Epílogo

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Bianca suspirou, segurando as mãos em frente ao corpo. A casa estava silenciosa com o pequeno José Pedro adormecido no berço e as meninas lá fora. Olhou para as paredes da espaçosa sala sem indícios de qualquer certificado. Os tons claros e as enormes janelas envidraçadas permitiam que a luz do sol preenchesse o lugar, embora todos quisessem sentar na varanda.

Deslizou a mão sobre a cortina, uma pequena fresta para observar Thamara.

— Vigiando de novo, senhora Souza — o marido criticou, abraçando-a por trás.

— Não gosto quando ela diz que é um número ímpar.

— Talvez seja melhor colocá-la naquele curso bobo — ele deu-se por vencido.

— E os alunos mais velhos? — Bianca não resistiu a implicância, segundo Guilherme os garotos mais velhos poderiam tentar se aproveitar da inocência de Thamara — Ela está ficando mocinha.

— Besteira! Ela acabou de completar doze anos.

A esposa riu, continuando a olhar pela janela. Thamara era tão linda com os cabelos cacheados e os olhos da mesma tonalidade de Guilherme. Ela andava de um jeitinho engraçado e sempre pedia autorização.

— Por falar em anos, o que faremos em nosso aniversário de casamento? — O esposo perguntou, virando-a — Pensei em deixar as crianças com os avós — ele sugeriu, beijando-lhe o decote e seguindo em direção aos ombros desnudos.

—Você é muito exagerado!

Ele fez-se de desentendido, mordendo o lábio inferior da esposa. Ao mesmo tempo o caçula abancou a choramingar.

— Esse menino só interrompe antes de beijá-la.

— Não seja tão arrogante — Bianca pediu, desvencilhando de seus braços — Ele é só um bebê que não gosta de ficar sozinho.

Assim que entraram no quarto, José Pedro ergueu-se e exibiu um lindo sorriso de dois dentes.

— Você acordou, lindo — Bianca iniciou um tom doce e bajulador.

— E ainda empolgado — Guilherme disse e o menino pôs-se a rir e balbuciar, chamando-o — Tudo bem, seu espertinho — pegou-o no colo, aceitando as mãozinhas que atacavam seu rosto barbudo — Manter esse visual não é conveniente, Bianca.

— Eu fiz um comentário ingênuo, a decisão de manter esses pelos na cara foi sua.

José Pedro parou de pular no colo do pai e logo ouviram um barulhinho terrível.

— O que andou comendo, filho?

— As meninas adulam esse menino demais — Bianca tentava se convencer, já que não estava tão empolgada na época para engravidar. Mas, tinham decido na noite do casamento que teriam um casal e se não acontecesse nas duas vezes, uma terceira gestação seria planejada.

— Sei, meu pequeno caubói faz sucesso com a mulherada — ele disse, deitando o filho para trocar a fralda — Que acha de um banho, vaqueiro?

O menino sorriu.

— Vou preparar a banheira — Bianca disse, selecionando a roupa.

— Quanta frescura! A gente vai banhar na bica — Guilherme retrucou, terminando de limpar José Pedro.

— Está frio.

— Meu filho não adoece à toa — ele disse, já caminhando para o fundo da casa.

A menina rodeava a grande árvore, interessada em suas medidas. Não era algo relevante para o grande percentual de crianças, que provavelmente estariam mais interessados em utilizar os fortes galhos como degraus. Mas para Thamara era fácil enxergar os números como explicação para tudo.

Essa foi uma das razões para entender o grande segredo de Conrado, o benfeitor da fazenda Leotie, um homem íntegro que não pensou duas vezes ao pagar a dívida da família Souza, justamente por entender que essa dívida era fruto de Rafael Monteiro. Jamais permitiria que essas terras parassem na mão do empresário paulista.

Thamara era capaz de calcular o número de novos potrinhos. A velocidade média dos cavalos que o pai, Guilherme, selecionava para participar do rodeio.

Era capaz de saber quantos potes de doce as avós fariam até o entardecer. Além de saber quantos minutos demoraria para o irmão acordar e exigir que o retirassem do berço. Sabia o número de palavras das conversas.

Fatos que inicialmente temia, porém Bianca insistia em dizer que era um dom.

Thamara franziu o cenho e cruzou os finos braços. Não gostava de ser diferente, queria amar mais os animais como quase toda a família. Porém os números, as equações, causavam-lhe uma impressão inigualável.

— Quantas folhas acha que tem?

Ela fitou a irmã mais velha e suspirou.

— Uma resposta exata?

Os olhos verdes tinham um misto de diversão.

— Você é perfeita, Thamara.

— Mas, não sou capaz de cavalgar como você ou lidar com um rebanho. Até José Pedro se diverte aqui.

Carolina colocou as mãos sobre o ombro da irmã.

— Um dia você usará sabiamente os números, talvez ganhe um Nobel.

A menor sorriu.

— Papai ficaria orgulhoso de ter troféus naquela parede branca tão sem graça.

— Com certeza, minha linda.

— Carolina, ainda quer saber o número de folhas?

— Hum, você por acaso criou uma forma matemática?

— Na verdade uni dois matemáticos fabulosos, irmã.

— Sério? E quais são os nomes?

— Bom... O primeiro foi Niccollo Fontana.

— E você contaria um pouco sobre ele enquanto voltamos para casa?

A menina sorriu, segurando firme a mão da irmã mais velha.

— Não ficará entediada?

— Jamais — ela garantiu, adorando os olhos de Thamara brilharem e as palavras serem ditas com tanta ternura.

A quantidade das folhas daquela árvore seria dita apenas anos mais tarde, quando certo goiano resolvesse aceitar que os números também podem dizer o significado do amor.


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