Fugir da rotina era um entretenimento, pois deixava minha mãe responsável das atividades da fazenda. Eu me divertia com os rostos contrariados dos peões, principalmente daqueles que tentaram cortejar dona Gislene. Sabia que eu não era impedimento para que ela tivesse relacionamentos, na verdade todos os homens buscavam primeiro minha aprovação e como qualquer filho sentia ciúmes.
Eu torcia pela sua felicidade, até me habituara com a ideia de ter um padrasto. Um fato que aconteceu somente quando mudei para Uberlândia. No início foi complicado, tinha dúvidas sobre Benedito, não queria ver minha mãe sofrendo novamente.
— Essa cachoeira é muito longe? — Uma garota de cabelos cacheados perguntou, mudando a mochila de ombro.
— Alguns metros, com a paisagem você nem cansa — respondi bem-humorado — Todos estão prontos?
No mês de julho era comum nossa fazenda receber turistas, nessas breves ocasiões eu voltava a ser o garoto aventureiro. Conhecia de olhos fechados a trilha que meu avô ensinou, transmitia os ensinamentos sobre a vegetação e a fauna. Era uma bela maneira de reviver os melhores anos de minha vida. Alguns reclamavam da pequena subida e seus obstáculos. Porém, as lamúrias mudavam para empolgação quando ouvíamos o barulho da água.
— Nossa! Aqui é um lugar fantástico — um rapaz comentou, enquanto descia os degraus de pedras — Acho que não volto para Santos.
Eu era um sortudo de fazer parte desse espetáculo da natureza.
Sentei, deixando os aventureiros aproveitarem a água fria e de uma cor impressionante. Já perdi a conta de quantas vezes abandonei a fazenda e vi me esconder aqui; minha primeira fuga foi no dia que meu avô morreu. Depois tornou-se hábito espairecer nessa tranquilidade.
— Não quer aproveitar também? — A capixaba perguntou, sentando ao meu lado.
— Talvez outro dia, moça — respondi, sorrindo de lado.
— E você importa que eu faça companhia agora?
— E prefere ficar ao lado do guia ao invés de aproveitar seus amigos? — Questionei com interesse, observando-a.
Ela passou a mão sobre o cabelo molhado, mordendo o lábio inferior. Sem dúvidas uma mulher bonita, cujos olhos cor de avelã me impressionavam. Porém, não tinha o costume de me envolver com turistas, quem sabe regido pelo caráter profissional.
— Posso estar curiosa — ela limitou a responder, sorrindo — Sou Odete e antes que faça alguma piada, foi uma homenagem a minha bisavó.
— Nome sofisticado.
— Acontece que não sou sofisticada, talvez por isso não tenha ganhado nenhum concurso de beleza — Odete retorquiu, abraçando os joelhos. Foi inevitável não reparar as pernas delgadas — E pode ser um motivo para continuar solteira.
— Aposto que não é, Odete.
Ela suspirou:
— Você por acaso é formado em turismo ou é um hobby?
— Fico com a segunda opção. Para falar a verdade só trabalho como guia para escapar de algumas responsabilidades.
— Realmente é uma boa maneira de fugir — a expressão tornando-se séria — Mas eu sempre pensei que viver no campo fosse mágico, pelo menos todo mundo da cidade grande quer escapar para o mato quando estressa.
— Um pensamento bem rude se quer saber — argumentei cético.
Odete apertou os lábios, percebendo que eu não gostei do comentário. Eu não entendo porque as pessoas pensam que a vida rural é desinteressante, significando apenas viver deitado na rede, esperando o tempo passar. Se fosse assim não estaria igual um louco procurando um administrador, não discutiria com alguns empregados, nem importaria com a saúde do gado.
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Em Um Gesto
RomanceNinguém era capaz de entender o amor por suas raízes. Bianca não se importava com as implicâncias, apelidos ou preconceitos - tudo que desejava era trabalhar no que acreditava - por isso, ao escolher o curso de Medicina Veterinária, optara pelos ani...