O Segredo

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- Então no final das contas você não é minha irmã? - Perguntei.

- Não. - Cere respondeu. - É um pouco triste.

- Eu na verdade estou aliviada. - Respondi. - Nunca gostei de você nem da minha tia. Ou devo dizer sua mãe?

- Nyx foi uma boa mãe. - Ela falou triste. - E ela passou por muita coisa em silêncio.

- E agora ela se foi para sempre. - Eu ri. - E você nunca vai poder falar para ela o que pensa.

- Ela não se foi. - Cere persistiu. - Eu já te disse, ela está aqui.

- Mas ela não sabe quem você é. - Eu a encarei. - Nem o seu pai. Eles são como estranhos para você.

- Eu não me importo. - Ela olhou para outra direção. - Eles passaram a vida me protegendo desse segredo, e agora eu preciso fazer o mesmo.

- Que criatura persistente você é. - Eu me levantei. - E se eles morressem aqui? Você deixaria de existir não é mesmo?

- Provavelmente. - Ela respondeu distraída. - Mas isso não vai acontecer.

- E se eu atrapalhar tudo? - Eu sorri. - Ir até lá agora e matar todos eles.

- Você não pode. - Ela continuou. - O futuro não pode ser alterado.

- Isso é o que você pensa. - Eu me irritei. - O futuro pode ser controlado.

- Por humanos, sim ele pode. - Ela juntou seus olhos nos meus. - Mas você não é mais uma humana.

Era verdade. A verdade era que eu havia abandonado esse título a algum tempo. Quando eu consumi o sangue dele, eu me tornei uma pequena parte de um todo. Outra pessoa agora vivia dentro da minha mente, seus pensamentos transbordavam dentro dos meus como uma forte correnteza, uma espécie de água que entrava em todos os cantos, todas as bordas da minha mente e assumia os lugares. Ele era paciente, estava esperando o momento certo para assumir o controle, mas eu acreditava que iria ser capaz de aguentar seu domínio e me manter firme em mim mesma. Eu seria capaz de desvendar os mistérios desse lugar e ainda assim ter a minha consciência, essa era a promessa que eu havia feito para mim mesma.

Essa raça, os habitantes dessa dimensão, eram diferentes de nós em muitos aspectos, mas o físico era o mais intrigante. Seu corpo era feito de tal forma a ser desconexo da alma, permitindo que mudassem de forma com uma certa facilidade e conseguissem assumir diversos pontos de vista diferentes. Sua capacidade de analisar os deu domínio do passado, eles são capazes de enxergar as realidades, as quatro dimensões são visíveis para os seus olhos, e eles sabem as escolhas que mudaram todo o curso da história. No final das contas, era inútil. Eu quis ser como eles para descobrir os segredos do universo, apenas para entender que os humanos são capazes de tudo dentro da ignorância de sua pequena mente. Eu não poderia voltar ao meu estado anterior de estupidez, mas mesmo que voltasse, de que adiantaria tudo? Não havia nenhum desfecho bom, a única saída seria manter minha mente e permanecer o mais humana possível.

Mas me manter humana era difícil, já que eu sentia o empuxo desse mundo se tornar cada vez mais forte dentro de mim, implorando para que eu abandonasse qualquer ligação que eu tinha com o mundo anterior. Eu queria saber mais, cada vez mais, e isso estava me matando como uma hemorragia. Parei para olhar onde estávamos, o salão enorme tinha colunas simétricas, ainda não destorcidas pela fenda, mas elas eram diferentes de qualquer coisa encontrada na terra. Tudo era muito preto e muito polido, e tinha um aspecto embaçado como se fossem feitas de fumaça e não de pedra. Seu formato não era retangular e sim hexagonal, e uma mesa de pedra ocupava o meio, onde estávamos sentadas. A mesa não tinha cadeiras e era perto o suficiente do chão para não precisar delas. O teto do local era aberto, a lua brilhava vermelha e refletia do chão que parecia ser de alguma espécie de mármore rosado. 

O meu coração doía dentro do meu peito, como se ele estivesse endurecido e doendo. Meu corpo estava entrando em colapso por causa das mudanças que ele passava, como se um elemento estranho tivesse sido identificado e ele estivesse tentando expurgar a ruindade de dentro de mim. Porque afinal, aquele sangue que corria dentro de mim era como um vírus, e ele corrompia cada umas das minhas células, se infiltrava dentro das moléculas e as inchava com sua composição estranha. Meu corpo estava doente, e a doença se espalhava rapidamente, me deixando pouco tempo para pensar em como sobreviver. Minhas chances eram muito pequenas. Cere estava sentada tensa, ela não protestou muito quando eu a trouxe comigo, afinal, como ela poderia competir com a minha força e inteligência? Mas na verdade, ela havia me superado em alguns aspectos. Ela segurava um baralho de cartas que ela repetidamente embaralhava como em um tique nervoso, por um momento ela deixou as cartas na mesa, e o pacote plástico furou o seu dedo. Eu olhei o rasgo na pele, a forma como o sangue saiu lentamente para fora de seu invólucro e estremeci. Eu não senti nada. Nenhuma dor característica me atingiu, eu tinha me tornado menos eu mesma nesse momento.

- Tire o futuro para mim. - Eu me sentei. - Eu quero saber.

- Você nunca acreditou nisso. - Cere respondeu. - Algum motivo em especial para querer saber algo?

- Você é boa com o futuro. - Respondi. - Me conte o futuro de cada uma das pessoas daqui.

- Todas as pessoas? - Ela apertou as cartas. - Seriam então, sete cartas?

- Sete cartas. - Eu pedi.

- Vamos começar. - Ela embaralhou mais uma vez.    

Sete NósOnde histórias criam vida. Descubra agora