Whitestone, New York.
Lembrei-me das minhas primeiras semanas aqui, de como ele não me oferecia nada além de um bom dia. Aquilo nunca me incomodou, mas pouco tempo depois, percebi que preferia o lado "conversador" dele. Preferia ver um mínimo sorriso em seus lábios e saber que foi sincero e não por educação. Mas agora as coisas mudaram de figura, e ele me deixa desconfortável, sempre me convidando para almoçar, perguntando sobre minha vida e minha família. Foi uma aproximação repentina, que me deixou cismada.
Em algum minuto daquela tarde estressante, meu celular tocou. Era meu irmão.
- Hey noivo do ano! – atendi animada.
- Desconfio que não. Mary ainda não perdeu a vontade de arrancar minha cabeça. – soltei uma risada sincera. Mary era uma mulher "louca".
- O que você fez dessa vez?
- Na verdade é o que não fiz. Ela sabe que não levo jeito pra tomar decisões relacionada a decoração do salão de festa. Flores! Em que mundo você me vê escolhendo flores?
- O Peter que eu conheço não sabe nem se vestir direito, que dirá escolher flores.
- Por favor, liga pra ela e fala que eu sou péssimo em tudo isso?!
- Aí ela te larga de vez e você bota a culpa em mim.
- Melhor ficar na sua mesmo, vocês mulheres quando se juntam não dá em coisa boa. – ri novamente.
- Afinal, qual o motivo da ligação? Se o senhor não lembra, estou dentro do meu horário de serviço.
- Eu queria saber quando você vem aqui. Estamos precisando da sua ajuda com as comidas. – sua voz era como uma suplica.
- Poxa... – parei por uns segundos para pensar. – Eu terei de falar com meu patrão. Acredito que daqui pra amanhã tenho uma resposta.
- Ah ok. Vou ficar esperando uma resposta, e tomara que seja positiva. Te amo Pingu, até mais.
- Beijo Peter. Te amo.
Encerro a ligação e continuo a limpeza da geladeira. Logo que termino vou para a área de serviço juntar o lixo para deixar na caçamba quando eu for embora. Quando volto pra cozinha, engulo o palavrão que estava na ponta da língua.
- Podemos ir? – Demion checou seu relógio. – 16h agora. – respira fundo Nicola.
- Preciso trocar de roupa e pegar o lixo.
- Tudo bem. – disse com um mínimo sorriso e sentou-se ao balcão para me esperar.
Respirei fundo, girei nos calcanhares e fui para o quarto. Comecei a tirar a roupa devagar, mas lembrei de que quanto mais tempo eu levasse aqui, mais tempo eu teria de passar com ele. Arranquei tudo e joguei na cama de qualquer jeito, eu estava quase chorando de desespero.
Por que diabos esse homem me "descobriu"?
Já vestida, vou pegar o lixo e abro a porta que leva pros fundos da casa, deixando-o ali no chão. Por um segundo pensei em bater a porta e ir embora sem avisar, mas com que cara eu voltaria amanhã? Volto pra cozinha com a cabeça baixa, esfregando uma mão na outra.
- Acho que podemos ir agora... – digo querendo correr.
- Opa! – levanta e cata suas chaves e o celular. Vai indo em direção à sala.
- É... Eu tenho que ir pelos fundos, hoje é dia de colocar o lixo pra fora. – digo monótona.
- Sem problemas! – ele dá a volta na mesa e vai seguindo para a porta dos fundos. Mas que porra! – Vamos? – me chama quando percebe que não mexi um músculo.
Faço uma careta de desconforto quando ele vira de costas, passamos pela porta, pego o saco preto e o coloco em seu devido lugar. Ele já está do lado da porta do passageiro me esperando, quando venho andando ele abre para mim.
- Obrigada. – me acomodo e ele fecha a porta, dando a volta para chegar em seu lugar. O carro dá partida e minha perna parece que vai sair andando sozinha pelo tanto que está sacudindo. Olhei pra ele de canto e percebi que sua boca abriu algumas vezes e seus dedos tamborilavam o volante. – Algum problema?
- Er... Eu ia perguntar como foi seu dia, mas como já sei onde esteve, presumo que não foi tão interessante. - olhou-me rapidamente - Digo, não foi cheio de aventuras. Não que arrumar casa seja algo do tipo. – olhou de novo. – Desculpa, não quis dizer que seu trabalho é inferior aos outros. Droga. – respirou fundo e arregalou os olhos num claro desespero ao soltar o ar.
- Meu dia foi bom, meu patrão não é um bagunceiro. – tentei tirar a tensão do veículo.
- Você chegou em um bom momento. Quatro anos atrás e veria o que é um desastre. – sua voz soou mais calma.
- Cresci com um bagunceiro desastrado, acredito que nada mais me assusta. Falando nele, meu irmão, queria saber se posso tirar uma sexta ou uma segunda pra ir visitá-lo?
- Bom, hoje é quarta né?! Então você pode ir amanhã e voltar na segunda ou na terça. Quando você acha melhor.
- Demion, por favor. – tentei parecer o mais calma possível. – Apenas um fim de semana basta.
- Nicola, tem quanto tempo que você viu seu irmão? Que foi em casa? Família é muito importante, e pelo que posso ver, é a coisa mais importante para você!
- Isso é verdade. – disse olhando para a estrada.
- Então. Não se preocupe com a casa, eu passei tanto tempo sem você e sobrevivi. Aos trancos e barrancos, mas estou aqui.
- Obrigada. – olhei para ele que olhou de volta e sorriu largo.
- Feliz em te deixar feliz. – estacionou o carro na frente do meu prédio. – Agora vamos pegar aquela TV e colocar no carro.
- No carro? – franzi as sobrancelhas.
- Claro, temos que descartar os eletrônicos nos locais específicos de coleta.
- Nossa. Por mim ela ficaria aqui no pé do poste. – disse abrindo a porta e ouvindo ele fazer o mesmo.
- Vamos lá! – disse animado apertando meus ombros, que estavam super tensos. Subimos em silêncio. Abro a porta e a lembrança da noite passada me estapeia fortemente. Olho triste para meu aparelho jogado e o chão coberto de cacos de vidro. – Agora você pega a vassoura enquanto desço ela. Volto em dois minutos. – ele agacha e enrola o fio, logo depois pegando-a e pondo por baixo do braço. Começo a varrer assim que ele passa pela porta. Percebo que tudo permaneceu no mesmo lugar. O controle, o prato de comida (com um pouco de comida), a cama bagunçada, o cobertor que usei para fazer meu casulo. Tiro o prato da cama e coloco na pia, dobro o cobertor e quando estou ajeitando o lençol da cama, Demion aparece.
- Obrigada. – digo ainda ocupada com a cama.
- Por nada. – alguns segundos de silêncio passaram enquanto ele me observava. – E então, te espero aqui ou no carro?
- Ah... Eu... Eu vou ficar por aqui...
- Por favor, Nicola. Não quero te deixar aqui sozinha, não vou me sentir bem com isso. – e pela primeira vez penso em ficar sozinha.
Não me agrada.
E meu rosto parece mostrar isso de forma explícita.
- Nem você quer ficar sozinha aqui. Pronto, faremos assim, te espero no carro pra que você fique confortável. Se quiser já posso ir levando sua mochila.
- Não, tá tudo bem, eu levo quando descer. – me rendi.
- Estou no aguardo. Não me deixe criar raízes, ok?! – sorri.
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Nicola (HIATUS PARA EDIÇÃO)
De TodoAté que ponto um homem luta pelo direito de amar? Até que ponto uma mulher suporta a dor da omissão? Nicola não acredita no mesmo que eles. Mas terá de acreditar para manter-se viva dentro de si.