Décimo Oitavo Capítulo: Bianca

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Eu ainda repassava o sobressalto de Guilherme, todavia, o mero fato dele insinuar um encontro me fazia sorrir. Interrompi no segundo lance de escadas, mordendo o lábio. Uma sensação estranha apoderava-se em meu peito.

— Fantasiar às vezes é bom, Bianca,  esperar sem esforço é uma burrice — murmurei, voltando a subida — E sabemos a dificuldade de domesticar um touro.

Ri de mim. Onde já se viu levar ao pé da letra um apelido?

Ao entrar no apartamento vi as sandálias de Patrícia esquecidas, o que comprovava sua leve embriaguez, embora eu não estivesse muito diferente. Abaixei a cabeça quando passei por meu pai, sua expressão não era das melhores e desconfiava que a razão fosse Guilherme. Da última vez que comentei sobre meu suposto namorado, havia descrito uma pessoa completamente diferente. E o touro marrento é dono de olhos grandes e marrons.

Corri a mão sobre o cabelo, sentando-me no sofá. Uma leve sonolência ameaçava, e eu lutava, observando Álvaro fechar a porta com uma expressão contida.

A curiosidade era absurda e meu coração batia de modo desacertado. Alguma coisa acontecera e minha aflição era pela viagem de Maraísa. Não gostava quando insistia em dirigir, especialmente pelos perigos nas rodovias. Ou talvez fossem meus irmãos caçulas, segundo o pediatra era comum as alergias.

— O que aconteceu, paizinho?

Álvaro respirou fundo, escondendo o rosto entre as mãos por um tempo, parado na entrada. Engoli em seco, meu pai não tinha o costume de mostrar fraqueza nem por alguns segundos. Na verdade, admirava sua facilidade em conselhos. Cruzei os braços, enquanto ele acomodou ao meu lado, tomando minhas mãos entre as suas.

— Maraísa pediu para que eu avisasse depois, mas sei o quanto ficaria chateada.

Observei sua fisionomia triste, as lágrimas deslizando pelo meu rosto sem que tivesse controle.

— Não chora, filha — pediu com afago, enxugando-as.

Eu detestava lamentos e o simples fato dele estar no apartamento de madrugada comprovava que a situação era bastante delicada.

— São meus irmãos?

— Não, Bianca, eles continuam na fazenda. O motivo para estarmos aqui é Margarida.

Fechei os olhos com força, pedindo a Deus que não fosse nada sério.

— Nós viemos à capital porque o diabetes da sua avó descontrolou.

— Ela vai ficar bem? Por favor, pai, não minta.

Ele sorriu pela primeira vez, a mão afagando minha face com ternura.

— Margarida ficará em observação e o médico fez questão de nos passar as recomendações, Bianca. Sabe o quanto a sua avó é cabeça dura! — Disse com uma risada — Por isso, não tem motivos para choro. Cadê a minha garota forte? — Álvaro arqueou a sobrancelha antes de me abraçar com acalanto — Quando cheguei aqui, estranhei ver sua picape até sua vizinha garantir que você e Priscila saíram bem vestidas, mas desconhecia o destino.

Apertei-me mais em seus braços, a idade de dona Filomena parecia um pretexto para se intrometer.

— Estávamos na casa do professor Raul, falei dele por senhor. Lembra? Então, o filho dele resolveu comemorar o aniversário e por causa do estágio fui acrescentada aos convidados.

— Confio em você, Bianca.

— Nós podemos ir ver a vovó, agora? Eu só preciso de um banho rápido.

Em Um GestoOnde histórias criam vida. Descubra agora