas e meses a Amanda que eu conhecia estava vivendo coisas que não imaginaria pouco tempo antes disso tudo acontecer. Aos poucos, minha cabeça me enviava memórias do ontem e do antes de ontem, tentando processar todas as informações que deixei passar.
Ao longo do dia, a Amanda esquece e cresce e remói tudo aquilo uma e outra vez, até o momento em que me sento e pego um caderno comigo, escrevendo tudo o que as vozes em minha cabeça insistem em me avisar.Ao todo, apenas no primeiro mês pós formatura, foram quarenta textos-desabafos. Anotações que faço com tudo o que minha memória permite lembrar dos últimos meses.
Geralmente, começam assim:
Meu pai agrediu minha mãe. Ele possui outra família agora. Não quero mais vê-lo. Não consigo mais vê-lo. Seus olhos não me transmitem mais a confiança que um dia transmitiram. Seus braços deixaram de ser uma fortaleza e se tornaram símbolo de agressão. O amor que sentia por ele parece estar enjaulado em meu peito, preso com uma chave que não encontro em lugar algum.
Felipe me beijou. Eu beijei Felipe. E nossa amizade não poderia ser mais a mesma. Não sei o que eu quero. Não sei se devo. Não sei. Não sei de nada. Alguém por favor me diz o que fazer. Eu estou perdida. Não sei se entrarei na faculdade. Não sei o que farei no próximo ano. Minhas noites de sono não são mais as mesmas. Acordo chorando. Com dor no peito. Sinto sua falta, pai. Da pessoa que você era. Estou preocupada com minha mãe, ela não aguenta mais burocracias. Estou cansada de mim. Da pessoa que sou. Não sou assim. Preciso mudar. Preciso aprender a me libertar dessa jaula em que me prendi.
Então, na metade do primeiro mês do ano, minha mãe chegou até mim e disse:
— Marquei psicólogo para você.
Eu estava dobrando as roupas, em uma tentativa de manter minha mente ocupada. Felipe estava na praia, com seus pais, e eu não quis acompanhá-lo. Queria ficar em casa, ajudando minha mãe com a idealização da mudança para um apartamento, algo menor para nos acomodar.
Ela não conseguia mais se sentir bem em uma casa tão grande, com memórias de tantos anos de um casamento que não deu certo. Se a separação tivesse sido por um desgaste da relação, acredito que não seria um peso tão grande assim. Mas não foi e toda ação tem uma reação, né?— Oi? — A camiseta preta da Lorde se desdobrou em minhas mãos.
— Sim, o advogado falou que seria bom para ti. Com todas as mudanças que estão acontecendo e as que vão vir... — o som pairou no ar, as ondas se mesclando com o oxigênio respirado e criando entrelaços em uma dança invisível.
— Mãe, eu não preciso de um psicólogo só porque vamos trocar de casa. — A encarei mais uma vez antes de puxar a manga escura e colocá-la por cima da outra.
— Não só por isso, sei que não deve ser fácil ter seu pai fora de casa. E além de tudo eu te mostrei meu corpo ferido aquele dia, foi erro meu.
— Ah por favor, mãe! O errado foi ele, eu mereço saber das coisas. Não vou pirar por compreender o mundo real.
— Não é essa a questão, Amanda. Não precisa pirar para ir ao psicólogo, mas vai te ajudar a desabafar. Sei que não conversamos muito sobre as coisas, é erro meu também, mas com o tempo vamos conseguir mudar isso. Pode ser? Vamos tentar juntas. — Ela se aproximou de mim, tirando a peça das minhas mãos e colocando junto da pilha que tinha acabado de formar.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Estrelas que nos guiam
Fiksi RemajaSempre ouvimos falar que amizade vem antes de namoro, certo? Isso para Amanda sempre foi muito bem definido: nunca deixar os amigos por conta de um possível namoro, mas para Felipe - seu melhor amigo - as coisas não eram bem assim, sua crença nas pe...