8. um olho roxo e o outro bem aberto

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AMANDA

Cada dia que se passava era um dia mais próximo do vestibular, do exame que definiria o que eu faria da minha vida no ano seguinte. Cada segundo que passava, era um segundo em que eu poderia estar estudando, com a cara nos livros, respirando letras e números.

Eu não estava ficando louca, não estava ficando louca, não estava, não estava, não.

Está tudo bem, Amanda. Vai dar tudo certo. Risca o dia anterior no calendário e viva o de hoje como se fosse uma nova vida. Foco, tu consegue!

Respiro fundo, coloco os pés em um chinelo de pelo cinza escuro e caminho até o roupeiro, pegando a primeira roupa que vejo... sim, é uma descrição comum dos livros, mas eu realmente faço isso. Puxo a primeira peça de cada prateleira e bum, o look perfeito para um dia qualquer na escola da cidade.

O moletom preto, a calça jeans preta (e desbotada) e o all star tradicional compunham a minha personalidade de garota que assiste A Família Addams quando não tem nada para fazer.

Antes de beber uma xícara quentinha e cheia de café, opto por passar um rímel nos cílios - sendo influenciada por ninguém mais e ninguém menos que minha mãe. Ainda não tinha habilidade suficiente para passar delineador, mas marquei um pouco com o lápis de olho. Ficou razoável, na verdade.

O dia não estava dos melhores, a chuva da madrugada deixou o asfalto bem molhado e a temperatura bem fria, mas nada que eu não pudesse aguentar sem reclamar. Com um bom e velho guarda-chuva na mochila o problema era solucionado.

Saí de casa deixando a louça para ser lavada, quando eu voltasse não teria outra opção senão eu mesma lavar ela.

Fiz uma careta ao lembrar que meu pai, às vezes, chegava mais cedo e me fazia companhia durante a tarde. Mal pensava eu que estava convivendo com alguém que tinha esse instinto de agressividade. Isso ainda parecia um pesadelo para mim, algo que em breve eu acordaria e perceberia que estava tudo normal e bem novamente. Que minha mãe está bem e minha família permanece unida, pelo menos o mínimo possível.

Na escola tudo parecia igual, como sempre, nenhuma mudança. Nenhum aluno novo que mudaria as coisas, nenhuma novidade ou atividade diferente. O mundo inteiro estava igual, só dentro de mim que alguma coisa havia mudado. Um desconforto se instalava dentro de mim, ao mesmo tempo que uma grande vontade de mudar as coisas, de ser melhor para mim - como minha mãe havia dito. E tudo isso misturado com tristeza, nojo e irritação.

Eu estava virada em um milkshake de pistache, ovomaltine e morango. Nenhuma das coisas combinavam, mas estavam unidas ali, batidas no liquidificador e colocadas em um copo transparente.

Eu estava prestes a entrar na sala, logo após a professora de Literatura, quando uma coisa diferente prendeu minha atenção.

Felipe estava chegando perto da sala de aula, acompanhado de seu pai e um olho roxo que ia quase até sua testa.

Ok, temos aqui uma coisa diferente. E bem bizarra.

Atrás da dupla, José também estava acompanhado de um homem mais velho. Acredito que era seu tio, pois José nunca conheceu o pai biológico e era criado pela mãe e pelo tio em uma casa próximo à minha. Algumas ruas de distância, na verdade. Quando estávamos no fundamental sua mãe costumava me acompanhar até em casa quando a minha mãe não podia.

Na verdade, acho que foi ali que José começou a nutrir esse sentimento bizarro por mim. No início ele tinha grandes chances de ser meu amigo, mas depois dos 12 anos alguma coisa mudou nele. Achava que era só a puberdade mas, pensando melhor agora, podia ser até outra coisa.

Estrelas que nos guiamOnde histórias criam vida. Descubra agora