Escadas

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Olhei para os meus pés concentrado, um após o outro, as respirações ofegantes se juntando numa sinfonia de desespero, correndo até o andar de baixo do hospital

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Olhei para os meus pés concentrado, um após o outro, as respirações ofegantes se juntando numa sinfonia de desespero, correndo até o andar de baixo do hospital. Ao meu lado Eros apertava Nyx com força como se tivesse medo que ela fosse cair a qualquer momento, seus olhos acompanhando os dela como por uma força magnética. As escadas eram claras e iluminadas, e volta e meia éramos atrapalhados por um médico correndo em pânico, a testa coberta de suor e a expressão contorcida. Acho que lá dentro eles evitam mostrar como se sentem, eu também faria o mesmo se a vida dos outros dependesse de mim. Enquanto eu pisava rapidamente, um pé após o outro de forma sincronizada, eu fui derrubado pelo som mais diferente e aterrorizante, meu corpo travou e eu caí no chão entre as escadas sem conseguir entender. Nyx e Eros pararam para tentar me ajudar, procurando alguma ferida ou machucado, mas encontrando apenas minhas roupas largas. Eu respirei fundo enquanto eles falavam comigo e percebi que suas vozes eram claras e cristalinas. Enquanto lágrimas enchiam meus olhos eu percebi o que tinha acontecido: o silêncio.

Nada mais fazia barulho, todas as coisas pareciam ter sons curtos e baixos, e eu não mais conseguia ouvir os gritos que vinham das paredes. Tinha acabado, depois de duas décadas, tinha acabado. Encarei o corrimão de metal na minha frente e me concentrei, tentando me conectar com o seu material, deixar ele falar comigo, e depois de alguns eu ouvi seu som de forma diminuta e fraca, e com um rápido movimento de olhos, silêncio novamente. Nyx parecia perceber do que se tratava, afinal, incêndios são menos comuns do que minerais, e eu sabia que de alguma forma encontrar ela parecia ter acordado algo dentro de mim, algo capaz de superar essa maldição. Ninguém mais poderia implorar meu corpo em sacrifício, eu era um homem livre pela primeira vez.

Alguma coisa dentro das nossas almas havia se conectado, e pela primeira vez eu me senti capaz de entender o mundo à minha volta e raciocinar novamente. Eu sabia o que eu queria e para onde eu estava indo, e eu estava indo atrás da pessoa que destruiu a minha vida. Pisei com força e desci os degraus com pulos, correndo como nunca havia corrido antes, e quando cheguei até o final e andei até o estacionamento meu coração parecia que iria se despedaçar. Entre inspirações fundas eu andei por todo o local, apenas para confirmar que estava vazio. Eu não sei o que se passou pela minha cabeça, ele claramente tem o poder de sumir dos lugares de alguma forma. Mas eu só queria tentar, e tentar era a palavra que parecia queimada na minha mente. Eu tinha uma segunda chance, uma oportunidade de tentar remediar a situação. E com a ajuda de Nyx e Eros, eu pretendia de alguma forma resolver o que tanto me atormentava. O que aconteceu há 20 anos atrás? No dia do incêndio, nossas vidas mudaram para sempre, e eu quero saber o porquê.

Sentei no chão do estacionamento exausto e esperei eles terminarem de descer as escadas. Era estranho poder fechar os olhos e ouvir o som do vento, eu nem sabia que o vento tinha som. Toda os mínimos sons pareciam estar abertos para mim agora, e um deles chamou a minha atenção, um som agudo diferente de tudo que eu já havia ouvido parecia sair de perto de um carro. Ao me aproximar vi uma pequena mancha, o menor gato preto do mundo miava assustado. Ele era tão pequeno que parecia ainda estar procurando sua mãe, seus olhos quase fechados analisavam o mundo. Tentei falar com ele mas sua cabeça não virou, provavelmente ele era surdo, andei até ele e vi seu susto quando ouviu o barulho de minhas botas, talvez não completamente, mas ele precisaria ser cuidado para se recuperar. 

Quando Nyx e Eros finalmente chegaram até o estacionamento eu estava sentado no chão fazendo amizade com a pequena criatura. Um barulho veio da direção da entrada e outro gato saiu de dentro das plantas, ele era amarelo e usava uma coleira vermelha, deveria ser o gato de alguém do hospital, eu pensei, enquanto ele andava para fora confiante, seus olhos verdes brilhantes me encararam por um momento e ele sumiu.

- E então? - Eros perguntou ofegante. - Imagino que não tivemos sucesso.

- Ele parece ter desaparecido de novo. - Nyx olhou em volta. - Já devia ter pensado nisso.

- Quando eu cheguei ele já tinha sumido. - Eu virei para trás. - Mas eu fiz uma amiga.

- Uma amiga você diz? - Eros se aproximou.

- Que linda! - Nyx parecia ter se esquecido de todos os problemas. - Você vai ficar com ela?

- Óbvio. - Eu sorri. - Eu tenho um apego com coisas sozinhas e machucadas.

- E qual nome você pretende dar para ela? - Eros fez carinho no seu nariz.

- Essa aqui ... - Eu levantei a gata com orgulho. - É a pequena Nyx. 

- Eu não acredito. - Nyx dava beijinhos em suas patas. - Nós somos mesmo parecidas não é?

- A semelhança é incrível. - Eros concordou. - Vocês são praticamente parentes. 

- O que devemos fazer agora? - Eu perguntei. - Não podemos ir todos juntos para o mesmo lugar.

- Nós podemos nos separar. - Nyx me deu um celular. - Eros e eu vamos voltar para a delegacia tentar encontrar mais informações, você pode ir até o endereço e assim que descobrir alguma coisa, entre em contato conosco, ok?

- Sem problema. - Me levantei segurando a pequena Nyx. - Tomem cuidado por favor.

- Você também. - Eros acenou antes de correr em direção à delegacia.

Depois de uma breve caminhada encontrei o endereço, andando confiante eu cheguei até a frente do lugar, um lindo antiquário, repleto de objetos antigos e brilhantes. Um homem de aparência perturbada andou até a porta e depois voltou para um prédio. As portas de vidro pareciam me olhar de volta, e eu podia jurar que conseguia ver o contorno de uma pessoa sentada no fundo. Mini Nyx deu um miado alto quando nos aproximamos da entrada e começou a ronronar. Abri a porta delicadamente e ouvi o sino tocar em cima da minha cabeça.

- Finalmente você chegou! - Eu ouvi uma voz dizer de dentro da loja.

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