O Sol

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Sol

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Sol. Seus raios quentes e brilhantes, fortes, depois fracos e depois fortes de novo. A forma como eles iluminam tudo, fazendo todos debaixo da sua luz parecerem grãos de poeira. O lado de fora da delegacia estava frio nas sombras, mas um passo em direção à luz derretia todos os sentimentos ruins que eu carregava. Éramos todos insignificantes até ser atingidos por ele. Olhei para trás e vi a forma como a tinta azul escura das paredes parecia mais lascada, as grades de metal mais empoeiradas e o próprio chão cinza parecia desbotado. Olhei para as minhas mãos, todas as linhas e marcas. Se é possível ler o seu futuro nas suas mãos, eu deveria me preocupar mais com elas? Será que o sol pode desbotar as linhas do meu futuro, ou o trabalho braçal cortar mais uma linha para os meus sofrimentos? Fiquei parado observando cada vez mais de perto, até que as linhas se cruzaram com outras linhas, todas muito pequenas, criando pequenos quadrados, e outros menores ainda, até que meus olhos não conseguiam mais acompanhar.

Esse é o preço que pagamos para ter o sol conosco. Ele nos dá vida, nos dá seu brilho, e em troca, ele tira um pouco de nós, cada vez mais, desbotando nossa cor, como uma flor que é prensada e troca seus brancos e vermelhos pelo marrom do sol. No fim, todos nós voltamos para ele, somos consumidos por suas chamas aos poucos e viramos combustível para que ele continue queimando. Eu conseguia ver as pessoas, todas elas pareciam estar lentamente ficando mais desbotadas, suas cores queimando dentro da pele como pólvora. Eu gostava de pensar que eu ainda estava queimando, o fogo dentro da minha alma ainda forte, quando eu apertava a mão de alguém, ela poderia ver dentro dos meus olhos, que a minha vontade de viver estava transbordando, e meu aperto era tão quente, que ao soltar minha mão a sua iria cair como um carvão em brasa, morna pelo contato.   

Mas havia uma pessoa ainda, que era mais quente do que eu. Seu contato fazia a minha pele esquentar, e ouvir meu nome em seus lábios me fazia tremer: "Inspetor Eros" ela comia cada uma das palavras, mastigava com seus dentes brancos e cuspia elas de volta para mim como pedra derretida. Nyx era feita de fogo. E eu me perguntava se seu destino era ser apagada como o resto de nós, ou queimar até o fim e ser consumida pelo fogo. Talvez ela também seja uma estrela, talvez os seus olhos sejam mesmo como estrelas mortas, sua gravidade puxando a própria existência para dentro, brilhando por uma última vez antes de se tornar um buraco negro, capaz de engolir qualquer um que ousar encarar essas piscinas escuras.

Desci a rua me escondendo do sol, tudo me lembrava dela. Acompanhei o fluxo de pessoas que seguiam como formigas para baixo da terra até que me encontrei parado no interior do metrô, assombrado pelas lembranças que ele me trazia. "Não se apaixone por mim." As palavras estavam fixas na minha cabeça. "Aconteça o que acontecer, nunca se apaixone por mim." Elas batiam e martelavam nas minhas têmporas, escapavam pelas minhas orelhas e tremiam meus dentes. A ordem era essa, a única condição, e eu falhei. Nós estamos todos suscetíveis a se apaixonar no metrô. Não existe nenhuma noite de lua cheia, nenhum lago cristalino, que se compare à tensão existente nesta câmara metálica. O fluxo constante de pessoas, a tensão de estar no fundo da terra, distante dos olhares do mundo, livre de julgamentos. Eu sempre ficava perto do vidro. Eu sempre encostava o rosto nele, e observava. Observar o quê? Não é uma janela de verdade, nenhuma paisagem vai se estender na distância, nenhum pôr-do-sol, nenhuma praia. Mas nada me impede de tentar observar a janela, aguardar algum cenário, algum túnel que possa se desprender, alguma luz.

E às vezes esses cenários apareciam, pequenas salas para funcionários, grades amarelas, luzes na parede, e por alguns breves momentos, o vidro reflete o seu rosto, e você consegue ver quem você é para o mundo. O lado de dentro do trem não possui o mesmo interesse pelas janelas, livros, celulares, ou música, as pessoas se agarram a tudo que possa distraí-las do fato de que elas estão presas a centenas de metros abaixo da superfície, em pequenos túneis, presos em caixões de metal que andavam em velocidades rápidas demais para se preocupar com o que estivesse embaixo. Todas as vezes que o trem parava, ou as luzes caíam, seus olhos mostravam os pensamentos que passavam pela sua mente. E se eu morrer aqui e agora? Eu vou dividir meu espaço embaixo da terra com algumas dezenas de desconhecidos. Será que algum deles me ajudaria? Ou me empurrariam para ter uma chance melhor?

Independente de quão rotineiro seja, todas as viagens pela carcaça de metal levantam a mesma questão. E se eu morrer agora? A iminência da morte é leve como espuma. Eu procuro seus olhos em todos os olhos, por favor, eu não quero morrer sem você. Eu fiz o que eu podia Nyx. Eu fiz de tudo para você ter uma segunda chance de resolver o acidente da sua infância. Eu daria qualquer coisa para ver você encontrar as respostas. Porque você sobreviveu? Como? Se você encontrar as respostas, isso vai enxugar o ódio do seu coração? Você queima tão forte Nyx, você se esforça tanto, dia após dia, nunca se rendendo por um segundo. Você é tão forte, tão capaz, nada é capaz de apagar o fogo da sua alma. Mas algum dia ele pode te consumir. E eu não quero viver uma vida sem o seu calor.

Eu senti quando meus sentimentos apertaram minha garganta, a sensação de procurar você e não te ter por perto. Passei meus olhos por todos os olhos procurando os seus, essa procura era uma necessidade que eu tinha, um ritual, para sempre me lembrar que não existe ninguém como você. Mas dessa vez, eu encontrei alguém, eu me apaixonei no metrô e não foi por você. Seus cabelos eram pretos também, mas ele não tinha os seus cachos, apenas ondas que cobriam seu rosto em cascata. Seu terno era preto, seus sapatos eram pretos, sua barba era preta, e seus olhos eram como os seus. Quando ele me olhou de volta eu senti minha pele queimar, ele me sorriu de volta e eu vi o seu sorriso, era como ter você comigo de novo. O trem parou e ele andou em direção as portas enquanto me olhava, será que eu deveria ir atrás dele? Parecia um desafio. Era estranho, era ruim, era alguém que eu não conhecia, mas eu precisava ir até ele, eu não tinha controle. Eu era um pequeno pedaço de rocha, indo em direção a uma estrela, e eu sabia muito bem, que essa estrela iria me consumir, eu era apenas combustível para ele se manter queimando.

Nenhuma multidão foi capaz de esconder ele de mim, eu seria capaz de vê-lo através de paredes, muros, montanhas. Não tinha como se esconder de seus olhos. Eu corri por escadas e portas até que estávamos os dois no asfalto, novamente debaixo do sol, enquanto as pessoas andavam e corriam por entre nós. Eu não conseguia fugir dos seus olhos, do seu sorriso, ele me puxava cada vez mais de forma descontrolada. Cada passo que dava em sua direção era pesado e ansioso e ele parado, era uma estátua debaixo do sol, me aguardando de braços abertos. Eu estava tão perto que poderia ter encostado nele se esticasse o braço, mas quando tentei abrir a boca para dizer algo, ouvi um barulho terrível. Um carro desgovernado escorregou pela rua, e lá estava ele, deitado no chão pacificamente em cima de uma poça de sangue. Seus olhos fechados não brilhavam mais.

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