- Qual o seu nome? - estico as pernas. Estamos os dois sentados na beira do mar, esperando o pôr do sol.
- Já não te respondi isso? - ele ri, os olhos fixos no mar.
- Não. Prazer, S/n. - estico a mão para ele, que olha sem entender. - Aperta.
- Ahn, está bem. - ele ri, de novo - Me chamam de JR.
Os dois sequestradores vão ter uma surpresa quando acordarem. Estão amarrados abraçados um ao outro, não têm como se soltarem, não sem que alguém os desamarre. Depois que os prendemos, andamos um pouco pela ilha. Ela é relativamente pequena, já que conseguimos dar a volta em todo sem entorno em poucas horas. Não percebemos na hora, mas quando pegamos os sequestradores desprevenidos, eles estavam segurando a corda do único barco que poderia tirar a gente daqui e ele foi embora mar afora com toda a comida e o que quer que tivesse naquela bolsa. Agora estamos os dois presos em uma ilha com nossos sequestradores amarrados em uma barraca, sem comida e água até Deus sabe lá quando.
- Por quê você não me é estranho? - o brilho do sol reflete forte na água, mas não consigo desviar os olhos, mesmo que eles estejam quase fechados.
- Eu sou cantor. Vim à Cancun por um show. Tinha um outdoor com propaganda do show em frente àquela barraquinha de nachos.
- Faz sentido. - ficamos em silêncio por um momento - O show já aconteceu?
- Não, é semana que vem. Ou deveria ser.
- Bom, você é famoso, devem estar procurando a gente, pelo menos.
- É, espero que sim. - ele suspira e eu observo o seu perfil.
- O que isso quer dizer? - uma onda fraca e gelada molha minhas pernas e eu as puxo automaticamente.
- Quer dizer que eu briguei com os membros do meu grupo, porque estava sobrecarregado. Então eu pedi desculpas e disse que ia ficar sozinho por um tempo. Ótimo líder, eu sou. - ele revira os olhos e brinca com uma concha.
- Espera aí, isso quer dizer que talvez não tenha ninguém procurando por nós? - me sento de frente para ele, nervosa.
- É. Desculpa por isso. - ele joga a concha longe, e em segundos ela está submersa. Tento pensar em alguma forma de sair daqui, mas nada vem à mente. Nadar é impossível. Construir uma jangada, fora de questão.
- Tudo bem. Você não imaginaria que seria sequestrado, ainda mais com uma desconhecida. E... você parece ser um bom líder. Todo mundo surta de vez em quando, está tudo bem. Tenho certeza de que seus amigos entendem. Sabe... quando acordei, fiquei desconfortável por você estar tão calmo mesmo todo amarrado.
- Que? - ele solta uma risada, achando graça.
- É sério. Que tipo de pessoa fica tão calma nessa situação? - gesticulo muito e me contenho quando percebo.
- Eu não entendi nada do que eles falaram e não imaginava que você saberia falar coreano, achei que estaria sozinho até sairmos daqui e, adivinhe, eu estava surtando por dentro, tentando parecer calmo. - ele ri e eu dessa vez eu o acompanho.
- Ótimo ator. - volto a olhar a forma como as ondas chegam calmas à areia.
- Acho que saber disfarçar esses sentimentos é quase como uma regra para um líder. Preciso passar confiança para meus irmãos. Estou acostumado, na verdade. - ele dá de ombros.
- É legal a forma como se tratam. Bom, parece pelo menos, quer dizer, não conheço vocês, só estou dizendo que a forma como você fala deles...
- Ei, tudo bem. - ele ri de novo e eu foco meu olhar no mar com todas as forças. Já sou estranha no Brasil, não preciso ser estranha no México na frente de um coreano. É demais até para mim.
- Aliás, por quê sabe falar coreano? - dou graças a Deus por ele mudar de assunto tão rápido.
- Ah, então... - penso se devo falar ou se vou parecer muito idiota - Eu e minha irmã fazemos apostas de quem aprende certas línguas primeiro. Um dia ela apostou coreano e eu aceitei.
- Ganhou? - ele me olha sorrindo e faço uma careta.
- Não.
- O que ela ganhou? - ele se vira para mim e cruza as pernas, parecendo muito interessado. Seu sorriso é fofo. Sua fofura parece quase... infantil. Nossa, é estranho, mas é isso. Ele parece uma criança que precisa ser protegida. Sério que esse é o líder? Será que os outros são mais novos?
- Tenho que pintar a casa dela quando voltar de viagem.
- Meu Deus.
- É. Tem que valer a pena o esforço de aprender uma língua. - rio, sem graça - Mas serviu para alguma coisa, afinal. - faço um gesto para ele.
- Depois agradeça à sua irmã pela aposta. - ele volta a olhar o mar, sorrindo.
- Ei, o sol está se pondo. - digo o que parece óbvio.
- Sim.
- Daqui a pouco estará escuro. - mais óbvio ainda.
- Sim.
- Não temos luz. Temos que fazer uma fogueira. Sem falar dos mosquitos. - me levanto agitada - A gente tem que pegar lenha.
- Você sabe fazer fogo? - ele se levanta, calmo como antes, e limpa a areia da calça.
- Você não sabe? - olho em volta, em busca de madeira. Quando o encaro novamente, ele está rindo - Está rindo de mim? - cruzo os braços.
- Sim. - e então ele ri mais ainda - Você precisa ficar calma para pensar melhor. Também não sei como vamos fazer fogo, mas vamos buscar lenha. É o primeiro passo. - ele diz e sai andando como se estivesse indo à cozinha buscar água. Abro a boca para reclamar, mas desisto.
- Está bem. - reviro os olhos e o sigo tentando manter a respiração calma.
Juntamos uma pilha de madeira e nos sentamos em volta. A noite já está quase caindo e meu desespero não dá mais para ser contido. JR está esfregando dois gravetos há algum tempo e eu juro que estou tentando com duas pedras, mas nos filmes isso parece tão mais fácil.
- Você... - começo a falar pela terceira vez, mas JR me interrompe mais uma vez. Seu esforço é nítido, mas nem uma faísca é visível - Olha, não adianta, okay? Estamos aqui há muito tempo, tentamos de duas formas diferentes. Está escuro, estou com frio e os mosquitos estão me devorando, a gente precisa pensar em outra coisa! - me levanto e saio andando em direção à mata fechada.
- Ei. - continuo andando, sob protestos, em passos pesados.
- Droga de pedra. - jogo as pedras, que ainda estão nas minhas mãos, o mais longe que posso - Pensa, s/n, pensa. Você precisa afastar mosquitos e se aquecer... o que, o que, pensa...? - paro de andar e olho em volta. Ouço JR me chamar, mas meus ouvidos estão apurados por outro som. Um leve farfalhar na mata, perto de onde as pedras caíram.
Me viro para onde JR está e vejo a distância que nos separa. Não percebi que tinha andado tanto. Minha irritação se esvai rápido demais, enquanto meus ouvidos captam cada barulhinho. JR deu uma corridinha e agora está perto, noto que deixou os galhos para trás também. O vento bate forte contra meu corpo e sinto um arrepio dos pés à cabeça. A blusa branca de JR se move com velocidade surpreendente, assim como seus cabelos. O vento uiva à nossa volta, mas tem algo a mais.
- Não me ouviu te chamando? Chamei várias vezes. - ele tem de gritar acima do vento para ser ouvido - Olha, me desculpa por não conseguir o fogo. Eu sei que precisamos dele, mas acho que é melhor pensarmos em outra solução, aqueles galhos... Por quê está tão quieta? - ele me olha atentamente e depois olha em volta também - O que foi? O que está olhando?
- Eu... - começo a falar, mas ouço mais uma vez um movimento na mata, além do vento.
- Fala, s/n, o que está olhando? - JR parece nervoso, mais que eu, na verdade.
- Eu só... está ouvindo isso? - aponto em volta e ele se atenta.
- Não, vamos... - ele se interrompe quando uma figura se levanta em meio ao verde.
- Minha nossa! - começo a recuar devagar, sem querer chamar a atenção do animal. Ando em passos lentos, sem desgrudar os olhos da figura esguia e quase grito ao esbarrar em algo. Sei que é JR quando uma mão me impede de gritar e fazer mais barulho. Seria como uma placa de "venha, me ataque" presa na testa. Ou não. Cobra ouve?
Nós dois continuamos recuando a passos mais lentos que o necessário. JR ainda está com a mão em minha boca e quando percebe, se atrapalha e cai sentado. A serpente rasteja em nossa direção com curiosidade, também lentamente, quase de forma hipnotizante. Ela é enorme, nunca vi uma cobra tão grande. Aposto que mata muitos animais com seu "abraço". Seu sibilar me arrepia da ponta dos pés à cabeça e eu estremeço. Tento ajudar JR a levantar, mas o animal se aproxima de forma rápida, e quando me viro, está de frente comigo, perto demais das minhas pernas para que eu faça qualquer coisa. Fico em silêncio, assustada demais, evitando qualquer movimento brusco, e o animal abre a boca, mostrando suas presas e língua bifurcada . Caio para trás, também sentada e começo a repensar todas as besteiras que fiz. Sim, me arrependo por tudo, desculpa. Só consigo pensar em como deve ser doloroso agonizar com o veneno no sangue, quando ouço um grito muito distante. Não é humano, com certeza.
Percebo que estou de olhos fechados quando de repente só escuto o barulho do vento e nada mais. Nada de ossos quebrando ou sangue jorrando, ou até mesmo o tal do barulhinho de chocalho. Nada. Arregalo os olhos, tentando enxergar no escuro que caiu sobre nós, mas não vejo nada. Nós. Me viro correndo para procurar JR. Talvez esteja silêncio porque o animal o levou, não sei. O susto se dissipa quando me viro e dou de cara com ele. Caí quase em cima dele, na verdade. O susto se transforma em vergonha em segundos. Ele se levanta com agilidade e me estende a mão.
- Tudo bem? Se machucou?
- Ahn, não. Acho que não. - olho em volta ainda assustada. Apenas vento, que agora está um pouco mais calmo. - Mas e você? Tudo bem? - ele sorri, sem graça.
- Vou ganhar uns roxos, nada demais. Venha, é melhor voltarmos para a praia, não sabemos que tipo de vida tem nessa mata. - ele me espera e eu concordo.
- Espera. - algo chama minha atenção, mesmo no escuro. Uma corda balança ao longe. Fita? - O que é aquilo?
- Uma folha? - ele olha freneticamente o chão à nossa volta.
- Não. - ando rápido em direção à movimentação e ouço JR no meu encalço. Quando chego perto o suficiente, posso senti-lo atrás de mim. Não consigo entender se ele acha que estou com medo ou ele que está com medo. Rio sozinha.
- O que é? - ele parece curioso, mas não entra na moita. Espera que eu o faça. E eu o faço.
- Não pode ser! Veja! - puxo a corda e saio da moita - É minha bolsa! - quase pulo de alegria - Espera. - coloco a mão dentro sem acreditar que os sequestradores fossem tão burros assim, mas eles pareciam não usar muito o cérebro.
- Vamos abrir na praia e você vê se está tudo aí. - JR me puxa pela mão, cansado de esperar, ou apenas sem querer dar comida para qualquer animal que tivesse ali. Ele quase me arrasta até o ponto em que estávamos, perto da barraca, e só solta minha mão ali, com vergonha. Eu estou ansiosa demais com o conteúdo da bolsa para dar espaço à qualquer sentimento que não seja alegria. Me jogo na areia como uma criança. - O que tem aí? - JR coça a nuca, claramente desconfortável e se senta ao meu lado.
- Espera! - grito e assusto até à mim mesma.
- Minha-nossa! - JR leva uma das mãos ao peito e fecha os olhos - O que foi agora?
- Os sequestradores! - me levanto e deixo a bolsa para trás, no chão.
- O que tem? - ele parece cansado, essa é a verdade. Como se estivesse sem dormir há dias.
- Eles fumam!
- Que? - a palavra sai arrastada. Ele coloca as mãos na cintura e eu perco a paciência com sua lerdeza. Abro a barraca, os homens ainda estão desmaiados. Passo as mãos pelos bolsos deles.
- Isqueiros, Junior! Posso te chamar de Junior? Parece mais fácil que JR. Enfim, podemos acender uma fogueira com o isqueiro deles, só preciso... achei!
- Gênia. - ele parece entender finalmente e sorri.
- Vamos.
Consigo acender uma fogueira em segundos e por um tempo ficamos apenas apreciando o calor que emana do fogo. Tão bom. Tão quentinho. Tão... família. JR... Junior, aprecia o calor da fogueira. Ele sorri, provavelmente sem perceber, os braços em volta do corpo, seus olhos fechados. Me lembro de uma coisa e puxo a bolsa o mais rápido possível.
- Não sei se lembra... - Junior abre os olhos e me encara, curioso - mas o senhor comprou nachos para mim. Levanto o saco com a comida e coloco em frente ao seu rosto. Seus olhos se iluminam.
- Nunca fiquei tão feliz em ver nachos. - entrego o saco a ele - Sabe, eu nem gosto de nachos. Os três sacos que comprei... não eram para mim, mas agora, é o que mais quero.
Ele abre o saco e comemos tudo em poucos minutos. Passamos o dia sem comer, comeria até pedra. Resolvemos nos sentar lado a lado, ainda em volta da fogueira, para nos aquecer melhor. Também arrastamos os sequestradores para perto do fogo. Não é porque nos sequestraram que seremos maus com eles. Somos almas boas. Não posso ser presa e tenho certeza de que JR também não, ele ainda tem um show aqui para fazer.
- Então, Junior... - começo. Ele ainda não respondeu se posso chamá-lo assim.
- Vai continuar seu interrogatório? - ele sorri, mostrando todos os dentes.
- N-não, eu só... - onde vou enfiar minha cara agora?
- Estou brincando. Pode perguntar. Aliás, não, agora é minha vez... - ele cruza as pernas e mantém sua total atenção em mim.
- Manda. - me viro para ele, também de pernas cruzadas.
- Está sozinha? - ele parece interessado na resposta e penso nisso por uns segundos antes de falar.
- Sim. Estou sozinha no México. - levanto uma sobrancelha desafiando-o a continuar.
- Por quê?
- Resumindo? Teimosia. Convenci minha amiga à vir, mas tivemos uns problemas e acabei vindo antes e sozinha por pura teimosia minha. - dou de ombros.
- Quantas línguas sabe falar?
- Ahn, não sei. Não é algo de que eu fique me gabando. - rio sem graça e agradeço por estar escuro, tenho certeza de que estou vermelha.
- Quais, então? - ele me olha de uma forma que me desconserta e eu pigarro.
- Ah, é...coreano, português, italiano, francês, um pouco de alemão e estou aprendendo espanhol.
- Sonho de qualquer um. - ele ri mais uma vez.
- Por quê brigou com os membros do seu grupo?
- Ah, então, você vai rir. - ele olha para o mar e sorri.
- Não vou, prometo. - beijo os indicadores e levanto o dedo mindinho. Ele ri, mas cruza seu mindinho no meu.
- Está bem. - ele suspira de forma dramática - Foi mais ou menos por causa de uma blusa florida.
- O que? - descumpro minha promessa em segundos e começo a rir. Penso que JR talvez possa ficar chateado, mas ele acaba me acompanhando, o que me deixa livre para rir mais.
- Vou explicar. Conseguimos uma semana aqui antes do show. Isso quer dizer que podemos aproveitar um pouco o lugar, mas não podemos ser reconhecidos na rua. Saímos disfarçados e sem seguranças. Então eu sugeri da gente fazer uma escala, cada um sai por vez, ou se quiser, em duplas. Mas o ponto principal é que os outros saibam, para caso alguma coisa aconteça, enfim.
- Bem pensado. - balanço a cabeça e passo as mãos nos braços. Ainda estou com frio.
- Obrigado. Estava dando certo, mas Ren, Minki, saiu sem avisar e ele já tinha me irritado um pouco com isso. Ele queria uma blusa florida que viu quando chegamos, mas ele já tinha saído antes e esqueceu de comprar. Disse que ir ao México e voltar sem uma blusa florida não era ir ao México. Coisas do Minki. - ele dá de ombros - Eu também estava nervoso por causa do show, então quando juntou tudo... - ele gesticula com as mãos, como uma explosão.
- Em primeiro lugar, concordo com o Ren. Também preciso comprar uma blusa florida antes de ir embora. - rio - Bom, acho que eles devem estar preocupados. Mesmo que não saibam o que aconteceu, devem estar preocupados por estarem brigados. É o que penso.
- É... - ele concorda pensativo, depois levanta a cabeça com certa rapidez - Seu celular? - ele aponta para a bolsa, que está ao meu lado.
- Sem sinal. Fala sério, isso é muito clichê - reviro os olhos e abraço as pernas. Suspiro - JR...como vamos sair daqui? - resmungo e abaixo a cabeça.
Depois disso não me lembro de muita coisa. Passei muito tempo pensando em como sair de uma ilha sem apoio aéreo ou qualquer coisa que flutue na água. Pensei em mil coisas e nada ao mesmo tempo. Junior estava cantarolando baixo, a voz calma e serena, como se estivéssemos em um hotel, conversando à beira da piscina. Cantava, acho que para si mesmo, mas em algum momento adormeci com a calma emanada de sua voz, misturada ao som das ondas e o crepitar do fogo. Espero que os amigos, irmãos, dele estejam o procurando, porque minha única certeza aqui é de que ninguém está atrás de mim.
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Imagines Why Don't We/KPOP/1D
قصص عامةAVISO: Zona da ilusão! K-idols, Corbyn, Daniel, Jonah, Zach, Jack, Zayn, Louis, Liam, Harry, Niall...