ABSURDA

Capitulo 5 - A sala preta

Ao terminar de gravar a cena, retornei ao camarim. Estava encharcada, pois recebia um copo de água na cabeça no meio da cena;

Fui me trocar para que pudêssemos gravar as cenas seguintes. 

 Me sentei aliviada por sentir que a cada segundo ali me fazia conhecer mais sobre Mia Colucci. Eu me transformava nela com mais veemência e propriedade. Pelo ao menos em frente às câmeras.

Absorta em meus pensamentos ouvi baterem na porta.

_ Senhora Anahí? Prazer, sou Mirian. Diretora de produção.

_ Prazer Mirian, como posso lhe ajudar? Ah, por favor, sem o "senhora". Ainda sou muito novinha pra isso. Haha. Respondi.

_ Como quiser. Bem vim lhe informar que a próxima cena gravada será a do primeiro encontro de sua personagem com o Miguel, seu par romântico. Você e Alfonso precisam estar completamente conectados para gravá-la, pois, como viu no roteiro, não há falas, mas há muito sentimento. Disse Mirian, já dentro do camarim. Por isso – continuou – eu e Pedro, sabendo que ambos nunca trabalharam juntos, achamos que seria bom que vocês realizassem antes da cena uma dinâmica para se conhecerem melhor e se conectarem com os personagens.

_ Claro. Respondi já sentindo um frio na barriga. E como será essa dinâmica? Indaguei.

_ Venha comigo e vou te explicando no caminho.

Andamos pelo corredor apertado e estreito que ligava os camarins ao estúdio de gravação, enquanto ela me contava sobre a dinâmica.

_ Olha, temos ali em frente uma sala. A chamamos "sala das emoções". Não há muita coisa nela. Tem paredes pretas, assim como o chão e o teto. Há uma grande janela de vidro coberta por uma cortina, também preta, uma luz fraca e um pequeno sofá de dois lugares. Você e Alfonso deverão se sentar de frente um para o outro e conversar sobre os aspectos principais de seus personagens, quais dos aspectos tem a ver com vocês, quais não tem e o porquê.
Vocês estarão sozinhos, então quando se sentirem prontos para começar a gravar é só me chamar na sala ao lado.

Assenti com a cabeça, um pouco desconcertada. Não sabia o que esperar.

Chegamos a sala e Alfonso já estava sentado à minha espera. Entrei cuidadosamente e senti a porta se fechar atrás de mim.

_ Oi Alfonso! Disse.

_ Poncho! Respondeu ele elevando a voz. Me chame de Poncho.

Ele percebeu que havia me assustado com seu tom de voz, então logo se explicou.
_ Desculpe o ataque, estou bastante nervoso.
_ Fique tranquilo, disse me sentando ao seu lado, vamos ficar bem, eu não mordo. Tentei tirar o peso do ambiente. Ele sorriu.

_ Claro, princesa Mia. Eu sorri.

_ Acho que a Mia vai gostar se a chamar de princesa. Não é bem o que queremos agora. 

_ Tem razão. Respondeu.
_Por sua vez, o Miguel ... acho que tenho o apelido perfeito para Miguel.
_E qual seria Anahí?
_CAIPIRA !

Rimos juntos. O clima ficou instantaneamente mais leve.

_Você é realmente boa nisso. Disse ele tentando manter o assunto.
_Digamos que tenho uma mente bem criativa.
Ele me olhou sorrindo e novamente eu me perdi naquele olhar. E o sorriso? Era desconcertante olhar aquele sorriso. Tinha uma ar de malicia e inocência. Me fazia arder por dentro.
Ele tocou meu cabelo com os dedos.

 _ Acho que você era mais loira quando te conheci. 

Me afastei em um gesto reflexo mas logo me aproximei de novo. Você conheceu Anahí e essa pessoa aqui na sua frente é Mia Colucci.

Ele olhou pra frente,  sorrindo de lado. Depois se virou novamente pra minha direção e colocou suas pernas em cima das minhas ficando bem de frente pra mim. Eu congelei. Olhava pra frente friamente, buscando evitar qualquer contato visual.

_ Sofá pequeno. Eu não caibo direito. Haha. Mas me conta então. Qual a diferença da Anahí que eu conheci e da Mia Colucci que conheço agora?

_ Bem, Anahí sempre trabalhou. Sempre deu duro para realizar seu sonho e para ter as coisas que queria. Anahí é uma mulher livre e que não se prende pelo medo de seguir em frente.

Mia, não é assim. Sempre teve tudo o que queria de mão beijada não é ?! Não sabe o que é batalhar para ter algo e isso faz com que ela não saiba muito bem como enfrentar a vida.

_Bela percepção. Bem filosófica. Disse ele. Eu ainda evitava o contato visual.

_ Obrigada! E Miguel? Se parece com o Poncho?

_ Não! Respondeu ele sem pensar muito. Miguel é focado e leva tudo com uma seriedade até prejudicial. Eu sou tranquilo, não levo tudo tão a sério. Não acho que estou na idade de me estressar, mas sim de aproveitar a vida.

_Poncho é um à toa? Debochei.
_Poncho é Carpie Diem, dona Anahí. Vive o hoje. Não acho que tenho que crescer agora. Bem, tenho minhas responsabilidades e encaro elas com dedicação mas sem perder a criança que existe em mim. Sou um Petter Pan moderno.

Meu coração foi até a boca. Essa era a minha filosofia pessoal de vida, e Petter Pan, minha história preferida. Em toda a minha vida sempre tentei manter minha criança interior.

_Cara. Você não vai acreditar se eu te disser que essa é minha filosofia de vida né ? ! Tenho até um pequeno Petter Pan tatuado. Disse ainda incrédula.

Ele sorriu surpreso. Ainda me olhando fixamente.
_Não, não ... Só acredito vendo!

Me virei lentamente pra ele, afastando suas pernas que ainda estavam em cima de mim. Levantei um pouco a blusa e mostrei a tatuagem, que ficava em minha cintura.
Ele olhou, e posso jurar que vi desejo naquele olhar. Eu estava nervosa. Ele levou sua mão direita até a tatuagem mas não a tocou. Levou então sua mão até meu rosto e tocou uma de minhas bochechas, apertando-a delicadamente. Eu quase podia tocar a tensão que se criou entre nós naquele instante.

Ele se aproximou do meu rosto, encostando seu nariz ao meu.

Eu fiquei estagnada, eu queria sair dali, mas não conseguia. Tinha qualquer magnetismo que me prendia ali, exatamente naquela posição.

Num lapso ele se afastou, como se recobrasse a consciência  e sussurrou pra mim:

- Acho que estamos prontos. 

 
- O que ? – Respondi desnorteada.

_Acho que jápodemos gravar. Disse ele.

 
Assenti com a cabeça ainda perdida no calor do seu corpo tão próximo ao meu.Ele se levantou. Eu me levantei e saímos juntos da sala.