Ilhados (JR/Nu'est) - Parte I

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- Só um minuto. – respondo para o dono da barraquinha de nachos e começo a procurar o dinheiro dentro da minha bolsa. A fila atrás de mim não é muito grande, apenas um cara que parece com pressa e dois homens mais velhos que perdem a paciência e vão embora emburrados. A culpa não é minha, o dono da barraquinha que demorou no que quer que ele estivesse fazendo. Só estou um pouquinho enrolada com o dinheiro.
   Sou péssima em matemática e o fato de eu estar em Cancun sem nenhum conhecido me deixa mais nervosa. Remexo a bolsa pela vigésima vez. Batom, passaporte, caderninho, caneta, câmera, celular...
- A senhorita quer que embrulhe?
- Sim, por favor. – eu ia comer ali mesmo, mas ninguém precisava saber. Onde está a droga do dinheiro?
- Aqui. – o senhor de idade me entrega um saco com os nachos e eu sorrio sem graça para ele.
- Obrigada. O senhor aceita cartão?
- Dia de semana apenas dinheiro. – ele me mostra um sorriso calmo e eu concordo com a cabeça. Sei que ele teve o trabalho de embrulhar tudo e me atender, mas não encontro meu dinheiro, não tenho o que fazer a não ser devolver os nachos que me chamam com tanta veemência.
- O senhor...
- Quero três sacos desses e inclui o dela também, por favor, pode ficar com o troco. – uma mão passa por cima da minha cabeça e entrega o dinheiro ao senhor da barraquinha e eu fico sem entender.
- Mas... – antes que eu possa falar qualquer coisa, o cara que estava atrás de mim na fila pega seus três sacos de nachos e sai andando. Ele dá passos largos e eu dou uma corridinha para chegar até ele – Ei, por quê pagou? Não posso te pagar agora, só encontrei o cartão e...
- Não falo em espanhol. – ele diz categórico, em espanhol e eu paro surpresa. Ele vira a esquina e some, como se nunca tivesse estado ali.
- Como é que é? – cruzo os braços e percebo que estou falando sozinha no meio da rua. Viro a esquina atrás dele, mas sinto algo colidir contra mim e em segundos tudo fica preto.

                                **

   Abro os olhos e pisco preguiçosamente. Minha cabeça lateja e meus pulsos doem. Tento me apoiar nas mãos para levantar, mas desperto instantaneamente quando vejo que estou amarrada. Tem uma fita na minha boca e uma corda aperta meus pulsos, aquilo me incomoda de certa forma que acho que vou passar mal. Respiro fundo algumas vezes, atrapalhada por causa da fita na boca e, quando abro novamente os olhos, vejo que tenho companhia. Me sento completamente desequilibrada e tento falar, mas o que sai é apenas um resmungo. Droga. Depois de observá-lo por um tempo, vejo que é o cara da fila. Está tão amarrado quanto eu, mas parece quase entediado enquanto me encara.
   Desisto de tentar entender o conforto daquele estranho nessa situação e olho à nossa volta. Estamos dentro de uma barraca grande e o Esquisitão está sentado de frente para mim, com as pernas esticadas, as mãos amarradas no colo. Só então, percebo que minha perna esquerda está amarrada à direita dele. Arregalo os olhos, mas ele continua com sua expressão entediada e dá de ombros. Cara estranho, definitivamente. Olho em volta de novo, a cabeça à mil. Penso em tanta coisa que não consigo entender nenhum dos pensamentos. Me arrasto para a porta da barraca, mas minha perna me segura ao meu companheiro de corda antes que eu consiga ver qualquer coisa lá fora. Me viro para ele e balanço a cabeça, esperando que entenda. Ele nega e dá de ombros. Eu levanto uma sobrancelha e balanço a perna, na esperança de que ele colabore. O encaro por algum tempo até ele revirar os olhos e se deitar ao meu lado. Nós dois nos arrastamos até a porta da barraca e olhamos lá fora.
   Estamos na praia e a julgar pelo céu, ainda está de tarde. O vento sopra frio na beira do mar. Olho para os dois lados e não vejo nada na extensa faixa de areia, nada além de dois homens sentados em suas cadeiras de praia, cada um com uma bebida em mãos. Puxo o ar, pronta para gritar, mas me lembro da fita na boca. Ótimo. Estou presa em uma barraca, com um cara estranhamente calmo e não posso gritar. Reviro os olhos. Voltamos a nos sentar e ficamos um tempo em silêncio, cada um com seus pensamentos. Não que tenhamos alguma outra opção. Suspiro várias vezes, não posso evitar. Não sei quanto tempo se passa, mas começa a anoitecer e apenas o que sei é que não posso ficar aqui sentada a noite toda, amarrada a um desconhecido.
   O cutuco com o pé repentinamente e ele se assusta. Acho que estava dormindo. Faço alguns sinais, mas ele não entende. Nossas mãos estão amarradas de maneira que nós mesmos não conseguimos desamarrar a corda da perna ou mesmo liberar a boca, mas isso não quer dizer que não dê para um soltar o outro. Só precisamos trabalhar em equipe. Enquanto ele dormia, acho, me arrastei até a porta da barraca algumas vezes, ele se sentou um pouco mais perto, e vi que os homens das cadeiras continuavam bebendo e estavam bem cientes da nossa presença. Depois de analisar tudo, entendi finalmente que isso é um sequestro. Nada inteligente da minha parte pedir socorro para os seqüestradores. Só preciso entender como sair daqui, nada mais importa.
   Pela primeira vez desde que saí de casa, do Brasil, me arrependo de ter feito essa viagem sozinha. Devia ter escutado minha melhor amiga e esperado mais duas semanas para as férias dela. Seria uma ótima viagem de amigas. E ela saberia o que fazer nessa situação, além de ser fluente em espanhol, coisa que eu não sou. Eliza sempre sabe o que fazer nessas situações. Ela é viciada em vídeo games de sobrevivência, isso deve servir de alguma coisa, não é? Agora estou sequestrada e ninguém está me procurando. Se eu morrer só vão saber daqui a vários dias. Se bobear vão ter que me cremar, porque meu corpo já vai estar decomposto até conseguirem contatar minha família em outro país. Pior vai ser se tiverem que... meu Deus, o que estou fazendo? A primeira coisa nessas situações é não ter pânico. Quer dizer, eu acho. É o que dizem nos filmes. Respiro fundo e organizo os pensamentos.
    Mexo meu pé novamente, cutucando meu colega despreocupado, pelo menos alguém aqui não está surtando. Ele me olha e tento explicar através de gestos novamente. Dessa vez ele parece entender. Me analisa por um momento, maior que o necessário na minha opinião, e concorda com a cabeça. Nossas pernas estão amarradas de frente. Resmungo, mesmo sabendo que nenhuma palavra vai sair da minha boca, não com essa droga de fita impedindo. Nos esticamos e com certo esforço conseguimos desatar o nó das pernas. Suspiro aliviada e as cruzo. O lugar em que estava o nó fica dolorido. Olho para meu colega e ele aponta para minhas mãos. Concordo e me aproximo dele, ainda sentada.
   Me assusto quando ele fica de joelhos e começo a rir sozinha. Não me culpe, em situações como essa meu desespero sai em forma de gargalhada. Minha nossa, ele deve achar que sou louca. Consigo conter a histeria e fico quieta, observando enquanto ele tenta desajeitadamente desamarrar meus pulsos. Ele é muito sério, ou talvez esse seja o jeito dele de desespero e eu seja escandalosa demais. É, isso faz sentido. Quase posso sentir minhas mãos livres quando ouvimos passos e ficamos imóveis, sem reação. Nos jogamos nos lugares em que estávamos antes e esticamos as pernas, torcendo para que não percebam que não estão com as cordas. Tento controlar minha respiração.
- Olá, pombinhos. – um dos homens, de barba mal feita e blusa xadrez, mostra um sorriso feio e eu lhe lanço um olhar de nojo – eu e Gastón trouxemos um lanchinho para vocês.
   Os dois homens colocam dois pães de aparência nem um pouco boa e uma garrafa de água com dois copos que também não parecem totalmente limpos, depois se sentam na porta da barraca e ficam nos olhando. Me recuso a encará-los e deixo meus olhar fixo no meu colega Esquisitão, que me olha de volta. Pela primeira vez, parece querer dizer alguma coisa, mas não entendo. Seus olhos parecem bonitos, quer dizer, é o que eu consigo ver com a fita cobrindo a boca. Olhos puxados, oriental ou descendente. Bom.
- Não estão com fome? – um dos sequestradores ri e depois finge pensar – Ah, entendi. Acho que eles querem ser soltos, hein. O que acha?
- Acho que não vão conseguir. Uma pena, não? – e os dois caem na gargalhada. Nesse momento vejo nos olhos do Esquisitão que ele planeja fazer algo, quase posso sentir a raiva em seu olhar, o que me surpreende. É o oposto da calmaria que aparentava segundos atrás. Ou talvez ele estivesse com raiva desde o começo e eu só foquei no meu drama pessoal. Não sei também. Balanço a cabeça quase imperceptivelmente para ele, que não gosta muito, mas entende e acaba ficando quieto. Suspiro aliviada.
   Se ele começa uma briga dentro dessa barraca, é o fim para nós dois. Eu não sei lutar nada e mesmo sem saber nada sobre ele, sei que nossos sequestradores são dois e em um lugar pequeno eu seria a primeira a ser pega.
- Ei, Fred, acha que eles morrem se ficarem sem comer até amanhã? – o tal do Gastón ri, pisando em um dos pães – Vamos deixar o casal conversar. – os dois somem barraca afora, rindo da piada.
   Eu e o Esquisitão voltamos à tentativa de nos soltar o mais rápido possível. Ele não consegue desamarrar o nó dos meus pulsos, então puxa a fita da minha boca, com força demais devo dizer, e eu desfaço o nó que segura suas mãos com maestria. Me sento e espero que ele tire a fita de sua boca, o que ele faz com certo drama.
- Precisamos sair daqui. – digo para mim mesma em português enquanto ele se empenha em desatar o nó e me olha sem entender – Algo em mente? – pergunto em espanhol e ele continua me olhando sem entender.
   Finalmente meus pulsos são libertos e eu estico os braços o máximo que posso. Nota mental: nunca mais reclamar de levantar peso na academia. Me sento perto da porta e observo os sequestradores de novo. Estão fumando. Ótimo, temos tempo de pensar em alguma coisa.
- Não falo espanhol. – o Esquisitão fala em espanhol e eu rio. É, ele já tinha me dito isso. Ficamos parados em silêncio, sem saber o que fazer – Eu falo coreano. - ele diz ainda em espanhol, esperando minha reação. Suspiro e reviro os olhos.
- Vai ser muito estranho se eu disser que sei coreano? – começo a falar em coreano e ele me olha surpreso.
- Talvez, mas ainda bem. – sua expressão é de completo alívio e eu quase sinto pena dele. Quase.
- Está bem, precisamos sair daqui. – me levanto e ele me puxa de volta. Caio sentada. – Ai, minha bunda! – me arrependo em segundos por falar isso em voz alta e depois sinto o alívio por ter falado em português - O que foi?
- O que vai fazer? – ele ainda está segurando meu braço e eu paro para olhá-lo de verdade pela primeira vez, sem a fita na boca. O Esquisitão é moreno, olhos castanhos, queixo quadrado e seus cabelos combinam perfeitamente com o formato do seu rosto. Ele é fofo mesmo com a expressão preocupada que apresenta agora.
- Eu... não sei. – puxo meu braço de volta e ele fica sem graça por ainda estar segurando. Olho em volta e vejo as cordas que tiramos dos nossos pulsos – Venha, tive uma ideia.

**

   Conto nos dedos até três, em total silêncio e puxo um dos sequestradores com a corda no pescoço. O Esquisitão não gostou muito dessa ideia, mas foi a única que tive e, bom, algo tinha de ser feito. Eu disse a ele que conseguiria segurar um homem maior que eu, mas talvez eu esteja perdendo um pouco o controle. Não olho para o lado, mas sei que ele e o outro sequestrador estão lutando. Tudo o que eu preciso fazer é continuar puxando a corda com força, até que o tal do Fred desmaie e não se intrometa na luta ao lado.
- Meus dedos estão doendo. – digo entredentes. Os sequestradores não vão entender coreano, de qualquer forma. Espero que não.
- Enrole a corda... com força nas...mãos. – ouço a resposta misturada aos sons de socos. Respiro fundo e puxo a corda com mais força e no mesmo instante sinto o peso do cara em cima de mim. Vamos os dois ao chão.
- Consegui! – comemoro, mas sinto que minha mãe não gostaria de saber disso. Pego a corda que usei para enforcá-lo e amarro os pulsos do sequestrador assim como eles fizeram comigo. Checo a respiração dele, só para ter certeza. Não posso ser presa por assassinato. Se bem que... bom, posso alegar legítima defesa. Mas essas são as leis do Brasil, serei julgada aqui, não sei nada de Cancun. Quanto tempo será...
- Ei! – me sobressalto com o grito e arrasto o cara pela areia o mais rápido que posso. Depois de certo trabalho, ele é pesado, o sequestrador está amarrado dentro da barraca. – Minha nossa! – estico a coluna.
- Dá uma ajudinha aqui? – o Esquisitão está com um dos joelhos nas costas do Gastón e segura suas mãos no alto.
- Qual o seu nome? – cruzo os braços, curiosa.
- É sério? Agora? – ele aponta para o sequestrador e eu levo a outra corda até ele.
- Vai deixar ele acordado?
- Você é durona, hein.
- É só que... o outro está desmaiado, ele pode arrumar uma forma de se soltar. Nós estávamos com as pernas amarradas e fitas na boca também.
- Não temos fita. – ele me olha sem entender.
- Eu tenho uma ideia. – sorrio e o sequestrador me olha de forma preocupada. Me sinto poderosa no momento, não posso negar.

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