Força

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Não sou uma pessoa de frases de efeito, alguém capaz de condensar o sentimento de uma geração inteira em uma única frase para ser repetida e exaltada. Principalmente porque eu sentia que todas as coisas que saiam da minha boca eram inúteis demais para serem replicadas. Pessoas grandes tinham frases pequenas e sucintas, e eu, como uma pessoa pequena, tinha intermináveis monólogos. Mas nesse momento eu senti falta de ser alguém capaz de responder algo inteligente. A mina mente era um fluxo complexo de ideias heroicas, cortados por questionamentos e inseguranças como dentes brancos. Eu conseguia me manter em pé por apenas alguns segundos antes de ser cortado novamente ao meu estado anterior, mas nesse momento eu precisava ser firme, pois todos em volta de mim estavam cambaleando.

- Vamos jogar. - Eu disse, sem entender o que as palavras que eu havia acabado de pronunciar significariam. 

- Não esperava menos do nosso herói. - Ele riu. - Não vai fazer nenhuma exigência antes?

- Eu vou. - Mica interviu com sua motivação recuperada. - Eu quero saber quem você é e para que serve esse jogo.

- Meu nome é ... - Ele produziu um ruído que nenhum de nós foi capaz de entender. - Ou, algo mais próximo da comunicação de vocês, seria Haan. - Era quase um rosnado.

- Você fala outra língua então. - Nyx disse cruzando os braços. - O que mais sobre você é diferente?

- Quantas perguntas. - Haan se divertiu. - Perfeitamente, irei responder o que quiserem contanto que façam as perguntas certas. Eu sou alguém cujo objetivo é restaurar a ordem entre os mundos, esse é o meu trabalho e a minha missão nessa vida. Minha raça é diferente dos humanos, nós somos fisicamente mais fortes e inteligentes além dos seus sonhos mais distantes. Porém nós estamos abaixo de vocês na hierarquia celeste, então quando as fendas acontecem, eu não posso apenas matar os humanos responsáveis e fazer o que é melhor para o meu povo, eu preciso esperar e garantir que vocês escolham.

- Escolher? - Eros fungou. - Me parece que nós temos muita autoridade sobre vocês.

- Em teoria... - Haan continuou. - Eu não sou o ser terrível que vocês pensam que eu sou, mas não me acreditem incapaz de cometer atos ruins. Eu faço apenas o que é melhor para o meu povo, como sempre; mas honestamente, acho vocês indignos de pisarem nesse solo ou qualquer outro.

- O que é o jogo. - Mica perguntou, firme e desinteressado. - Você fala bastante e não diz nada.

- Sem rodeios então? - Haan pisou para frente. - Aqueles da minha raça que resolvem proteger as fronteiras entre os outros três mundos fazem um sacrifício, todos nós somos capazes de alterar nossa forma física mas poucos aceitam deixar seus corpos para navegar livremente entre os universos.

- Você não pertence á nenhum lugar. - Eu respondi. - Um estranho entre os seus, você é um pária.

- Pense como quiser. - Haan pareceu incomodado. - O que importa é, quando o tecido entre dois mundos é rasgado, ele precisa ser costurado novamente para que a realidade não fique esburacada. O seu mundo é mais forte que o meu, e poderia nos absorver por completo se eu não intervisse. Da mesma forma que o sol atrai os planetas do seu sistema para uma morte flamejante, sua existência faz com que meu povo morra e sofra. Mas quando dois tecidos são costurados, um deles sempre fica por baixo, um dos nossos mundos precisa sofrer uma calamidade terrível e isso será decidido no jogo.

- Porque um jogo? - Eros perguntou. - Porque não apenas nos matar nesse momento e proteger seu mundo?

- Eu gostaria. - Haan cuspiu. - Mas eu não posso desobedecer as regras. Já passei por isso diversas vezes com mundos menores, todos eles se renderam à nossa superioridade, e certamente vocês também irão, por mais frágil que seja sua vantagem.

- E se nós perdermos? - Os olhos de Mica eram como duas bolas de fogo. - O que você ganha?

- As suas vidas. - Haan se virou. - E o seu mundo.

- Parece tão clichê. - Eros respondeu sorrindo. - Um jogo para decidir o futuro do nosso mundo e do seu, uma aposta valendo a salvação da humanidade.

- Você acredita que o jogo é algo engraçado? Uma mera aposta? - Haan gritou. - Jogo é a melhor tradução que encontrei para a sua língua carente de verbetes. O que vocês passarão é uma provação capaz de testar os limites de sua habilidade psicológica. Sobrevivam se forem capazes. 

- Quais são as regras? - Nyx perguntou.

- Porque eu deveria me incomodar em contar as regras para vocês? - Haan debochou.

 - Porque você precisa. - Eu deduzi. - Você não pode nos matar, e é obrigado a nos explicar os detalhes do que está acontecendo. 

- Insolente. - Haan cuspiu entre os dentes. - Você será o primeiro que matarei quando tiver a liberdade.

- Liberdade que você não tem. - Nyx se posicionou na minha frente.

- Perfeitamente. - Haan engoliu. - Cada um de vocês passará por um desafio feito para testar em vocês as características necessárias a um ser superior. Seus maiores medos, suas maiores dificuldades e suas fraquezas estarão expostas. Tudo que precisam fazer, é a coisa certa.

- Como saberemos qual é a coisa certa? - Eros perguntou.

- Excelente pergunta. - Haan desapareceu diante de nossos olhos.

 Antes que pudéssemos pensar no que estava acontecendo, uma linha vermelha se formou no chão, seu rastro parecia quebrar tudo em dois como uma faca afiada. A pedra se despedaçou, o chafariz se partiu no meio e os bancos caíram em pedaços. As linhas vermelhas continuaram e chegaram até nós nos separando em círculos, a última coisa que me lembro foi ver Nyx e Eros se abraçando e caindo em um buraco, seguidos por Mica em outro, e eu, caindo por entre o vazio sem ser capaz de reagir. O escuro das pedras parecia nunca acabar, até que vislumbrei uma luz vermelha e bati a cabeça com força.   

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