Cornucópia

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Dia 1

Lena Wilson

Distrito 6

                  Lena observava a contagem regressiva no cronômetro gigante enquanto relembrava o momento em que seu nome foi puxado de dentro do globo. Ao escutá-lo ecoar pela praça, sentiu uma fina pontada gelada em seu peito. Ela demorou alguns segundos antes de mover-se em direção ao palco. Não sabia como reagir, apenas sorriu derrotada e balançou a cabeça em negativa. Não queria encarar a multidão, não queria olhar os rostos daqueles que provavelmente nunca mais veria, não queria olhar para a sua família, apenas queria retrair-se para dentro de si. Por isso, a partir do momento em que subiu as escadas, só conseguiu encarar os próprios pés enquanto respondia, com fastio, as perguntas da mulher da Capital. Sua família foi lhe ver, mas ela não chorou, apenas recebeu os abraços de seus pais e de seu irmão em silêncio, enquanto escutava o pranto reprimido de sua mãe. Agora todos estariam a assistindo. Sua mãe, com certeza, não iria querer ver a única filha ser brutalmente assassinada ao vivo, mas também não iria conseguir se manter afastada.

              Lena deu uma olhada rápida ao redor. Todos os tributos estavam concentrados no relógio, encarando a brilhante e recheada cornucópia. Ela ainda não sabia exatamente do que se tratava a arena naquele ano. Todos estavam dispostos em uma espécie de cume perfeitamente redondo com uma queda para o desconhecido. A alguns metros, avistou Samuel, o garoto do seu distrito. Ele tinha os seus dezessete anos, apenas um a mais que ela, e era um belo rapaz. Os estilistas haviam enlouquecido quando colocaram os olhos nos dois pela primeira vez, não cansaram de repetir o como eles eram um casal perfeito. Altos, bonitos e misteriosos. Lena não tinha trocado muita conversa com ele, assim como ela, o rapaz se mantinha disperso a maior parte do tempo.

              14 segundos era o tempo que restava. Ela se concentrou na cornucópia, iria correr até lá. Mesmo com todo o risco daquele primeiro momento, não fugiria sem nada. Tinha decidido, no momento em que desceu da carruagem no desfile de apresentação, que entraria no jogo. Queria voltar para casa e lutaria por isso, mesmo se não conseguisse, morreria tentando e, para isso, se abastecer na cornucópia era fundamental. Sua prioridade seria uma arma, uma das boas. Tinha avistado uma espécie de alabarda bem na boca da cornucópia. Nos treinos, havia se dado bem com aquele tipo de arma, sentia-se confortável ao manuseá-la, gostava do comprimento do cabo parecido com o de uma lança, dos espigões de ferro nas extremidades e da lâmina fatal que assemelhava-se à de um machado. Iria consegui-la e já tinha traçado o seu caminho até lá. Iria pelo meio dos recipientes de plástico e sacos de dormir, não arriscaria ir pelo lado recheado de mochilas e facas. Essa tática poderia ser previsível, mas ela tentaria. Chegaria até a alabarda e derrubaria quem cruzasse o seu caminho.

              3, 2, 1... Todos correram. Alguns dos menores em direção ao precipício e a maioria direto para a cornucópia. Ao saltar do círculo de metal, Lena disparou determinada e viu o caos nascer ao seu redor, mas ela não desistiria de sua arma. Há cinco metros de consegui-la, sentiu alguém se aproximar. Era o garoto do distrito 10 que, sem sombra de dúvidas, também já havia escolhido o que queria. Lena correu mais forte e terminou envolvendo-se em uma luta corpo a corpo com o menino de quinze anos. Ele era forte e ela imaginou que morreria ali, mas não era o que queria, então livrou-se do aperto dele com uma mordida e uma cotovelada, agarrou com força a alabarda e lançou a sua lâmina em direção ao pescoço do garoto que ainda se recompunha. Lena encarou o sangue vibrante por um instante e percebeu que, a alguns metros, o tributo masculino do 8 a observava enquanto segurava um facão também sujo. Lena ignorou o seu possível novo oponente e correu em direção ao precipício, pegando uma pequena mochila cinza no caminho. Ela diminuiu o ritmo ao chegar à borda, mas, ao notar que a queda não tinha mais do que cinco metros, deixou-se escorregar pela ladeira de barro. Percebeu dois corpos a alguns metros, mas não parou para reconhecer de quem eram. Aquela pequena ladeira era perigosa.

              Lena correu em direção as árvores, tudo ali era árvore. Uma mata densa e úmida. Ela correu tentando ao máximo não fazer barulho, mas era impossível com toda a vegetação rasteira. Há alguns metros encontrou uma garrafa térmica no chão, muito certamente deixada por algum tributo em fuga, ela a apanhou e continuou com sua corrida por outra direção. Podia sentir o seu corpo tremer e o coração pular desgovernado em seu peito. Tinha sobrevivido à cornucópia, tinha matado pela primeira vez. Aos poucos, foi parando e tomando fôlego, o que parecia ser impossível. Ela andava em círculos ansiando por ar, mas o que vinha parecia não ser suficiente. Ela jogou a mochila e a alabarda no chão e caiu apoiando-se nas mãos e nos joelhos. Aquela sensação era terrível, mas o som do canhão a paralisou. Ela não conseguiu contar o número de mortos, mas não achou ter sido grande. Ainda ofegante, Lena juntou as suas coisas, se arrastou até um monte de arbustos e, fazendo uma rápida inspeção, jogou-se lá, seu cansaço e tremor espantaram o medo da presença de alguma cobra ou inseto venenoso. Ela deitou-se encarando as partes do céu por trás das árvores. Tinha começado. 

Civilians - Uma fanfic Jogos VorazesOnde histórias criam vida. Descubra agora