Lógica

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O objeto da minha atração desapareceu, sua imagem se distorceu como fumaça e sumiu bem diante de meus olhos

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O objeto da minha atração desapareceu, sua imagem se distorceu como fumaça e sumiu bem diante de meus olhos. As chamas queimavam débeis no carro estraçalhado, e dentro de minutos diversos policiais vieram se retratar para mim, tentando entender o que havia acontecido. Eles diziam que eu estava em choque, paralisado, mas a verdade é que eu estava frio, sem propósito, abandonado. Eu ouvia suas vozes, o segundo acidente em vinte e quatro horas, sim, aqui mesmo, outro carro ficou desgovernado e atingiu um pedestre, exatamente no mesmo lugar, não, não, eles já checaram por buracos no asfalto. As vozes iam e voltavam da minha mente, como sons distantes em outra língua que por mais que eu tentasse eu não conseguia entender.

- Eros! - A única voz que eu queria ouvir gritou. - Eros o que ouve?

- Nyx? - Eu a procurei.

- Eu estou aqui. - Ela me apertou. - Você se machucou?

- Não. - Eu respondi. - Você encontrou Mica.

- Eu encontrei ele. - Lágrimas escorriam de seu rosto. - Muito obrigada por tudo.

- Nós temos um problema maior do que você imagina. - Eu respirei fundo. - Acho melhor vocês respirarem primeiro.

Como eu iria explicar o que tinha acabado de acontecer? O que Nyx iria pensar de mim? Eu segui um homem que encontrei no metrô, corri atrás de sua sombra e ele parou no meio da rua, apenas para ser atropelado por um carro que passou desgovernado. E enquanto eu olhava em pânico sua figura no chão sangrando, ele desapareceu. Como se nunca tivesse existido. Dentro de pouco tempo os policiais e a ambulância chegaram, suas luzes azuis e amarelas brilhando no meio da confusão. Eu ouvi os policiais conversando, no dia anterior havia acontecido um acidente aqui também, e um homem com as descrições do homem que eu estava seguindo foi levado para o hospital e já estava em recuperação. O que ela iria pensar de mim?

Eu podia ver seus olhos nesse momento examinando a cena. Suas órbitas escuras brilhavam enquanto encaravam o fogo, como se ela estivesse vendo algo, ouvindo algo. Nyx havia trabalhado com diversos incêndios, suas habilidades eram impressionantes, a forma como conseguia sentir o cheiro de pólvora, identificar as cinzas nas paredes. Todos os casos que pareciam impossíveis, ela resolvia em algumas horas. Houveram momentos em que me perguntei se ela seria uma bruxa, e nesse momento, vendo seus olhos brilhando, buscando respostas dentro do fogo, eu acreditei que ele estivesse falando com ela, contando algo que somente ela conseguia ouvir. Como eu posso Nyx, não me apaixonar por você, se existe algo que me atrai como uma mariposa que busca a luz? Você me puxa, me aperta, e eu não tenho escolha. Revisei todos os detalhes mentalmente e tentei explicar da forma mais concreta possível, mas a cada segundo que passava eu me sentia menos eu mesmo.

- Nós precisamos ir para o hospital. - Mica disse incisivo. - Se sairmos agora estaremos lá em alguns minutos.

- Vocês acreditam em mim? - Eu solucei. - Eu não tenho certeza do que eu vi.

- Eu tenho. - Nyx me encarou. - Você não está maluco.

- Nós já encontramos a pessoa que você viu. - Mica me encarou. - E ele tem um hábito terrível de desaparecer.

Os dois andavam muito juntos, com pisadas firmes e músculos retraídos, como se estivessem segurando as pontas de uma grande sacola, dividindo o peso entre seus ombros. No meu estado fragilizado a cena parecia linda, eu conseguia sentir que entre eles havia uma conexão que eu jamais entenderia, algo construído do medo, da necessidade, que uniu suas almas profundamente em uma coisa só. Era algo tão puro e tão lindo, mas que rapidamente me jogou em um abismo, uma espiral de tristeza. Eu estava sozinho, e ela estava na minha frente, e tão longe de mim, sem pensar em mim, sem precisar de mim. Que destino terrível, amar alguém de forma tão intensa e tão profunda, apenas para viver na sua sombra sem ser notado. 

E não era culpa dela, eu sabia disso, eu sabia que ela me amava da mesma forma. Mas nossos destinos sempre foram distantes, como duas pessoas que andam lado a lado na rua mas conseguem ver que logo à frente há uma bifurcação. Eu queria algo que ela nunca poderia me dar, mas ainda assim, ela sofria junto comigo. Talvez em outra vida, eu imagino que seríamos um belo par. Enquanto pensava, vi que seus olhos se viraram perdidos, como os de um animal fragilizado buscando algo desesperadamente. Ela parou e se virou para mim, e quando nossos olhos se encontraram eu vi que seu rosto se relaxou e ela encontrou conforto em olhar para mim. Ela tinha picos, Nyx subia e descia como a maré, mas se eu era algum conforto para ela, era apenas porque eu refletia o seu brilho, tal qual uma estrela em sua órbita.

Depois de alguns momentos estranhos nessa caminhada em conjunto, conseguimos chegar até o hospital, um prédio cinza rasgando o céu, cercado por ambulâncias, carros e pessoas correndo. Mica se contraiu mas conseguiu se manter firme, embora eu sentisse que seus olhos estavam rapidamente se movimentando entre os relógios e bisturis dentro dos quartos. Chegando na recepção tive que conversar com algumas pessoas e mostrar distintivos para abrir a passagem pelos corredores frios onde encontramos um enfermeiro que nos explicou os detalhes técnicos do acidente. A médica, ele explicou havia voltado agora do almoço e estava examinando o paciente mais uma vez, Dra. Calto eu logo descobri, era uma das melhores médicas da unidade e estava se dedicando de forma exaustiva em supervisionar o acidente. Nyx riu quando viu o nome da médica estampado na ficha da porta, ela tinha o meu sobrenome e ela estava convencida de que se tratava de alguma prima distante.

Quando abrimos a porta do quarto, encontramos apenas uma cama vazia e revirada, a janela escancarada deixava entrar um vento frio, e sentada na cadeira com o rosto em cima da mão dormindo, estava Calto. Seus cabelos loiros se balançavam com o vento e seu rosto muito pálido me parecia familiar, talvez ela realmente fosse uma prima distante. Fomos em direção a janela enquanto o enfermeiro nervosamente procurava alguma explicação e percebemos que se tratava de uma altura impossível para um ser humano sobreviver. Mas ainda assim, de alguma forma, nós três conseguimos enxergar um ponto escuro se movendo no chão por entre os médicos e sumindo em direção ao estacionamento. Nossas respirações travaram por um segundo, no momento seguinte, estávamos correndo pelas escadas em busca de respostas.

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