Segundo Capítulo: Bianca

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Eu me sentia revigorada com a corrida, minha mão segurava firme as rédeas; adorando a sensação dos cabelos ao vento. Em meu sorriso trazia toda a felicidade, vovó Margarida tinha o costume de dizer que eu nasci para viver livre e por esse motivo eu adorava Tufão. É claro que hoje ela ri das lamúrias de meu pai. Mas, o senhor Álvaro foi um grande influenciador para que eu crescesse sem temer a ninguém.

Não há maior alegria do que retornar para casa, ouvir o bando de pássaros cruzar pelo céu azul límpido, enquanto os cascos de Tufão tocam com destreza o chão. Lembro-me das incontáveis quedas e de minha mãe, Maraísa, reclamar com meu pai quando eu escapava depois do jantar com meu cavalo.

Para muitos; meu amigo não é tão bonito, porém eu o escolhera por sua personalidade. Tufão também não se contenta com a rotina e nossos melhores momentos são correndo, despreocupados. E dentre tantas razões, sinto-me uma malvada ao deixá-lo sob os cuidados de outros.

— Bianca! — Meu irmão gritou quando pulamos a cerca.

Eu não queria parar por saber que em breve voltaria às obrigações. Existem dois fatos que meus pais esqueceram de  contar: ao completar vinte anos queremos independência, e essa razão implica esforço, dedicação e abandonar o ninho.

Compreendo que a maioria dos jovens adultos desejam com afinco a liberdade adquirida com a universidade. Mas a gente costuma ignorar o aluguel, as despesas e o quanto gastamos com xerox, apostilas, trabalhos acadêmicos e as pequenas viagens devido um congresso.

Arrumar um trabalho não foi fácil, entretanto, como minha mãe teve a paciência de me fazer apaixonar por fotografia, tive a sorte de encontrar um estúdio. Isso não me inibiu de implorar para voltar à fazenda logo nos primeiros semestres. Eu sentia saudades dos meus amigos, da minha grande família, e morar sozinha é um sofrimento. Porém, Luís diz que tudo pode melhorar e finalmente encontrei uma pessoa de confiança.

Priscila tem problemas como todo mundo, contudo, desde o início nossa amizade foi leve. Rimos daqueles "paraquedistas" que erraram de curso, reclamamos dos professores quando necessário e nos finais de semana saímos para algum barzinho ou lanchonete.

A regra é não se enfurnar em casa.

Mas todo universitário sabe que, às vezes, temos que esquecer o mundo lá fora, especialmente no final de semestre. Nessas horas bate em mim aquela saudade desenfreada da  infância, a frase "eu era feliz e não sabia" justifica meus lamentos.

Tufão interrompeu o passeio, desmontei, acariciando seu pescoço.

— Mamãe não vai gostar de saber — Jorge reclamou quando se aproximou de mim.

Aos vinte e quatro anos continuo me sentindo a menina levada; talvez essa consequência seja fruto da idade dos meus irmãos. Ainda terei que ensinar os gêmeos as brincadeiras que se pode inventar numa fazenda enorme, desde que esqueçamos os limites daquelas cercas de arame liso.

Interrompi nossa caminhada assim que chegamos ao rio.

— Por que não me esperou? — Ele perguntou emburrado.

Observei meu irmão e seus olhos fecharem ainda mais com sua expressão. Aos treze anos é bastante alto e não aceita o fato de ser o filho do meio. No início da minha adolescência eu reclamava quase todos os dias da maneira como Jorge vigiava meus passos. Contudo, eu amava minha família e agradecia pelo meu pedido tornado realidade. Só não esperava crescer tão rápido e ficar sem tempo de aproveitar a infância com eles.

— Jorge, você deveria ter acelerado seu cavalo velho, ao invés de reclamar — respondi, tentando transparecer seriedade — Tem que parar de ter medo.

Em Um GestoOnde histórias criam vida. Descubra agora