Epílogo

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     18 de Abril de 1912

      Carpathia finalmente tinha chegado ao Pier 34 de Nova Iorque e lá os náufragos receberam os devidos cuidados. Mais de quarenta mil pessoas esperavam o navio após souberem do desastre, muitos deles furiosos e chocados com tamanha negligência da White Star Line, por terem deixado que tantas pessoas morressem devido a falta de botes salva-vidas. A White Star Line contratou dois navios para recuperar os corpos, mas a maioria deles não foi encontrado, conseguindo recuperar apenas 328 corpos, num total de aproximadamente 1514 mortos, sendo 49% das crianças, 26% das mulheres passageiras, 82% dos homens passageiros e 78% da tripulação.
     Entretanto, os Whitmore já tinham se instalado em um hotel em Nova Iorque, depois dos cuidados médicos. Matthew não deixou Linda sozinha em circunstância alguma, principalmente porque depois da morte do seu pai, ele era tudo o que ela tinha.
     Linda ainda não conseguia pronunciar uma palavra depois do que acontecera, mas parecia melhor a cada dia. Nunca voltaria a ser o que era, uma parte dela partira com seu pai no fundo do oceano.
     Matthew sentou ao seu lado na cama, feliz por ver seus cabelos compridos num rabo de cavalo e com um vestido preto, que simbolizava o luto de seu pai. Ele também vestia preto por ela e por todos que perderam seus entes queridos naquela maldita noite.
     Segurou a sua mão. — Quer passear um pouco pela cidade? Para descontrair?
     Ela negou.
     — O que posso fazer por si?
     A jovem sorriu, mas seu sorriso era pintado de tristeza. Sua única resposta foi apertar sua mão e apoiar o rosto em seu ombro, o que significava que apenas queria que ele estivesse ali.
    Brian acolheu Linda, conversava com ela algumas vezes, abraçou-a e permitiu que estivesse no hotel com eles. Já Lucy, não pronunciava nenhuma palavra para ela depois do naufrágio. Ainda era difícil aceitar que seu filho tinha escolhido uma pobre mulher, uma mulher que não chegava aos pés de Dora. Contudo, tomou a decisão sensata de não desafiar seu marido ou ter desavenças com seu filho. E ficou com pena por ela ter perdido tudo.
     — Eu gostaria de ter conhecido ele. — Cerrou os olhos, o inglês. — Gostaria de ter pedido a sua mão na frente dele. Gostaria que soubesse que quero ser seu apesar de tudo, que faria qualquer coisa para que fosse feliz, Linda.
    Linda sentia sua garganta doer, assim que lágrimas desceram pelo seu rosto. Apertou a mão de Matthew ainda mais forte e também fechou seus olhos, lembrando do rosto do seu pai.
     Então, depois de dias, ela voltou a falar. — Eu também gostaria que ele o conhecesse. Gostaria que aprendesse a ler também, que me levasse para o altar, que olhasse para mim e sorrisse ao ver o que sentimos. Gostaria que conhecesse os seus netos, que os visse crescer. Gostaria de cuidar dele até envelhecer e... gostaria que tivesse uma vida longa.
     — Eu sei. — Sorriu, ele, feliz por voltar a ouvir a voz de sua amada.
     — Agora eu não tenho mais nada. — Soluçou.
     — Tem a mim, Linda. — Matthew ficou de joelhos na sua frente e limpou suas lágrimas. — Tem a mim. — repetiu. — Tem o amor que sinto por você, tem os seus sonhos e aquilo que você é. Você ainda tem muito.
     — Acha mesmo?
     — Tenho a certeza.
     — Obrigada... por tudo. Por estar ao meu lado.
     — Você nunca estará sozinha, Linda.
     Ela encontrou seus braços rapidamente, enquanto chorava, enquanto o rosto do seu pai aparecia quando fechou os olhos, estava grata por nunca ter desistido de Matthew. Ele estava sempre ao seu lado, amava-a. E ele era, agora, tudo o que tinha.

                              
          2 de Maio de 1912

     Os Whitmore tinham regressado à sua propriedade em Londres, que parecia um castelo, grande e bonito, algo que deixou Linda impressionada quando o viu. Matthew tinha contado aos pais sobre seu noivado, achava que seria um jeito de esquecer aquela tragédia por um momento. Lucy desmaiou, algumas vezes, mas percebeu que não podia fazer nada quanto aqui. Além disso, ouvira que Dora tinha um noivo, depois que seu pai morreu antes de chegar a Nova Iorque. No entanto, Brian estava feliz pelo filho e por Linda não estar sozinha.
     Lucy e Brian decidiram que Linda moraria com eles, e senhora Whitmore fazia um grande esforço para gostar da mulher que seu filho amava. Brian já gostava dela, do seu jeito doce e puro, do seu coração grandioso e por saber que amava Matthew verdadeiramente. Aos poucos, ela ganhava um lugar naquela família.
     Linda ainda tinha pesadelos com aquilo, e Matthew ainda conseguia ouvir o grito daquelas pessoas sempre que ficava sozinho e em silêncio em seu aposento. Aquilo demoraria a passar, talvez levaria anos. Era a pior tragédia que já tinha acontecido no mundo inteiro.
      Matthew e Linda decidiram fazer uma homenagem a todos os que morreram naquele naufrágio, principalmente para Lucius, a quem a bela jovem decidiu acender cinquenta velas por cima da grande mesa de jantar. A chama significava que ele continuava vivo em seu coração, que nunca seria esquecido. Ela lembrava que seu pai tinha feito o mesmo quando sua mãe se fora, depois apagava cada uma e dizia tudo o que sentia.
     Os pais de Matthew também estavam presentes. Lucy, inclusive, chorava ao lembrar daquela noite.  Linda chorava e apagava as velas uma a uma, enquanto dizia tudo o que seu pai significa para ela. Então, chegou na última vela e limpou suas lágrimas, preparando-se para soprar:
     — Sempre será a minha luz, pai. — Apagou a última vela.
     Matthew deu um forte abraço para ela, depois seguiram para o quarto em silêncio. Ver Linda daquele estado o deixava triste, também acabava com o seu coração. E não podia fazer nada para arrancar aquela dor. Seria uma dor que não teria fim, iria diminuir com o tempo, conseguiria ser controlada, mas seria sentida até ao fim dos seus dias.
     O inglês ajudou sua amada a deitar na cama e cobriu seu corpo. Linda sorriu e limpou as lágrimas com as costas das mãos. Deu tapas ao seu lado, para que se deitasse na cama. Ele não hesitou e fez o que ela pediu, trazendo seu corpo para si, distribuindo calor e deixando que ouvisse seu coração bater por ela.
     Desde pequena que queria conhecer o mar, e aquela paixão tornou-se noutra coisa. Aquela paixão que fazia seus olhos brilharem, tornou-se medo e ódio. Ódio profundo porque graças àquela imensidão que achava que amava, tirou a vida do seu pai. Mas a White Star Line também era culpada por não conseguir salvar todos, por não ter botes suficientes, por fecharem os portões, simplesmente porque achavam a terceira classe deplorável. Talvez não devessem ter entrado naquele navio, mas foi lá que conheceu Matthew. Ganhou um amor e perdeu o outro.

           Cinco anos depois

     Naquela tarde de 15 de Abril de 1917, Matthew Whitmore comemorara seu aniversário e o sucesso do seu livro com sua esposa e seus dois filhos. O livro era sobre um dos piores momentos de suas vidas, uma história que todos sabiam, uma história triste que foi transformada em um final feliz. Aquela era a magia que só os escritores poderiam fazer. Transformar até a história mais triste em uma história feliz. Uma forma de transformar o mundo num lugar bonito.
     Matthew lia aquela história para sua família todas as noites antes de irem para a cama, até que terminassem o livro. Por enquanto, sua filha Elenor não sabia ler, tinha apenas quatro anos e o pequeno Lucius tinha um ano de idade. O pequeno dormia no colo da sua mãe, Elenor também estava adormecida, mas aquilo não impedia o inglês de continuar com a sua história.
     Linda também gostava de ler. A maior parte do tempo, ela lia e sua casa tinha uma grande biblioteca, que era revestida de livros por todas as paredes. Depois que aprendeu a ler e a escrever, dividia a mesma paixão que seu marido. Ela gostava de viajar pelos diferentes mundos e sentir o que  descreviam em cada página. Era até mágico.
     Matthew nunca desistiu de ensinar, mesmo que o processo tenha sido lento. Ele nunca desistira da amada por nenhum momento, e Linda esforçava-se bastante para aprender. Ela lutava para conseguir escrever e ler, também para ganhar o coração de Lucy, que acabou por se tornar numa grande amiga e sogra. Lucy percebeu que não podia acabar com aquilo e que devia dar uma chance para Linda.
      O inglês ainda trabalhava com seu pai, mas também escrevia. E gostava muito mais de escrever. Linda era a sua leitora mais voraz, a que mais a inspirava e a que mais o apoiava. O seu livro foi publicado quando sua esposa ainda estava grávida do seu segundo filho, mas só depois passou a ser um sucesso internacional.
     No livro, ele retratava tudo o que tinha acontecido no Titanic, cada momento que tinha passado com Linda, pessoas que ele lembrava, o icebergue, tudo, menos o triste final. Na verdade, ele tinha criado um final feliz para sua amada.
     Sua esposa sorria ao ouvir e até derramou uma lágrima quando chegou na parte em que mais sonhara. A parte que desejara no fundo do seu coração, a parte que queria que tivesse realmente acontecido.
     Matthew leia o último parágrafo. — E a jovem irlandesa foi levada ao altar por seu pai. Seu sorriso era mais radiante que o sol naquela tarde ensolarada, seus olhos descreviam cada gota de felicidade que enchia o seu coração. Ele estava lá, carregava-a até o homem que amava. Estava feliz por ver sua filha casar com alguém que faria tudo por ela. Estava feliz por poder ver tudo aquilo. E ela... por saber que ele estava ali. — Sorriu para Linda e limpou suas lágrimas. — Fim.
     — Obrigada. — Sussurrou.
     — Fico feliz por saber que gostou.
     — Eu amei. Foi muito lindo.
     — Achei que aquela história precisava de um final feliz. — Fechou o livro. — Todo mundo merece um final feliz.
     — Você é o meu final feliz, Matt. Amo-o por isso.
     — Também a amo.
     Seus lábios tocaram o do inglês, quando o mesmo aproximou-se dela, e deu um beijo carinhoso e cheio de amor. Um beijo digno de um final feliz, marcante e onde cada um entregava seu coração uma e outra vez. Linda tinha um final feliz a cada momento que olhava para a sua família.

                                           Fim

Titanic - Uma outra históriaOnde histórias criam vida. Descubra agora