Espera

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Eu estava sozinha novamente no antiquário, Calto tinha ido embora e sua ausência havia deixado o lugar mais leve

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Eu estava sozinha novamente no antiquário, Calto tinha ido embora e sua ausência havia deixado o lugar mais leve. Olhei para baixo e vi as palavras escritas por minha tia, tantos problemas complexos, a maioria aparentemente sem resolução. O diário era como um peso me puxando para baixo com dúvidas e receios, eu não era ela, e não tinha como ser que nem ela, mas agora ela havia deixado tudo para mim, sua herança, seus sonhos e objetivos, tudo era meu. Descobrir que Calto não era minha irmã de verdade foi um baque e tanto, mas de longe não foi o maior. Sua mãe, ela disse, morreu no parto de uma criança, mas essa criança não foi você. Meu pai era meu pai, eu tinha seus olhos verdes e seu sorriso, mas a minha mãe, tinha sido ela esse tempo todo. As peças começaram a se juntar na minha mente, o terrível ódio que Calto sentia por minha tia, as acusações de que ela tinha sido responsável pela morte de sua mãe, tudo fazia sentido. Minha tia era na verdade minha mãe, e a dor de ter perdido ela pareceu apertar meu coração ainda mais.

Tudo parecia se unir em um grande retrato, a mãe de Calto, uma grande amiga deles, tendo uma criança fora de seu casamento com um homem que não poderia ficar com ela, logo depois se juntando com meu pai para tentar acalmar sua família, seu romance trágico terminando em sua morte no parto. Me pergunto quem seria o pai de Calto, talvez alguém que nós conhecêssemos? Minha tia não revelou nada sobre isso. Depois que ela se foi, meu pai tentou de tudo para restaurar a família e por isso nunca pode ficar com o amor de sua vida. Todas as noites que minha tia passou conosco, seu estendido carinho para todos e os olhares que trocou com meu pai, eles eram o casal que havia sido separado pelo destino, e não o contrário. Talvez essa descoberta fosse suficiente para matar minha irmã dos nervos.

Segurei o diário com mais força ainda conforme as lágrimas caiam em cima das folhas. Eu sentia tanta falta dela, que minha pele tremia de estar sozinha em sua casa, na sua loja, sem ser capaz de assumir seu lugar. E durante esse tempo todo, algo dentro de mim gritava, uma visão do passado, ou talvez do futuro? Meus pais juntos em uma ponte, suas cabeças se tocando como dois namorados, rindo da vida que viveram em segredo e agora estariam livres para viver em paz. Minha mãe, seus cabelos negros começando a se tornar brancos nas raízes, enquanto meu pai a encarava com seus olhos verdes já desbotados dizendo que ela nunca esteve mais linda. Mas as coisas haviam sido diferentes, ela havia passado sua vida dentro do antiquário, suas infinitas consultas deixavam o lugar de pé, e ela parecia sempre saber o futuro de todos. Mas porque não o dela? Será que ela previu que eu estaria aqui me sentindo sozinha e desamparada sem ela? Eu queria que tudo fosse um jogo, uma brincadeira, e ela entrasse pela porta, os sinos batendo, e me apertasse com força, mas nada aconteceu.

As revelações que ela escreveu começaram a tomar conta da minha mente e me segurar firme no chão como uma âncora. Pessoas precisavam de mim, e a qualquer momento elas iriam entrar pela porta e pedir pela minha ajuda, e eu precisava usar o pouco conhecimento que eu tinha para guiar todos para a segurança. Mesmo assim, as notas que ela tinha me deixado eram poucas e espaçadas como enigmas, falando sobre coisas que não faziam sentido para mim, fórmulas químicas com símbolos estranhos, um acidente de carro, um incêndio em uma creche e papéis retirados de um relatório da delegacia, ao mesmo tempo que eles eram datados de poucos meses atrás, pareciam amarelados e velhos. Nada dentro do diário fazia sentido, e as poucas palavras que pareciam ter significado eram enigmáticas. A história de como eu era sua filha, as primeiras anotações pareciam ter sido escritas com calma e tristes, mas conforme o diário ia se aproximando do presente, elas pareciam ser rabiscadas com força e medo.

O primeiro homem que entrar pela porta do antiquário depois que sua irmã sair, será o amor da sua vida. Era tão simples, mas ao mesmo tempo tão sério, como se ela conhecesse esse homem e soubesse muito bem que nós nos gostaríamos. Quando eu era nova ela brincava sobre isso, como ela podia sentar do meu lado e me imaginar crescida e forte, muito melhor e mais habilidosa do que ela. Ela dizia que eu encontraria um homem que eu amaria muito, e protegeria de tudo, e que ele também, iria cuidar de mim. Mas tudo parecia tão simples e tão certo, como se ela tivesse visto todos os detalhes da minha vida em uma linha reta. Ela sabia que eu amava o antiquário e acreditava que poderia ser muito feliz cuidando dele, era como se ela estivesse dentro da minha mente e soubesse de tudo. Eu só queria que ela pudesse me dar um sinal, algo simples que me dissesse que ela acreditava em mim, e que tudo ficaria bem.

Na frente da loja, um homem de aspecto estranho parecia rondar a rua. Ele parecia magro e cansado e suas feições pareciam doentias, como alguém que não comia ou bebia há dias. Suas passadas ora eram largas, ora curtas, e seus braços tremiam e se movimentavam de formas estranhas, ele parecia estar falando sozinho. Será que ele iria entrar no antiquário? Será ele o amor da minha vida que minha mãe havia me prometido? Eu encarei de volta seus olhos de forma desafiadora, e quando sua mão parecia estar se aproximando da maçaneta, ele a puxou de volta como se sentisse uma dor terrível. Seu semblante se tornou pálido e ele voltou correndo para o prédio do lado como se tivesse um fantasma ou um demônio. Respirei fundo e soltei, não, ele não seria a primeira pessoa a entrar pela porta. Algo dentro de mim dizia, que a pessoa que entrasse por essa porta seria alguém com um coração muito bom, atormentado por problemas que não tinham nada a ver com ele. Eu quase conseguia ver seu contorno segurando a maçaneta de forma firme e entrando com um sorriso, seu cabelo loiro macio escondendo seu rosto. Mas enfim, o futuro era o futuro, e no momento, eu só podia esperar.

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