Décimo Quinto Capítulo: Guilherme

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Eu sabia que meus afilhados vieram de encomenda, como castigo por tudo que Flávia e eu aprontamos quando mais jovens. Dentre as recordações que realmente me abalaram, o nascimento dessa dupla ganhava destaque.

— Tio Guilherme — ela lamuriou, esquecendo de algumas letras, as mãos gordas ameigavam meu rosto.

Yasmin era uma verdadeira atriz do drama e possivelmente faria sucesso em novelas quando crescesse. Para ela não existia impedimentos e nada era complexo, tinha jeito para tudo, da mesma forma que um antibiótico resolvia uma infecção.

— Pensei que já tínhamos resolvido, princesa.

— Não! — Ela disse furiosa, apertando ainda mais meu rosto — O senhor é meu tio favorito, então tem que levar meu animalzinho.

— Mas como você pretende cuidar de um pônei? — Perguntei, Yasmin só havia ficado interessada em um filhote de Preciosa, algo que imaginávamos ser passageiro.

— Uai, vou levar ele à pracinha, comprar roupinhas e uma coleira. Dar ração e levar ele na lojinha de animais para tomar banho e ficar bem cheiroso — ela respondeu, usando os dedos para contar seu planejamento.

— Sabe que ele ficará enorme e não caberá no seu quarto.

— A gente usa a garagem — ela respondeu como se fosse o óbvio.

— Isso não vai acontecer, Yasmin.

Suas exigências costumavam ter diferentes durações, aos quatro anos e ela já conseguira uma visita de Flávia na escola; o motivo era uma carteira. Segundo minha afilhada, o terceiro lugar na mesa do centro da sala era exclusivamente dela e que os alunos sentados ao seu lado eram de sua escolha. Nem a professora havia tido êxito, o que custou uma advertência e constrangimento aos pais.

Meu cunhado, Carlos, é bastante tranquilo e gosta de recorrer ao diálogo, embora eu tenha assistido punições mais severas.

— Eu disse para não correr por aí sozinha, Yasmin.

Coloquei-me de pé e minha sobrinha escondeu-se atrás de Bianca.

— Tio Guilherme! — O ruivo de quase nove anos correu até mim.

— Como vai pequeno caubói? — Abracei-o.

— Andei assistindo uns vídeos e decidi ser peão de rodeio. Posso montar num touro, agora?

O que responder? Eu ainda tentava readquirir meu equilíbrio por ter sido atrapalhado por Yasmin. Desejava conversar com Bianca, colocar tudo sem eu devido lugar, mas com essa gangue por perto seria mais difícil como montar um touro americano.

— Não pode nem chegar perto, Igor. A mamãe não consegue correr atrás de vocês o tempo todo — Flávia dizia sem pausar para respirar — Eu falei para ficarem na varanda e que Guilherme voltaria para casa em breve. Yasmin?

— Vovô deixou.

— É mesmo?

— Deixa os meninos serem felizes, Flávia — defendi-os, estranhando o silêncio da universitária que assistia a tudo com veemência.

Ela suspirou, descansando a mão sobre a barriga. Franzi o cenho e Flávia apenas sorriu em concordância.

— Mamãe vai ter um bebê, tio Guilherme — minha carrapatinha disse, indecisa — Mas eu não queria outro irmão.

Bianca riu, chamando a atenção de Yasmin que continuava segurando-lhe as pernas. O rosto sardento ganhou um tom rosado, porém ela não se afastou.

— Você trabalha aqui também?

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