Ela recuou três passos em direção a vegetação quando viu um carro avançar pela estrada. Só que o veículo parou bem próximo de onde ela estava camuflada. Por um instante Gwen achou que a caminhonete parou porque a tinha visto, que tinha sido descoberta de uma vez por todas. E no instante seguinte ela se deu conta do quão absurdo isso era. Ninguém iria vê-la! Isso seria um paradoxo. E no caso do carro em questão a normalidade se confirmava com Mike Levine saindo do carro e indo checar a caçamba da caminhonete.
Será que o carro tinha enguiçado? Iria ser um contratempo danado tanto para ele que talvez tivesse que chamar o guincho numa hora ingrata daquelas como também para ela que teria que ficar encolhida nas folhagens úmidas do orvalho da manhã sem poder sair de lá. Aquele senhor já a achava estranha o suficiente sem que ela tivesse se materializado dos arbustos diretamente na estrada, era melhor ela ficar onde estava, torcendo para que ele fosse embora logo.
Mas ali na região da caçamba estava ocorrendo uma movimentação das mais esquisitas... Primeiro surgiram sapatilhas envernizadas, Gwen reconhecia aquelas sapatilhas, porém de recusava a acreditar que aquilo estivesse mesmo acontecendo. A dona daquelas sapatilhas não era o tipo de garota que conseguia fugir facilmente do colégio. Ela atraia muitos olhares, e, pelo visto, os olhares de Mike Levine era definitivamente um deles. Quando Laura saiu por completo do compartimento, ficou ali sentada na beirada da caçamba sem dizer uma palavra. Gwen queria entender o que estava acontecendo, mas para isso eles precisavam falar. E falar numa altura considerável para que ela pudesse escutar do outro lado da estrada, entre os arbustos.
Então Michael disse alguma coisa que ela não conseguia escutar. Que saco! Será que a conversa seguiria toda nesse tom? Ela iria ficar entediada e completamente alheia...
Laura parecia permanecer para sempre em silêncio até que entrou em ação e deu um tapa em Michael. Um tapão! Quem diria! Agora a coisa estava ficando boa! O segundo tapa veio acompanhado do terceiro. E do quarto. E do quinto... Gwen começou a se preocupar se não era o caso de chamar a polícia, ou pior, ela emergir da vegetação e apartar a confusão. Aquilo seria trabalhoso... Mas pensando racionalmente, quais eram as chances de Laura L. ter sido sequestrada por Michael?
Muito poucas, de acordo com a interação dos dois por debaixo dos panos que Gwen andou presenciando e participando nos últimos tempos. A coisa toda dava traços de romance, pelo que ela andou se informando nos livros e filmes. Mas não tinha como ter certeza. Antes mesmo de ela tomar uma posição sobre o que fazer com a situação de luta livre que se desenrolava na sua frente, tudo mudou de figura de uma hora para a outra. Michael abraçou Laura e Laura se deixou ser abraçada. Atitude pouco condizente com alguém que desferia tapas e pontapés num passado tão recente. E tudo ficou menos coerente ainda quando Laura o abraçou de volta. Com certa força, Gwen chegaria a arriscar, a julgar pelos vincos na camisa de Mike. Nada fez sentido na cabeça de Gwen e o nó pareceu se apertar quando Michael chegou muito perto de Laura de modo que só faltou um pouquinho para eles se beijarem. Gwen se viu agarrada a um caule fino nos arbustos torcendo para que isso acontecesse logo. Porque estava quase, só faltava...
- Não – Laura falou com a voz bem alterada lá do outro lado da estrada, fazendo Gwen quebrar o caule do arbusto ao seu lado devido à reação inesperada.
Se bem que não era inesperado que Laura soltasse uns gritos quando menos se esperava. Na opinião de Gwen, Laura sempre deu mostras de um temperamento explosivo. Não que fosse má pessoa, mas dava um pouco de medo em alguém tão em-si-mesmada quanto Gwen. Ela pensava nisso enquanto não conseguia decifrar o que estava acontecendo entre aqueles dois.
- Quantos dias vão durar o seu para sempre dessa vez, Michael? – Gwen conseguiu captar outra colocação desgostosa de Laura.
Na concepção de Gwen, para sempres nãos deveriam ser medidos em dias. Em anos, talvez. No mínimo. Mas o que ela sabia? Sabia que o que presenciava ilicitamente ali era muito bonito, porém tinha um ar de tristeza também e talvez fosse a tristeza que contribuísse para a beleza da cena, mas não tinha como ela adivinhar.
Eles dois estavam muito próximos de novo. Quase, quase se beijando. Instintivamente Gwen prendeu a respiração e se segurou no arbusto mais próximo, podia até arriscar que estava com os olhos franzidos para captar qualquer mínimo movimento que faltava para as duas bocas se encostarem. Era uma questão que milímetros ou no máximo centímetros até que... Plack! Mike tirou um papel qualquer e o galho que Gwen se apoiava quebrou. Desse jeito não ia dar... Se a coisa continuasse desse jeito muito em breve ela não teria mais arbustos para se camuflar. Além disso, desmatar a vegetação serrana não era uma atitude de amiga da natureza e ela se considerava uma.
Seria muito pedir para eles se beijarem logo?!
As pernas dela estavam dormentes e seus pais não demorariam a chegar para buscá-la, afinal de contas ela estava de férias e tinha que passá-las na cidade. Bem que ela preferia continuar na serra... Mas antes que ela pudesse concluir esse pensamento Michael beijou Laura e não havia galho suficiente para Gwen se amparar daquela visão. Era igualzinho aos beijos dos filmes, só não tinha a música de fundo, nem a oportunidade de dar zoom. O que era uma pena. Gwen podia franzir os olhos o quanto quisesse que o beijo não se aproximava mais da sua percepção de jeito nenhum. E por mais inimaginável que pudesse parecer, Laura e Mike formavam um bom casal, eles pareciam... Próximos.
E não era só porque Laura estava agarrada ao pescoço de Mike, Gwen percebeu, nem porque Michael a levantava da beirada da caminhonete pela cintura. Talvez a razão da proximidade tivesse mais a ver com a gargalhada que Laura deu quando Mike a carregou até a cabine da caminhonete. Ele disse algo no seu ouvido que a fez olhar muito atenta para os olhos dele para logo depois beijá-lo novamente. Devia ter sido algo bem romântico... Então Mike fechou a porta dela e deu a volta para chegar ao banco do motorista. Foi questão de segundos até a caminhonete sair do campo de visão de Gwen, abandonando-a sozinha com seus pensamentos.
Era parecido com quando ela lia ou via um romance muito bom, só que muito pior porque aquilo não era ficção. Presenciar uma demonstração de amor verdadeiro quando não se está preparado pode ser muito desestruturante se o expectador em questão tem tão poucas chances de conseguir algo de gênero para si mesmo. Gwen se policiou pelo pensamento amargurado enquanto se levantava dos arbustos. A caminhada até a escola não foi das mais agradáveis, seu equilibrio ia para o brejo toda vez que Gwen se dava conta da improbabilidade de uma coisa daquelas acontecer com ela. Tinha certos assuntos que ela fazia questão de largar no esquecimento. E quanto ao seu caminhar instável, bem, aquilo podia ser nada mais nada menos do que suas pernas que ainda se recuperando da dormência.
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Foi muito esquisito dar um segundo fim pra essa história sete anos depois de eu ter escrito o primeiro fim, mas foi um esquisito bom. Espero que seja esquisito bom pra vocês também! Aí vocês me dizem o que acharam se não ficarem com preguiça.
Sobre a história da Gwen, acho que as postagens vão ser domingo e quarta. Alguém tem uma opção de dias melhor? Estou super aberta a alterações. E como hoje é domingo, quarta-feira provavelmente eu comece ela, quem tiver tempo de acompanhá-la vai me deixar muito contente :3
Beijo, até lá!
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Agridoce
RomanceLaura L. não vê a luz do dia fora dos muros de seu colégio interno faz dez anos. Ela está desesperadamente à espera de um milagre. Já Mike, um planejador de exteriores falido, não precisa de milagres: está com a vida ganha. Ou quase, só basta conclu...