Cap. 3 - As Coisas da Mamãe

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Pov Camila Cabello
Brookside, Texas

O sol da manhã brilhando por entre as árvores não está servindo para melhorar o meu astral. Depois de virar de um lado para o outro a noite toda, estava mais exausta quando saí da cama do que quando me deitei nela. A falta de sono me deixa com os nervos à flor da pele e eu levo um susto quando meu celular toca.

— Não pulei pela janela, Dinah — eu grito ao bater no botão do alto-falante do celular, dando um tempo na limpeza das gavetas da cômoda da minha mãe. Ela não faz por mal, mas já ligou quatro vezes e são só onze da manhã. — Você não deveria estar na aula de Matemática?

— Sou inteligente. Além disso, vou me dar bem na vida só com o meu charme — ela diz em tom sarcástico. — Cálculo é para os fracos.

— É mesmo? Sempre achei que Cálculo fosse para pessoas inteligentes.

— Claro que não. Só dizem isso para os jovens sem personalidade, assim não se jogam pela janela. Dizemos que são brilhantes, mas o que isso realmente quer dizer é: você é chato como uma piada sem graça, então tem que se esforçar dobrado.

— Sabe que as pessoas me dizem que sou brilhante, não é?

— Tudo bem, fique comigo e eu te deixo bem burra. — Ela faz uma pausa. — Só faltam Inglês e Ginástica, pensei em dar uma fugida e te fazer companhia esta tarde.

Surpreendentemente, consigo convencer Dinah a não matar aula. Sei que ela quer ver com os próprios olhos se estou bem e foi por isso que não contei que descobri que estarei de mudança na semana que vem.

A Sra. Evans me deu a notícia hoje de manhã. Família temporária. De novo. A mãe de Dinah concordou em ficar comigo por um tempo, mas o trailer dela tem menos espaço do que o meu. Minhas passagens frequentes por famílias temporárias toda vez que a mamãe era hospitalizada geralmente não duravam muito. Eu sabia que elas eram apenas temporárias.

Mas eu ainda tenho quase um ano inteiro até fazer dezoito anos e não quero nem pensar em viver com estranhos durante esse tempo todo. Não consigo me imaginar sobrevivendo sem a mamãe e a Dinah.

Dinah Jane é minha melhor amiga há quatro anos. É o tempo mais longo que já tive uma melhor amiga. Na verdade, é o tempo mais longo que já tive qualquer amiga. Nós nos conhecemos na aula de Inglês do Sr. Carson. Tínhamos começado a ler "O Sol é Para Todos" quando fui transferida para Brookside.
Eu sou a geek que lê dois livros por semana e faz todos as lições de Inglês antes do prazo. Dinah é o outro tipo de garota. O tipo que lê resumos literários e despreza qualquer livro que não tenha ilustrações.

Algumas pessoas simplesmente odeiam ler; Dinah é a rainha delas e não era capaz de entender que eu já tinha lido O Sol é Para Todos porque queria. Nossas diferenças óbvias foram o que nos atraiu uma para a outra. Dinah precisava de ajuda e eu ajudava. É assim que eu sou. Acho que todos esses anos cuidando da mamãe criaram um hábito em mim. Jogo meu celular em cima da cama e respiro fundo, olhando ao redor. De quem vou cuidar agora?

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Cadernos cheios de pensamentos desconexos. Artigos de jornais aleatórios dobrados em quadradinhos. Centenas de embalagens vazias de comprimidos. Sou grata por Dinah ter ficado na escola; isso me deu um pouco de tempo para terminar de limpar as gavetas da mamãe sem ter que explicar nada. Sei que Dinah não nos julgará, mas algumas coisas que descobri esta manhã não têm explicação. Dinah sabe tudo sobre a mamãe. Ela é uma das poucas pessoas que sabia. A diabete da mamãe não era segredo — e foi o que, ao final, lhe tirou a vida. Mas quase ninguém sabia de sua doença mental. Não era algo fácil de ser explicado. A maioria dos jovens não sabe o que é Transtorno Bipolar, muito menos como cuidar de uma mãe lutando contra seus demônios todos os dias. Era simplesmente mais fácil não trazer ninguém para casa. Exceto Dinah. Ela já tinha visto tudo. Especialmente as últimas semanas mais críticas... A doença da mamãe tinha tudo a ver com dias bons e dias ruins. Mas não tínhamos tido dias bons há algum tempo. Em muito, muito tempo.

Olho ao redor do pequeno trailer que mamãe e eu dividimos nos últimos quatro anos. Como sempre, minhas coisas estão prontas para ir, fáceis para partir. Nunca confiei em permanência mais do que a mamãe um dia confiou. Tínhamos um acordo silencioso de que os meus pertences ficariam dentro das pesadas caixas de papelão que eu mantinha organizadas como se fossem gavetas. Mesmo quando mamãe e eu vivemos em um lugar mobiliado com cômodas de verdade, eu nunca as usei.

São as coisas da mamãe que precisam ser organizadas e separadas. Não é uma tarefa com a qual me sinta confortável. A mamãe sempre meio que manteve suas coisas privadas. Mesmo com sua morte, ainda sinto como se estivesse fazendo algo errado mexendo nas coisas dela. A parte de trás da gaveta é onde ela mantinha sua caixa de joias. Não sei muito bem por que ela sempre a escondeu, já que nenhuma de nós duas jamais teve alguma coisa de valor.

Abro a caixa cor-de-rosa enferrujada. A familiar bailarina aparece para me cumprimentar e, de repente, tenho seis anos de idade e estou espiando dentro do quarto da mamãe quando ela não está em casa. Eu dava corda vez após outra, observando a pequena bailarina de plástico rodopiar ao som da música e tentando imitar sua pose. Não consigo resistir. Dou corda na chave atrás da caixa, com força, e, à medida que a música flui, o primeiro sorriso de verdade, em semanas, aparece no meu rosto. Com dois longos fios de miçangas metálicas enrolados no pescoço, cantarolo a canção da bailarina enquanto deslizo anéis de bijuteria barata em todos os dedos. O prateado com a pedra roxo-escura muda de cor. Eu me lembro da mamãe me dizendo que aquele era seu anel do humor, que ele conseguia ver como ela se sentia por dentro. Verde-escuro queria dizer triste, vermelho significava feliz. Sempre achei que ela estivesse brincando comigo. Mas, olhando fixamente para o meu dedo, vejo o roxo-escuro se transformar em verde.

— Está brincando de se fantasiar sem mim?

Assustada, salto da cama, largando a caixa de joias, que voa pelo quarto, o conteúdo se espalhando enquanto a caixa se espatifa na parede.

— Dinah! Quase me matou de susto!

Ela dá um sorrisinho.

— Sinto muito. Você não respondeu quando eu bati, então entrei. Por falar nisso, ótima precaução de segurança deixar a porta escancarada, assim qualquer estranho pode entrar.

— E, pelo jeito, entrou.

Fico de quatro procurando as bijuterias da mamãe, agora todas espalhadas pelo quartinho. Não é mensurável em termos de dinheiro, mas aquela porcaria toda não tem preço para mim.

— Você não estava atendendo as ligações. A preocupação de Dinah está em sua voz e visível no seu semblante.

Levanto os olhos, descobrindo que as pontas do seu cabelo foram pintadas de violeta ontem à noite. Tão a cara da Dinah. Realmente vou sentir muita saudade dela.

— Me desculpe, Cheechee. Eu só precisava de um tempinho para dar uma olhada nas coisas da minha mãe. Estico o braço para pegar a caixa de música e ergo-a, virando-a para cima, mas a bandeja grudada ao fundo se desloca e cai no chão durante o processo. Duas pulseirinhas de plástico, que devem ter sido guardadas entre a bandeja e o fundo da caixa de música, caem, aterrissando nos meus pés. Dinah pega as pulseirinhas, semicerrando os olhos diante das palavras apagadas escritas no plástico.

— O seu aniversário não é no dia 14 de fevereiro?

— Sim, você sabe que é. Lembra, você comprou aquele enorme coração de chocolate do Dia dos Namorados e o embrulhou em papel de presente? Eu sempre saio perdendo no meu aniversário — brinco.

Mas algo no rosto de Dinah apaga o meu sorriso. Puxando as faixas das mãos dela, leio as palavras que fizeram seu rosto feliz e rosado perder toda a cor. Um bracelete diz: Gêmea A: 14/02/97, Mãe: Sinuhe Cabello. O segundo bracelete diz: Gêmea B, 14/02/97, Mãe: Sinuhe Cabello.

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* Valentine's Day - Dia dos Namorados nos EUA, é comemorado no dia 14/02, data de nascimento da Camila, nesta fic.

CAMREN: Peças do Destino (G!P)Onde histórias criam vida. Descubra agora