A Janela

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Eu fiquei esperando os tons de violeta e azul

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Eu fiquei esperando os tons de violeta e azul. Eu fiquei esperando a linda aquarela que é cuidadosamente pintada todos os dias, com o branco das nuvens, e a brilhante luz do sol no fundo, um quadro vivo, se alterando a cada segundo, uma cena que te impossibilita de olhar para qualquer outro lugar, a não ser o céu. Qualquer momento, por menor que seja, em que você olha para fora, toda a pintura se rearranja, e você sente que perdeu algo que não voltará nunca mais. Todos os dias, eu sentava de frente para a janela, e esperava esse espetáculo, e todos os dias, ele nunca vinha.

A verdade é que as paisagens são mais bonitas vistas de janelas. Os pedaços de céu se alternando entre vidros e quinas, as folhas lambendo as grades, cuspindo abelhas e borboletas com seu sopro de vento quente. "Pense em uma mesa de cozinha quando você não está lá" essa é a paisagem da janela. Aquele pequeno quadrado ou retângulo, mostrando a beleza das coisas na sua estrutura perfeitamente cortada e bidimensional, um quadro da natureza viva. E quando você pensa, mas porque são feitas as janelas? Qual o seu propósito? Se muitas janelas danificam a integridade estrutural de qualquer prédio ou qualquer coração. Mas o humano é um bicho de fora, ele precisa ver o lado de fora, enquanto ele fica preso na jaula dele; Não parar na frente das janelas, isso é só para os sonhadores, mas sim, ver com o canto do olho, sentir o vento e o movimento, se sentir fora quando está dentro, e carregar esse pedaço na alma. Porque o lado de fora não é tão bonito por fora quanto por dentro. Quando você sai pela porta e encontra esse mundo, ele é movimentado, empoeirado e barulhento, nada como o paraíso da janela, o que me faz pensar que depois de cada janela tem uma segunda janela, uma janela feita de sonho, onde projetamos a nossa vontade de estar lá e não aqui. Esse filme impassível feito de refração de luz e magia, deixa a folha mais verde, o céu mais azul e o sol mais amigável, como um óculos que te mostra apenas o que você quer ver, uma visão seletiva do mundo. E talvez, somente talvez, seja esse mesmo o forro das pálpebras, que garante que todas as vezes que você feche os olhos, você vá para esse outro lado da janela e fique por lá.

Qualquer pessoa que visse a janela da sala, diria que não tinha nada de diferente, e que era apenas uma janela antiga de um apartamento antigo. Mas eu sabia que não era apenas isso. Quando o corretor me disse sobre os antigos locatários, ele foi assertivo o suficiente para eu saber que se tratava de algo ruim. Imaginei que talvez fosse um lugar barulhento, ou perigoso, mas simplesmente não consegui encontrar nenhum defeito, até que por volta da segunda semana, eu me sentei no sofá, e olhando para a parede, vi uma sombra escura. Não era uma assombração, ou um fantasma, mas sim o que parecia ser o vulto de um pássaro, voando na minha direção. Meus olhos rapidamente piscaram, e procurei por toda a sala o objeto que me causara tamanho susto, mas não encontrei nada. Não encontrei do lado de fora nenhum morcego voando por entre as árvores, ou nenhum pedaço de tecido que tivesse sido pego no vento. Foi algo que existiu por um momento, e no próximo deixou de ser.

Eu me apoiei no basculante, a testa nas grades, encarando a rua calma do final da tarde, tentando encontrar algo que pudesse justificar a visão, mas nada parecia fora do lugar. Exceto um único detalhe, uma mancha de tinta na enorme pintura, as luzes da rua estavam desligadas e eu tinha certeza que as encontrei ligadas quando cheguei. Desci as escadas correndo e as encontrei exatamente como estavam, as luzes amareladas jogando sua luz débil nas ruas ainda iluminadas pelo sol, mas pela janela, era como se o tempo tivesse passado de forma diferente, como se tudo fosse apenas uma imagem, e algo se escondesse por trás do vidro.

Havia algo de assustador em ficar do lado de fora do prédio, olhando minha própria janela, como se a qualquer momento eu fosse ver eu mesmo ali parado, e com cada respiração eu receava essa cena. Faziam quatro meses que eu havia me mudado para esse apartamento, e eu deveria ter ouvido os avisos. A entrada do prédio é uma pequena porta na lateral de um antiquário famoso no bairro, sua fachada de vidro é repleta de esculturas, candelabros e móveis. Os objetos pequenos são dispostos em estantes de madeira, e todo o lugar parece algo de um sonho. Ele é aberto e convidativo, objetos de valor do lado de bibelôs inúteis, estantes de livros nos cantos das paredes, ouro e prata reluzindo, faqueiros incompletos e espelhos manchados, como se o tesouro de um rei tivesse sido deixado no sol e ficado gasto nas bordas. Mas apesar de tudo, um ar de abandono pairava no local, os poucos clientes que entravam na loja eram como bestas de outro mundo, que entravam decididamente por entre os portais do inferno.

Eu sabia que algo de errado estava acontecendo lá dentro, mas não tinha como provar, então todos os dias, eu sentava na frente da janela, e aguardava algo acontecer. Alguém sair, alguém entrar, qualquer movimento que acontecesse na frente da loja, estava ao meu alcance, então eu esperei. E logo vi uma pessoa entrar. Seus cabelos eram loiros e finos, seu rosto parecia contorcido em uma expressão de dor, e seus dedos, assim como seu pescoço e rosto, sangravam como se ele tivesse feridas recém abertas. Seu terno estava perfeitamente passado e sua gravata parecia estar apertada o suficiente para enforcá-lo. Era como se ele tivesse acabado de sair do próprio enterro. As gotas do seu sangue cor de vinho mancharam o asfalto, e ao parar na entrada, ele cobriu seus ouvidos e se encolheu, como se algum barulho ensurdecedor o incomodasse, e ainda assim, a rua era silenciosa e monótona. Mais um foi engolido pelo antiquário, se refugiando na pequena porta do fundo da loja, a garganta estava aberta na rua, aguardando mais uma presa.

Ele desapareceu dentro da poluição de objetos, por horas aguardei sua saída, mas ele nunca mais saiu. Quando desisti de esperar, subi as escadas para o apartamento, e logo quando abri a porta, a janela estava lá. Ela cobria toda a extensão da parede, branca como osso, coberta de rachaduras e com o vidro manchado. Grades de metal cobriam toda a janela, impedindo qualquer coisa de entrar, e de sair. Do outro lado do vidro, a rua, com seus barulhos e cores, e lindas árvores, com pequenas folhas que brilhavam no sol, deixando passar os pedaços de céu e luz. Mas na minha mente, apenas uma pergunta permanecia, Marcos, você precisa descobrir quem é o homem que entrou no antiquário.

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