Encontro

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As portas do antiquário me encaravam como os dentes de uma enorme besta. Toda a sua aparência me assustava até os ossos, como algo diretamente de um pesadelo. Sob a luz do dia terminando, todas as tonalidades de laranja e vermelho davam ao lugar uma aparência diabólica, como se bestas e demônios saíssem de dentro desse portal para me assombrar. Por entre os vidros, as chamas do sol tocavam todos os objetos prateados, iluminando ainda mais sua brancura. No fundo, eu conseguia ver duas pessoas sentadas conversando normalmente. Talvez o lugar não fosse tão assombrado no final das contas, eu já havia percebido que eu era capaz de ver coisas que os outros eram incapazes, então os dois poderiam ser inocentes dos perigos que se apresentavam em volta deles.

Qual dos dois? Criaturas amaldiçoadas incapazes de ver a verdade, ou apenas pessoas normais cercadas do mundo como ele é, distantes das visões retorcidas criadas na minha mente? A cada momento as verdades se trocavam, me atormentando com suas possibilidades, a dicotomia do bem e do mal cansando minha mente. Eu entraria e descobriria por mim mesmo, essa era a minha decisão. A cada passo para a frente do lugar eu sentia meu corpo tremer mais profundamente, tentando decidir qual caminho seguir, e no que acreditar. O calor estava sumindo conforme o sol se escondia, me deixando na mais profunda solidão, no mais profundo frio.

A força que corria dentro de mim era a única coisa transportando meu corpo para a frente, em direção ao desconhecido, como uma linha entranhada na minha carne, me puxando, como se eu fosse uma marionete ou um peixe se debatendo. Independente, aquele lugar era o meu destino, e eu não aguentaria fugir mais uma vez. Apenas alguns passos separavam os meus pés da porta, e eu estava pronto para diminuir essa distância. Olhei mais uma vez para cima até o balcão da loja e percebi que as pessoas haviam mudado de lugar, sentadas em uma mesa tirando cartas sobre o futuro. O futuro de quem, eu me pergunto? O meu ou o deles? No balcão, uma figura escura se mexeu sentindo o calor da luz, um pequeno gato preto usando um coleira azul, seus olhos amarelos se abriram por um momento para me encarar, e depois voltaram a se fechar de forma sonolenta. 

Era um desafio. Certamente, aquele gato era o sinal mais claro possível de mau agouro que eu poderia ter recebido. Me dizendo claramente que não havia nada lá dentro para mim, e que todos debaixo daquele telhado seriam dizimados. As mensagens eram estranhas e quebradas, mas eu sabia que algo estava errado, e aquela gato também sabia. Será que ele me chamava? Pedindo minha ajuda? Ou será que eu interpretei errado seu alinhamento, e ele era um daqueles que desejava me mal? Não existe nada mais inofensivo do que um animal tão pequeno, através de sua aparência macia e inofensiva, ele tentaria me convencer de sua inocência, para depois me atacar com suas garras terríveis e revelar sua verdadeira forma. 

Eu poderia lidar com pessoas, e até desastres, mas aquele gato era demais para mim. Senti todo o meu plano se desestabilizar, como uma folha de papel se desfazendo na água, eu não tinha poder para lidar com tudo isso. Um enorme desafio se colocava entre eu e o que eu tinha que fazer. Durante toda a minha vida eu fugi do meu destino, procurando nunca ter que lidar com nenhum obstáculo, nenhum problema, e agora, ele me encarava nos olhos e me desafiava, totalmente capaz de ver as minhas fraquezas, de saber todos os meus medos. Eu estava sem defesas, exposto como a pele cortada, o sangue lutando para coagular uma mísera parede, uma mísera defesa, enquanto a vida se esvai em golfadas. 

Mas o que eu tinha a perder? Eu repeti para mim mesmo como um mantra, eu tinha que tentar fazer algo com a minha existência. Se não, que prova eu tenho que eu existo? Será que tudo que me acontecia era uma divina punição, por todos os anos e recursos gastados em manter meu organismo, apenas para permanecer sem frutos? Eu aguentaria uma vida sem conquistas significantes, nunca tive uma inclinação para o sucesso, mas não sei se seria capaz de viver uma existência nula. Talvez eu merecesse ser apegado, rejeitado da face da terra como o inútil que eu sou. Mas eu havia recebido uma última chance, a possibilidade de fazer algo, qualquer coisa que seja, antes de meu nome cair no esquecimento e meu corpo retornar ao pó.

Fortaleci minha determinação e andei até a porta, minhas mãos foram até a maçaneta gelada e giraram com força, abrindo a porta com um barulho. O sino em cima da porta alertou as duas pessoas sentadas e elas me encararam cheias de expectativas. Respirei fundo e assumi a minha missão, processando tudo que precisava para sair do éter vazio que era a minha vida.

- Vocês estão em perigo. - Eu gritei. 

Sete NósOnde histórias criam vida. Descubra agora