Fantasmas

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Duas semanas depois, e eu ainda não estava acreditando. Ou melhor, me recusava a acreditar que tinha aceitado a proposta do Paiva de me tornar um membro da gangue.
Mas o mais intrigante, era que mesmo com vários quartos vazios, eu tinha que dividir um quarto com o Paiva, pois os outros quartos tinham... "Outros fins" segundo ele.
Eu ainda não tinha me encontrado com a Irma desde que eu fui "promovido".
E, pelos olhares ansiosos e incrivelmente indiscretos que ela me lançava ás vezes, eu percebia que ela estava ávida para saber o que tinha acontecido.
Mas, infelizmente, eu teria que decepcionar a Irma, porque naquelas últimas semanas eu estava muito atarefado. A promoção tinha me dado alguns benefícios, mas trouxe muito mais malefícios.
Da limpeza do chão à administração, mesmo que velada pelo Paiva, da parte financeira da TN, eu era um tipo de capataz multitarefas daquela boate.
E, a parte boa disso tudo, era que de alguma forma eu e o Paiva estávamos cada vez mais próximos.
Eu não sei precisar exatamente quando essa aproximação começou, mas se isso aqui fosse uma prova de múltipla escolha, eu chutaria essa resposta:
Foi logo depois que eu soube que agora eu era parte do esquema, eu estava limpando o quarto dele (ou nosso, não sei ao certo), quando "esbarrei sem querer" numa pequena coleção de Cd's de vários artistas incrivelmente bons, acompanhada de um pequeno aparelho que aparentava ter uns cento e cinquenta anos. De Kodaline a Walk The Moon, ali tinha de tudo. Com saudades de casa, pus o único cd brasileiro que tinha ali: Canções de Apartamento, Cícero.
Mas, justo na hora em que estava tocando Eu Não Tenho Um Barco, Disse A Árvore, o Paiva apareceu na porta do quarto incrivelmente assustado.
-Você tá maluco? Aqui não pode usar essas coisas não! Além do mais, quem te autorizou a mexer nas minhas coisas?
Eu fiquei paralisado. Não sabia nem o que pensar. Mas, para minha surpresa, ele não me mandou para a Sala de Tortura, nem me deu alguns castigos do mau. Ele se sentou na minha cama e acariciou minha mão. Depois, com uma voz doce e calma, me disse:
-Você gosta de Cícero?
Eu balancei a cabeça, sem reação. Não posso dizer que não estava gostando daquela aproximação toda, mas também não estava amando.
-Então, faremos assim: todos os dias iremos ouvir uma música do Canções de Apartamento. Tem uns outros cd's aí também. Você escolhe.
E desde então, todas as noites antes de dormir ouvíamos uma música da Coleção Secreta dele. Depois daquele dia, ele insistiu que eu o chamasse de João, não mais de Paiva.

Depois de ter limpado a boate e ter cuidado das finanças do dia, e de ter sido chamado de traidor pelas traficadas, eu estava me preparando para dormir quando ouvi um barulho vindo da cama do Paiva, além do som de Kodaline com Talk.
Era algo como... soluços.
Eu nunca tinha visto o Paiva chorar, e isso para mim era algo inédito. Então, eu me levantei e fui verificar com o Paiva o que estava acontecendo.
Quando cheguei lá, encontrei o Paiva deitado em posição fetal no chão, enquanto chorava e se balançava segurando a fotografia de uma menininha com aparentemente oito anos de idade, os olhos verdes, destaque da foto, iguaizinhos aos dele.
Então, eu vi a minha chance de colocar meu plano em ação.
-João, o que está acontecendo?
Ele me ignorou, mas eu não desistiria tão fácil assim, então eu me sentei e tentei abraçá-lo. Ele se desvencilhou de mim.
Ficamos em silêncio por alguns minutos, mas então eu me lembrei da foto amassada nas mãos dele.
-É a sua irmã? Aquela que você matou?
Ele se levantou e sacou a arma tão rápido que não tive nem tempo de reagir, ou de correr.
-Não ouse falar da minha irmã. Da próxima vez, vou te trancar na Sala Da Tortura e fazer questão de arrancar cada resquício de neurônio que sobrar em sua cabeça, entendeu?
Eu não revidei. Tinha sido promovido, por assim dizer, mas ainda era o de menor importância dentre os três. Eu era facilmente substituível. Então eu simplesmente assenti, meio surpreso meio aterrorizado.
Mas o João recomeçou a chorar e deixou a arma cair com um baque surdo no assoalho de madeira.
Eu me levantei e estava quase na minha cama quando ele falou, num sussurrro quase inaudível:
-Aconteceu tudo muito rápido. Foi há seis anos atrás. Exatamente, seis anos atrás. Portanto, hoje é o aniversário de morte dela. Eu estava correndo atrás de um terrorista que na época era o mais procurado. A cabeça dela estava a prêmio. Eu estava começando a perder meu reinado com a Irma para outra dupla de agentes. Eu tinha que conseguir. Eu sempre fui o melhor...
Então, quando os boatos de que ele estava aterrorizando os cidadãos começaram, eu corri para conseguir pegá-lo. E consegui. Foi difícil, mas consegui. Eu recuperei meu posto. Ele foi preso numa cadeia de segurança máxima, daquelas que ninguém escapa, sabe?
Mas ele escapou. E foi então que o pesadelo começou....












Priscila
(Dois dias antes)

O táxi estava a 100 km/h, mas eu estava calma. Eu estava à procura do meu amigo. Do cara que eu sempre amei. Talvez tenha sido a saudade que tenha me levado a fazer aquela loucura, mas eu sabia que tinha alguma coisa que não cheirava bem ali.
O táxi parou alguns metros a frente da boate. "The Nightclubers: Dubai".
Entrei no local, e me sentei no bar como sempre fazia no Brasil.
-Give me a crazylazy drink, please.
Eu tinha feito um curso de inglês com o Daniel um ano antes.
-Ok.
Enquanto ele preparava o drink, eu examinava o local. Procurei o Daniel em cada barman, cada stripper, cada faxineiro que eu via.
Fiquei na boate até que me expulsassem dizendo que eu tinha que me retirar. Esse foi meu ritual durante semanas e semanas.
Até que um dia, enquanto eu estava no meu "rito sagrado", eu o vi. Sim, eu o vi, e ele estava... saudável.
Eu corri por aquela boate como louca atrás dele, mas ele definitivamente estava tentando me evitar.
Eu corri até chegar a um corredor de veludo vermelho. Eu não sabia onde estava, estava com fome, assustada, e tudo indicava que o meu melhor amigo de toda a vida estava me evitando. Ou passando por problemas sérios, o que é
Eu corri, até que eu vi uma figura conhecida... aqueles olhos verdes... João!
-João! Cadê o Daniel? Porque ele...
-Priscila! O que você está fazendo aqui? Como... como você chegou aqui?
Parecia que ele havia parado no tempo, por que ele estava extamente como há meses atrás.
-Eu... eu vim atrás do Daniel, você sabe dele?
-Do Daniel? Não, claro que não... ele foi para outra filial da boate aqui em Dubai... mas por que você está me perguntando isso?
-Mas como assim? Como ele saiu daqui e não avisou nada?
-Ei, calma... vem aqui no bar comigo.
Ele pegou o telefone e me levou ao bar de novo.
-Fica aqui. Vou ver se o encontro.
-Tudo bem.
-Uma batida para a garota, por favor.
E ele se foi. E eu fiquei ali, ansiosíssima por falar com o Dan. Eu bebi a batida num gole só, de tão aflita.
As perguntas não paravam de me atormentar a todo momento, como sussuros quase inaudíveis, que incomodam pacas.
Eu vi o João voltando, e me levantei aflita. Mas eu não consegui me manter em pé. De repente, tudo ao meu redor estava girando, e eu apaguei. As últimas impressões registtadas no meu cérebro foram as palavras do João:
-Prendam-na.

Revenge: As CinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora