Watertown, New York.
Hoje saí do laboratório e parei em algum lugar para almoçar, e agora estava me levantando da poltrona para tomar um banho e tentar tirar o resto da tarde de sexta pra descansar. Depois de me refrescar decido assistir algum filme na sala, mesmo sabendo que vou dormir nos primeiros 20 minutos.
Meu corpo estava largado de qualquer jeito no sofá, quando acordei com um barulho.
- Nicola? – falei instintivamente, pra segundos depois lembrar que ela estava a horas de distância. Levantei e fui procurar a fonte do barulho.
Segui pela cozinha quando ouvi novamente, e vinha do quarto do fundo. Chegando lá notei a porta entreaberta, pus a mão na maçaneta e fui empurrando até revelar o quarto inteiro. A janela estava aberta, criando uma corrente de ar que fazia a persiana debater-se. Fechei a mesma, me certificando de que estava trancada. Quando virei para sair do quarto percebi algo embaixo da cama, me abaixei para olhar e era uma foto. Uma foto de Nicola, não muito recente pois seu cabelo estava mais curto. Ela usava uma blusa vermelha e uma calça preta, seu olhar estava perdido em algum ponto que não era a lente da câmera, e seus lábios carregavam um batom vermelho sangue.
Passei o dedo lentamente no contorno de sua boca, subindo pela bochecha, seguindo a linha da sobrancelha e descendo pelo nariz. Essa foto me lembrou da Nicola do nosso encontro. Solta, leve, sensual e atraente. Essa lembrança me fez perceber que eu teria de tomar uma decisão pra conseguir o que queria. Devo respeitar as regras dela. E logicamente que tenho consciência de que é o correto.
Profissionalismo sempre.
Deixei a foto na mesa de canto ao lado da cama e saí dali fechando a porta. Cheguei na sala e conferi a hora no celular. Faltavam alguns minutos para as 20h, e eu passei a tarde toda dormindo. Meu estômago também pensou isso quando se manifestou. Voltei para a cozinha e preparei um lanche simples. Não iria encher a barriga para dormir novamente. Terminei de comer e fui para o quarto.
Tomei banho, escovei os dentes, arrumei a cama e deitei. Chequei no celular se tinha algum e-mail importante para ser lido antes de dar o dia por encerrado, e não tinha. Depois de verificar se tinha novas mensagens dela, ponderei, por um momento, se deveria mandar um "Boa noite". Decidi que não enviaria.
Virei pro lado e fechei os olhos.
Minha tia me informou que iria chegar por volta das 10h, depois de deixar seu marido no hospital. Ele estava sendo encaminhado para uma cirurgia, e ela me pediu para ficar aqui durante o período de internação já que não gosta de ficar sozinha.
Eu não me opus, mas sei que parte de sua visita é na intenção de meter o bedelho na minha vida, mas de forma alguma deixarei escapar o que penso de Nicola.
Poucas horas depois do almoço, eu estava estudando algumas pesquisas feitas no laboratório, quando ouvi o toque da campainha.
- Oi D! – disse minha tia quando abri a porta da sala.
- Oi tia. – ela foi entrando com uma pequena mala em mãos e a bolsa no ombro, logo deixando uma no chão e outra na mesa de canto. Veio na minha direção enquanto eu fechava a porta e me deu um abraço apertado do qual eu obviamente fiquei desconfortável.
- Tudo bem com você?
- Tudo bem sim. E o tio Joseph? – peguei sua mala e fui levando para o quarto de hóspedes.
- Já está na sala de cirurgia. Vou passar lá mais tarde. - foi me seguindo escada acima.
- Posso te levar. – me ofereci. Eu gosto da Luzia e do marido dela.
- Oh meu querido, muito obrigada. Seu tio vai gostar de te ver. - sentou-se na cama tirando os sapatos e rodou os pés alongando. – Nossa como estou cansada. Acordamos pouco antes das 5h pra chegar lá e ele ainda ser submetido a alguns exames.
- Tira o resto da tarde pra descansar então. Eu vou tá aqui no meu quarto trabalhando.
- Claro meu querido, pode ir. - gesticulou com a mão para que eu fosse embora. - Não vou te atrapalhar em nada. Muito obrigada por me receber.
- Por nada, tia. – saí dali fechando a porta atrás de mim e indo pro meu quarto. Quando cheguei no mesmo tranquei a porta, já que tia Luzia tem histórico de entrar aqui sem avisar.
Larguei os papéis na mesa, frustrado. Minha mente não conseguia focar, não enquanto eu procurava motivos pra mandar alguma mensagem pra ela. É difícil ficar aqui sozinho e isolado depois que comecei a me acostumar com a presença dela e nossas conversas, por mais rápidas e simples que tenham sido. Ela não parecia conversar comigo por educação, mas sim por vontade própria. No princípio deve ter sido, é claro, mas depois foi se tornando uma coisa leve.
Saudades era o que me tomava e inebriava meus pensamentos.
- Demion?! – chamou minha tia, me tirando da minha viagem particular.
- Oi. – respondi já levantando e indo abrir a porta. – Oi tia.
- Eu vim perguntar se você ainda vai comigo? - ela estava toda arrumada e com a bolsa pendurada no ombro.
- Já? Que horas são? – voltei pra checar no celular, mas ela respondeu antes.
- Seis. – e já foi entrando no quarto e olhando pelos cantos.
- Nossa. Mas sim, eu vou com a senhora. Vou só trocar de roupa e já desço. – soltei a indireta pra ela sair daqui.
- Pronto. Vou tomar uma xícara de café enquanto te aguardo. – e saiu.
Troquei a bermuda por uma calça jeans e coloquei uma camisa, logo depois calcei um par de tênis. Catei o celular, a carteira e a chave do carro.
Chegamos no hospital e logo fomos informados pra qual quarto ele tinha sido direcionado após a cirurgia. Luzia foi na frente, abrindo a porta do quarto devagar.
- Oi minha rainha! – respondeu tio Joseph.
- Achei que estivesse dormindo ainda. - aproximou-se dele depositando um beijo em sua testa.
- Acordei tem pouco tempo. – olhou para a porta e me notou. – Demion! Olha como você tá feio, moleque!
- Porra tio Joseph, o senhor tá parecendo um gato surrado! – encostei nele e segurei sua mão enquanto riamos um do outro. Era um costume nosso. Desde pequeno ele me perturbava me chamando de feio ou coisas do tipo, e depois que cresci virou nossa “coisa". Tio Joseph foi o único que me tratou “normalmente” depois de tudo. Eu gosto de sua esposa, mas não como gosto dele. Ele tá sempre ali pra mim, mas sem se intrometer.
- Conseguiu arrumar uma namorada ou só emprego de espantalho?
- Ah tio, sabe que não tenho tempo. Alguém precisa trabalhar pra pagar sua aposentadoria.
- Nem venha com isso que eu mesmo trabalhei anos e anos pra pagar por ela!
- Eu vou falar com o médico. – disse minha tia, logo saindo dali.
- Mas olha aqui Demion. Eu tô falando sério. Você não pode ficar sozinho pra sempre. Sabe que não é isso que ela iria desejar pra sua vida.
- Acho que posso me abrir pra você. Quer dizer, isso se você não for uma daquelas velhas fofoqueiras.
- Não posso contar nem pros caras do golfe? – perguntou rindo.
- Estou gostando de uma pessoa. – confessei.
- Isso é maravilhoso! – seu sorriso me deixou menos apreensivo. – É do trabalho?
- Não.
- Então de onde? Internet?
- Ela...trabalha lá em casa. É a minha governanta. – o medo em minha voz era nítido.
- Você gosta de uma coroa? – ele perguntou surpreso.
- An? Coroa...? – logo entendi. – Não! Não! Ela não é velha. – puxei o celular do bolso e fui atrás de sua foto de perfil já mostrando pra ele.
- Wow! Até eu gostei dela! O que pode ser um problema pra você né?! Eu lindo assim...
- Esse risco eu sei que não vou correr.
- Ela sabe disso? – seu rosto tornou-se sério.
- Talvez. Mas eu não disse nada, se ela souber, soube através de sinais.
- E sua tia? – juntou as sobrancelhas se mostrando um pouco tenso.
- Também não falei com ela. Acho melhor deixar ver primeiro o que acontece. – pude ver sua feição suavizar.
- É melhor não. Já que ainda não é algo concreto. E talvez não seja, já que logo vou sair daqui e alertar ela de que deve ter muito homem bonito por aí, ou até um mais ou menos. Qualquer coisa é melhor que você.
- Joseph, não fala assim com ele. – minha tia o repreendeu ao entrar no quarto.
- Tudo bem tia. Isso é inveja do meu corpo gostoso. – rimos.
Passamos mais alguns minutos lá. O horário de visita estava perto de acabar e os remédios pós cirurgia estavam fazendo efeito.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Nicola (HIATUS PARA EDIÇÃO)
RandomAté que ponto um homem luta pelo direito de amar? Até que ponto uma mulher suporta a dor da omissão? Nicola não acredita no mesmo que eles. Mas terá de acreditar para manter-se viva dentro de si.