Planos e Lembranças

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Dia 10

Lena Wilson

Distrito 6

              Quando a noite chegou, eles acenderam uma fogueira, dessa vez sem discussão. Após cuidarem dos ferimentos, se organizarem e comerem algumas frutas secas, eles assistiram, em silêncio, a apresentação do hino e, mesmo após constatarem que havia sido Guida a terceira morte do dia, eles permaneceram quietos.

              Lena, que havia tirado a jaqueta encharcada e soltado os cabelos úmidos e emaranhados, não queria olhar para Samuel e por isso sentou-se distante dele e da fogueira, o que não estava sendo bom, uma vez que suas roupas, ainda molhadas, a estavam causando arrepios.

              – Você sabe que tem permissão pra sentar aqui perto, certo? – ele falou baixo e com fastio enquanto analisava uma folha sob a luz da fogueira.

              Lena respirou fundo e revirou os olhos.

              – Estou vigiando. – ela respondeu em seu tom ríspido.

              – Você sabe que é possível vigiar daqui, certo? – ele continuou, ainda de olho na folha.

              – Ah! Cala a boca.

              – Eu só estou tentando ser legal. Se você pegar um resfriado vai ser muito fácil te derrotar na Cornucópia.

              Por um longo momento, ela encarou o céu com uma cara feia, até que, por fim, bufou e devagar se aproximou da fogueira e, sendo assim, dele. Sentando-se devagar, devido ao machucado provocado pelo martelo de Azelia em seu quadril, ela encarou o fogo sentindo, com prazer, o calor. Discretamente, Samuel desviou a atenção da folha em sua frente e analisou Lena.

              – É a sua lembrança de casa? – ele perguntou apontando para a pulseira dourada no pulso esquerdo dela.

              – É. – ela respondeu levando a mão ao delicado pingente de bolinha cristalina.

              – Quem te deu?

              – Minha mãe. – ela disse amolecida – Ela colocou no meu braço quando veio se despedir.

              – Ah, a despedida! Um momento singular, não? – ele usou uma ponta de sarcasmo, apesar de parecer estar falando sério. – Eles vêm aos prantos e você apenas os abraça e os olha por uma última vez.

              Ela franziu as sobrancelhas e parou encarando tristemente as chamas com pensamentos distantes.

              – O que é? – ele perguntou a olhando. – Falei algo que não devia?

              Ela entreabriu os lábios como se fosse dizer alguma coisa, mas aí desistiu e, olhando para o lado, permaneceu em silêncio por um momento.

              – Eu não os olhei por uma última vez. – ela disse baixo, sem encará-lo. – Eu apenas fiquei olhando pro chão enquanto eles tentavam se despedir. Eu nem sequer devolvi os abraços, só fiquei lá parada com cara de merda.

              Depois de muito olhá-la criticamente, ele respirou fundo e voltou a analisar a folha.

              – Você estava em choque, é compreensível. – ele disse casualmente. – E se vale de alguma coisa, eu também não fui do tipo sentimental, eu não chorei e isso não faz de mim um merda. Olhe pra mim Wilson, olhe pra esses meus lindos olhos, sem chance de eu ser um merda!

              Ela o olhou discretamente, reparando nos tais "lindos olhos" que, na luz da fogueira, estavam ainda mais negros.

              – E a sua lembrança? – ela perguntou desconfiada.

              Ele suspirou.

              – Ah... A minha lembrança? É, eu não trouxe nenhuma.

               – E por que não?

              – Ora... Porque eu não queria lembrar das pessoas que amo quando estivesse matando outras crianças. Eu não podia matar uma garota daquelas e mais tarde pensar em minhas irmãs, mesmo sendo elas o motivo de eu está tentando sobreviver a isso.

              Ela continuou o encarando sem perceber.

              – Mas me diga você. – ele continuou – O que de tão importante você tem pra fazer em casa que quer tanto voltar?

              – O que? – ela deixou-se rir – Bem... Não é óbvio? Eu não quero morrer!

              – É lógico, ninguém quer morrer, mas quero dizer... Eu, eu aqui, preciso voltar e ajudar o meu pai com as minhas irmãs, mas e você? Você parece bem determinada, eu consigo ver nos seus olhos. Vamos Wilson, me diga, qual é o negócio?

              Ela o encarou incrédula com um sorriso escondido, mas aí parou, revirou os olhos e encostando a cabeça na árvore as suas costas, encarou o céu.

              – Eu tenho um casamento pra ir.

              – Um casamento? – ele repetiu a olhando estranho – Não sabia que era romântica.

              – Eu não vou me casar, é o meu irmão. – ela o olhou engraçado – Ele e a Diana estavam planejando uma cerimônia esse ano após os Jogos. Ia ser um momento feliz na família, mas aí eu fui sorteada e... como teoricamente eu já estava morta, não haveria mais festa. – ela deu de ombros olhando para as suas botas – Então, basicamente Miller... eu não quero ser um estorvo.

              Samuel a olhou por um momento e depois ergueu as sobrancelhas encarando a fogueira.

              – Você é realmente um doce, Lena.

              Ela o encarou estranho até um som chamar a sua atenção. Por um momento o ruído parou, mas em segundos voltou mais forte, mais próximo. Era uma espécie de ganido estranho, como um grito de criança. Ela voltou o olhar para Samuel, mas este não demonstrou nenhuma reação.

              – Você não tá ouvindo? – ela perguntou alarmada segurando mais firme a sua alabarda.

              – Bem-vinda ao lado negro da arena. – ele disse despreocupado – Você, Wilson, passou muito tempo sozinha no paraíso, aqui a coisa é diferente. Aqui... Bem, coisas estranhas acontecem aqui.

Civilians - Uma fanfic Jogos VorazesOnde histórias criam vida. Descubra agora