Capítulo XV - Conto 53: O tratamento

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Sinto a chegada do anjo. É ele... e quando vem significa que vou entregar uma mensagem para alguém. Quem será?

- Você pode me usar, em nome de Deus. – digo-lhe.

- Ajoelhe-se, ore pela sua irmã, que vou te mostrar. – instrui.

- Senhor, restaure a sua saúde! Por favor, cure-a. – suplico.

Minhas lágrimas molham o chão da sala.

Vejo-a de lado, com a mão esquerda sobre a mama direita, cabisbaixa, como se estivesse orando. O corpo dela tinha uma cor bege brilhante. Estava toda translúcida e podia ver o esboço de seus órgãos. Tinha uma bolinha preta, sem luz, na mama direita, onde repousava sua mão.

Ligo e conto-lhe a visão que o anjo me dera.

- Tenho medo que tenha em outra parte do corpo... – sussurra, engolindo o choro.

- Na visão só tinha na mama direita. Fique tranquila, a vitória é sua!

- Ontem orei e chorei aos pés do Senhor! Estava aflita com isso, e, hoje veio a resposta! Obrigada Deus, fiquei mais aliviada! – suspira.

- Não sabia que estava com esse medo.

- Estava. Obrigada, minha irmã, pela palavra de consolo!

- De nada!

- Amanhã vamos comprar a peruca? Meu cabelo está caindo muito.

- Sim, e temos que chegar cedo na loja, pois o atendimento é individual.

- Então vou dormir na sua casa.

- Tá, vem sim, ficarei feliz.

No dia seguinte, chegamos antes da abertura. Ficamos sentadas, ansiosas, no sofá da recepção, enquanto conversávamos. Ao se abrirem as portas, entramos e vislumbramos muitas perucas, uma mais bonita do que a outra!

- Não são perucas! São próteses de cabelo, todas feitas à mão! – explicava a vendedora, gentilmente, enquanto escolhíamos.

- Olha que linda essa, Lívia! Tem mechas! – falo admirada, enquanto toco seus cabelos.

- Nessa, os fios foram colocados um a um, por isso parece tão natural! É um trabalho artesanal. – esclarece.

- Posso pegá-la? – pergunta Lívia com os braços estendidos.

- Sim, lógico! – responde, solícita, e a retira do manequim.

- Ela tem uma redinha na base! – fala admirada.

- Isso mesmo, e ninguém vai perceber que está usando uma prótese!

Lívia a experimenta e sorri:

- Como ficou?

- Linda! Você está linda! – respondo feliz.

Viro-me para a vendedora:

- Não sei como raspar a cabeça dela. – declaro, chateada.

- Nós raspamos aqui. Ela sairá pronta, com a prótese.

Vamos até uma salinha isolada. A vendedora, cuidadosamente, raspa a cabeça de Lívia com a máquina elétrica, e, imediatamente, coloca a prótese.

- Melhor do que meus cabelos naturais! – exclama, feliz.

Risos.

- É o seu presente! – comunico.

- Não! Vou pagar aos poucos!

- É um presente e ponto final! Quero que passe bem por esta prova.

- Obrigada, Ana, Deus vai te dar em dobro!

- Não quero nada em troca e Deus sabe disso.

Depois, fomos até o shopping para tomar sorvete:

- Ana, ninguém reparou que estou com a peruca! – cochichou, enquanto andávamos de braços dados.

- Quero uma bola de chocolate! – peço.

- E eu de cereja!

- Que cabelos bonitos! Foi no salão do shopping? – pergunta a atendente.

- Obrigada! Fui num cabelereiro, perto de casa. – responde sorridente, enquanto aguardamos pelos sorvetes.

Sentamos felizes, tiramos fotos e conversamos. Repentinamente, Lívia fica pensativa e se cala.

- O que foi Lívia?

- Ana, tem certeza que quer cuidar de mim? Você está trabalhando... Não quero atrapalhar você! – desabafa triste.

- Quero cuidar de você, já disse! Deus nos dará forças!

- Klaus não tem estrutura, Helena, que é minha filha, sai com as amigas e nem pergunta como estou. – conta, enquanto enxuga suas lágrimas no guardanapo.

- Vai dar tudo certo! Lembra da visão? É uma questão de tempo para se livrar dessa bolinha preta! – consolo-a.

Também estou angustiada, mas procuro não transparecer, quero que sinta que pode contar comigo.

- Obrigada, Ana. – sussurra.

- E eu agradeço a Deus, pelo privilégio de ser escolhida para cuidar de você.

Depois da primeira quimioterapia, veio para minha casa e dormiu na minha cama. Queria ter certeza de que estaria bem perto, caso ela precisasse.

Na primeira noite... Lívia acorda gritando. Acendo rapidamente a luz:

- Aí, em cima da sua cabeça!

- Não tem nada, Lívia! – respondo sobressaltada.

- Tem um inseto gigante, batendo as asas, não está vendo? – grita, apontando para cima da minha cabeça.

- Não tem nada! Você está tendo alucinações! – alerto-a.

Lívia levanta e corre pela casa, vendo insetos gigantes em toda parte. Corro atrás, tenho medo que se machuque, pois está fora de si. Vai até a sacada, lança-se no sofá e cochila. Deito na bancada, também cochilo. Depois de um tempo acorda sobressaltada:

- Ali! Tem pontos pretos caindo! Como se a parede estivesse esfarelando! – grita, apontando para a parede.

- Lívia, não tem nada!

Dou a medicação para enjoos, remédios, e, finalmente, dorme tranquila. Fico de vigília a noite toda, pois tenho receio de que passe mal enquanto dorme. Na manhã seguinte, vou trabalhar, e ela fica com Déia, a senhora que cuida da minha casa.

No segundo dia sente cansaço e muita ânsia de vômito. No terceiro, melhora.

- Ana, você deve estar tão cansada! Não tem dormido, e trabalha o dia inteiro. –desculpa-se.

- Tantas vezes ficamos acordadas por um filho doente, não é? E no dia seguinte, ainda vamos trabalhar! Estou fazendo o que fiz por um filho! – consolo-a.

- Fico pensando... se não fosse você, o que seria de mim, Ana? Quem cuidaria de mim? – choraminga.

- Deus me escolheu para cuidar de você. Não pense mais nisso.

Lívia melhora e retorna para casa, com seu marido e filhas.

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