Cap-1 Cheiro de Fumaça.

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Cada tribo ao longo dos anos construiu seu conhecimento sem dividi-los com mais ninguém. Vários registros sobre o mundo quando era um só, sem o mar a separá-los do que existe além do azul e imenso céu terrestre. Registros de plantas venenosas, com propriedades curativas e aquelas com alguma dose extra de mana, que os permitia fazer as magias mais diversas. Livros eram como dicionários para os humanos, se não sabiam o que fazer, bastava procurarem que encontrariam as respostas. Pelo menos na maioria das vezes. Havia sempre a segmentação desse conhecimento, alguns escolhiam ler sobre plantas, onde viravam bruxos e geralmente serviam de assistentes para quem lia os estudos sobre a relação corpo, mente e mana, os famosos e temíveis guerreiros. Os livros também poupavam tempo, se alguém queria aprender algo, ia buscar por livre vontade a fonte de conhecimento desejada. Aprender não era um problema naquele continente, pois os que pouco sabiam eram segregados pelos esforçados e inteligentes.

 Como pude esquecer desses? Bem, mesmo naquele reino onde o conhecimento era superestimado, havia aqueles que perpassavam a vida como pássaros livres, que se preocupavam apenas com o que comer e com quem copular, levavam uma vida de libertinagem e geralmente eram excluídos pelos líderes das tribos.

 Noemi, uma guerreira, estava deitada litigando sobre o que Matias falara na noite anterior. "Espero que sempre encontre um motivo para me manter vivo." Assim, ainda pensando nos lábios deles se movimentando como se fosse um poeta atrevido, dormiu em sua rede no alto de uma estonqueira.

Na manhã seguinte, quando o sol estava nascendo e o brilho penetrando entre as folhas daquele teto verde, Noemi e todo o resto da tribo acordava com um cheiro pouco comum. Seu primeiro pensamento era que estavam sendo atacados, sabotados pelos excluídos que eram os únicos que usavam fogo de forma tão inapropriada e em grande escala. Mas ao descer da rede como um gato esperto, viu apenas uma mancha vermelha concentrada perto de uma silhueta muito familiar. Em 15 segundos havia uma circunferência inteira de negros que dividiam uma mistura de expressões estupefatas e raivosas. Dentre eles o líder abriu caminho e ficou a três passos de um garoto sentado perto do fogo, onde todos os livros da Tribo estavam queimando. Tot apontava sua lança de ponta de pedra reforçada para a garganta de Matias. Que ainda tinha a audácia de sorrir.

— Suas últimas palavras, miserável, diga elas agora ou morrerá calado.

Matias não parecia desconfortável com a proximidade da lança mais desejada por todos da tribo.

— Se me matar, estará condenado a morrer daqui a uns 5 anos, não só você, Mas todos vocês que estão velhos e tem pouco tempo de vida. Não existe alguém que tenha lido todos os livros, de modo que se me matarem estarão deixando uma lacuna cognitiva para a próxima geração. Tão grande que eles serão obrigados a dobrarem o joelho para as Tribos rivais.

— Como alguém pode ser tão ingrato? Te aceitamos aqui como se fosse um filho, mas não sabíamos que tu era uma cria da puta mais vadia. Nos traiu, a Lei diz que sua punição é morte. A tribo diz que deve morrer, se houver alguém que discorda, é cria de puta igual a você. Me poupe o que perderemos, vamos começar a guerra que evitávamos, e somente você será o culpado... Declaro em nome da mãe natureza, a condenação desse filho que repudia nossa imagem, que despreza o amor pela sabedoria — Tot erguia a lança para enfiá-la pela garganta de Matias.— filho da ingratidão, morrerá pelos seus pecados agora, o inferno cinzento lhe espera.

— Não, Pai. Escute-o, veja que motivo tem alguém que ama o conhecimento queimar tantos livros descaradamente? Ainda por cima ficar para ser morto, desde quando Matias fez algo que não tenha um fim? Tenho certeza que ele não faria isso sem ter algum propósito em mente. Diga-me, Tot, como sua filhinha peço que me escute, se matá-lo o senhor não seria ingrato também? Lembre da vez que Matias me salvou daquele lobo. E da vez que achei que estava pronta para nadar mas não estava, iria me afogar naquele rio se não fosse por ele, que se jogou abraçado a um tronco escolhido a esmo. Nós dois iriamos morrer se aquilo não boiasse. Lembre-se da vez que ele aceitou ir espionar a tribo Terra sozinho, você sabe que eles são brutamontes, mas ele foi do mesmo jeito, sem nem ligar de ter sido escolhido por ser a menor perda da Tribo. Ele um dia foi descartável, e nem por isso nos traiu, por que trairia agora quando é de grande valor? Tinha tudo para ser seu sucessor. Que motivo ele tem para ser tão amargo e ingrato a um destino tão benevolente?— interveio Noemi.

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