Décimo Sétimo Capítulo: Guilherme

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Ajeitei a gola da camisa, sabendo que havia dois curiosos em meu quarto. Por mim não iria até a cidade, mas Nathan não merecia essa desfeita e quem sabe fosse uma oportunidade para uma aproximação amena com Bianca. Sim, eu estava disposto a baixar a guarda e ver onde terminaríamos.

— Tem que ficar cheiroso, tio — carrapatinha disse, estendendo o vidro com um sorriso ingênuo. Já havia decorado todas suas expressões e tons vocais para saber que sua gentileza era um jeito de amolecer. Quem imaginou um homem do meu tamanho ser capacho de duas crianças? — Não pode mesmo me levar? Juro que fico quietinha e não durmo no seu colo, titio.

Sua expressão desarmou-me por completo. Seria uma grande aventura passar a noite com eles, mas Nathan com certeza não havia programado uma festa para crianças. Peguei-a no colo, despreocupado se a camisa ficaria amassada. A peça tinha sido presente de Flávia e como sempre errara no tamanho.

— Vamos fazer o seguinte; amanhã o dia será só teu.

Arqueei a sobrancelha, esperando um largo sorriso que mostrasse seus pequenos dentes. Contudo, Yasmin deitou a cabeça em meu ombro, tristonha.

— Isso não é justo. Nós temos que treinar amanhã, tio Guilherme — Igor disse, pulando no colchão.

Suspirei em resignação, pensando em não sair. Meu subconsciente temia a dominação dessas criaturinhas, pois como eu serei nas mãos de meus próprios filhos? Sentei no colchão, puxando a perna de Igor.

— Vem aqui, cabelo de fogo e carrapatinha, olhem bem para mim — ordenei sério, ambos em pé a minha frente, trocando olhares de soslaio. Geralmente evitava usar minha autoridade sobre eles, pois minha única tarefa era estragá-los — Não quero mais essa choradeira e manhosice comigo, entendidos? Por acaso eu faltei algum aniversário ou esqueço de visitá-los quando ficam doente?

— Não — responderam ao mesmo tempo com as cabeças baixas.

— Vocês gostam de ver o tio feliz? Então, tenho que ir sozinho a festa, mas prometo voltar e antes das seis horas da manhã vamos praticar no touro mecânico.

— E eu? — Yasmin perguntou, fazendo bico.

— Pode me ajudar a alimentar o Patrão — sugeri com cuidado. A última vez que tentamos o brinquedo, Flávia quase pediu o divórcio culpando Carlos por ser facilmente induzido por mim. Um festival de ofensas e depois de taxados de irresponsáveis, ela pegou Yasmin no colo e garantiu que seríamos castrados se a menina voltasse a se aproximar do touro mecânico.

Abandonei as lembranças quando ela chegou ao quarto batendo palmas e expulsando-nos dali. Ainda me deu um olhar de aborrecimento, talvez por que não estava com a aparência impecável que desejava. Peguei o chapéu já passando pela porta. Igor insistia que deveríamos mesmo acordar antes do sol, assim ele aproveitaria o brinquedo.

— Mas, o que? — Surpreendi com a agilidade de Flávia.

— Você não vai sair com isso na cabeça, nem por cima do meu cadáver, custei me livrar da fivela. Além disso, não combina com sua roupa.

— Desde quando entende de moda?

— Gislene, faça alguma coisa, por favor, ele não pode usá-lo — voltou para minha mãe, meu chapéu a uma distância considerável de sua barriga — Está sujo!

— Aprendeu a ser mentirosa?

— É apenas uma noite sem a armadura, Guilherme — Flávia retrucou e nem nos preocupávamos com as crianças que assistiam a infeliz discussão por causa do meu chapéu. Como ela se sentiria caso jogasse seu casaco de tricô no lixo? Em minha opinião era uma peça desnecessária, sobretudo para nossa região, mas Flávia dizia sentir frio. Num país tropical!

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