Para sempre, Charlie

Capítulo XV

     “ Quando o dia estiver e de repente uma tempestade abalar tudo, guarde na memória a imagem de um arco íris, pois ele representa a essência do sol.”

                                                                Fernanda Izídio de Oliveira

      Quando era criança tinha medo do bicho Papão debaixo da minha cama e, consequentemente da escuridão, pois é lá que se roubam os sonhos transformando-os em pesadelos, por isso dormia com a luz acesa e caçava vaga-lumes, o neon ao longe, parecia uma fada.

      - Charlie, está na hora de dormir, dorme com os anjos.- cantava uma música qualquer de ninar, “ Brilha, brilha estrelinha , lá no céu, num desenho de cordel...”.

       O ambiente de repente muda.

       - Não, por favor, eu volto!

       Silêncio.

      - Tarde demais!- gritava.

      - Não, não, mas por quê?- choros de dor e muito sangue por toda a parte.

      - Agora é você, menina!- rindo exageradamente.

      Passou um coelho levando consigo um relógio, apertando o botão que fez o tempo parar.

       - Seja rápida.- diz-me passando-o juntamente com a bússola-  Isto o ajudará também, poderá mudar qualquer evento do passado, porém, saiba que algumas coisas acontecem e não há nada que possa fazer. Basta sincronizá-lo na data e no local do acontecido.- desamarrando a corda.

      - Isso é real?- perplexa.

      - Quem sabe o que é real nesse mundo querida.

      Sincronizei no sábado ensolarado, lembrando aquele perfume e risos, do trânsito, de seis anos atrás.

       Acordei na cama do meu quarto de antigamente, a mãe estava abrindo as janelas.

      - Acorda, Bela Adormecida, vamos passear.

      - Não posso, estou com febre , muita febre.-coloquei o termômetro debaixo da luz do abajur, logo, ficou muito quente.

      - Mudança de planos, vamos ao médico, esta semana não foi fácil, entendo.- saindo do cômodo.

       Chegamos no pronto Socorro e lá estava Ricardo, sentado lendo revista.

       Sincronizei três dias antes, fiz com a bússola mudar o tempo para o clima chuvoso, choveu direto, entretanto, tivemos que ir ao mercado, comprar chocolate para o brigadeiro. E na fila, advinha quem estava, exatamente quem você está pensando.

      Pensei excluir aquele dia, pensei bastante ,concluí que iria ser uma péssima ideia, pois excluiria todos os acontecimentos, gerando, uma confusão no tempo.

      - Consegui mudar ?- apareceu novamente , do meu lado, e tudo ao redor começou a girar rapidamente.

      - Não.- fazendo uma careta.

      - Eu sabia , que não iria conseguir, não há maneira de mudar o que já foi.- digitando uma data no relógio.

      - Então...por quê deixou isto comigo.

      - Porque do contrário você não acreditaria em mim, o tempo jamais voltará, este, não existe passado, presente e futuro tudo é uma ilusão, temos , somente, o agora, cada segundo é eterno o que eterniza as pessoas, são os momentos, sempre existirão algum rastro delas no lugar onde passaram, seja um fio  de cabelo, e o ar de seus pulmões desse instante, permita-me eu te levar a algum lugar.

       Aparecemos no centro do universo.

       - Vê estas galáxias, buracos negros e o infinito.

       Surpreendida com aquilo tudo nem consegui falar, pois tudo parecia tão real.

       - Você tem tudo isto dentro de ti, sabia que já foi uma estrela e seu corpo é feito da poeira dela ?- admirado com a grandeza.- aquele planeta vive em tempestades interior, este é Marte, a futura casa dos humanos, ali a Terra, repara bem ela, não está feliz, está morrendo.

       - Isso é incrível.- apontando para uma nebulosa.

       - Esta nebulosa irá explodir e só há bilhões de anos essa explosão será vista da Terra, estamos 22 anos luz de lá, surgiram do caos, Charlie, lembre-se disto.

       - E por que a lua não cai sobre a Terra?- observando-a brilhar, prestes a acontecer um eclipse.

         - As massas se atraem, assim como todos os planetas do sistema solar, hora de voltarmos.

        Voltamos e tudo pareceu mudar dentro da minha consciência.

        - Tudo que viu nasceu do caos, estão perfeitamente alinhados, a beleza surgiu dali , de uma simples explosão, é necessário ter vários dias de sol, para dar valor a chuva, conheça-te a ti mesmo, e serás o infinito universo em expansão, a vida sempre vai existir de alguma maneira.

       - Chama o médico , ela acordou!- enfermeiros ficaram examinando os meus sinais vitais.

       O despertador tocou, plim!

       7:45 da manhã dei um baita pulo da cama, levantei e o café da manhã estava prontinho.

     - Mãe?, está de passagem?, fica um pouco chama a Júlia, conversa comigo.- andei pela casa procurando-as.

     Liguei a TV.

     - Mana , teu desenho favorito, vem assistir.

     O vento acabou derrubando a foto das duas na lareira, e na mesma hora pousou um pássaro na janela, estaria eu, noutra dimensão?, havia a matéria da morte delas.

           “ Ana, foi hoje mais uma vítima do feminicídio, vizinhos alegaram ouvir discussões regulares com seu ex-namorado, morta com facadas e apenas duas das suas filhas saíram vivas, está no estado de coma induzido, o homem que a salvou do incêndio confessou-nos que a sobrevivente insistia em voltar para salvá-las, quando caiu no sono profundo, com queimaduras pelo corpo.”

      Como pude esquecer , talvez, esteja enlouquecendo.

      Encontrei um bilhete de bom dia, na mesa:

           “ Não agradeça é o mínimo.”